摘要:Diga-se desde já e de forma abrupta que Gilberto Freyre apontou bem para o problema que aqui pretendemos retomar, ao empreender uma “sociologia da biografia”.1 A sua vasta cultura, muito em particular o conhecimento profundo que tinha das mais diversas áreas das ciências sociais, permitia-lhe praticar esse gênero caro aos historiadores que é a biografia – incluindo nela a análise de discursos de caráter descritivo e autobiográfico escritos por um único autor e homem de ação – com o propósito de demonstrar a existência de tipos ideais, ou seja, com a intenção de verificar a existência de conceitos investidos de um grau de generalização e abstração que se encontravam muito para além do caso individual. Podemos, hoje, discutir se, por detrás de todo este aparato metodológico e conceitual de Freyre, encontrava-se tão somente o propósito de vir a defender, mais uma vez, o tipo do “homem português”, “transformado [...] em homem luso-tropical”.2 Para a historiografia portuguesa atenta às políticas da memória promovidas pelos círculos da Ditadura de Salazar, interessados em justificar o caráter excepcionalmente doce do colonialismo português, Gilberto Freyre ofereceu dados que temos dificuldade em aceitar. Porém, se fosse possível distinguir entre a sua maneira de fazer história e os resultados por ele alcançados tendo em vista a construção de uma ideologia luso-tropicalista, haveria ainda muito a aprender com a primeira. Tal como demonstram tantos outros autores, a começar por Tocqueville e Schumpeter, Freyre encaixa bem o tipo do pensador conservador cujas análises são reveladoras de um escopo bem inovador e progressista, baralhando por isso muitas das genealogias intelectuais.