Começar-se-á um estudo sobre Guilherme de Ockham a partir de um pequeno caso envolvendo conferências de Foucault lecionadas mais de seis séculos depois da morte do filósofo franciscano, não apenas, por decerto, devido a uma mera e suposta convergência no topos nominalista por parte de ambos os autores, mas porque trata-se, antes, de atentar para a maneira como a precaução de método foucaultiana, por um lado, expõe a persistência e a inquestionável validade para os nossos tempos de uma questão central ao debate filosófico medieval, qual seja, a querela dos universais. A modernidade tardia, ou a pós-modernidade para os que a ela se afeiçoam, não se apresenta, pois, expurgada de resquícios pré-modernos por excelência; e, nesse sentido, estudar o outro em relação a nossa própria época tem sua relevância garantida pela descoberta mesma de que, em termos foucaultianos, talvez o outro mais se pareça com o mesmo do que a nossa crença no progresso nos faria normalmente acreditar. Voltar à Idade Média não é, definitivamente, voltar ao obscurantismo, rumo ao encontro de um pensamento exótico já de há muito tornado obsoleto pelos raios luminosos da razão moderna. Como afirma o eminente medievalista Etienne Gilson, “a filosofia moderna não teve de sustentar luta alguma para conquistar os direitos da razão contra a Idade Média; ao contrário, foi a Idade Média que os conquistou para si, e o próprio ato pelo qual o século XVII imaginava abolir a obra dos séculos precedentes só a continuava”.