O artigo discute o trabalho de alguns autores fundamentais no debate atual acerca da construção da noção de diferença sexual na modernidade, tomando como foco de análise e de ilustração as teses apresentadas à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro durante o século XIX. O objetivo é problematizar o argumento de que a diferença entre os sexos passa a ser considerada como natural e imutável pela ciência. Essa ênfase na naturalidade estaria relacionada com as transformações ocorridas a partir do fim do século XVIII (crescente industrialização e urbanização, entrada mais efetiva das mulheres no mercado de trabalho, surgimento de movimentos de reivindicação de direitos) que requeriam mudanças nas relações de gênero estabelecidas. Contudo, nota-se que é exatamente por meio das tentativas de provar que a diferença era natural que se pode perceber o quanto ela era instável e ameaçadora. Intervenções como a educação e o trabalho da mulher poderiam alterar e mesmo "perverter" a diferença. Ser natural, portanto, não significava ser definitivo ou estar garantido.
This article discusses the work of some key players in the current debate on the construction of the notion of sexual difference in modernity, taking as the focus of analysis and illustration the theses submitted at the School of Medicine in Rio de Janeiro, Brazil, during the 19th century. The objective is to confront the argument that the difference between the sexes comes to be taken for granted and considered immutable by science. This emphasis on a natural difference between the sexes is related to transformations that occurred beginning in the late 18th century (growing industrialization and urbanization, more extensive participation by women in the labor market, the emergence of women's rights movements) that required changes in the established gender relations. Still, it is precisely through the attempts to prove that the difference was natural that one perceives how unstable and threatening it was. Interventions such as women's education and labor market participation were capable of altering and even "subverting" the difference. Thus, "natural" was not synonymous with definitive or guaranteed.