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文章基本信息

  • 标题:Inflectional exclusivity and subject 'eu' realization/A exclusividade desinencia! e a realizacao do sujeito 'eu'.
  • 作者:Neves, Maria Helena de Moura ; Goulart, Felipe Vivian
  • 期刊名称:Acta Scientiarum. Language and Culture (UEM)
  • 印刷版ISSN:1983-4675
  • 出版年度:2017
  • 期号:October
  • 出版社:Universidade Estadual de Maringa

Inflectional exclusivity and subject 'eu' realization/A exclusividade desinencia! e a realizacao do sujeito 'eu'.


Neves, Maria Helena de Moura ; Goulart, Felipe Vivian


Introducao

Os estudos disponiveis sobre o modo de representacao do sujeito, em portugues, tem sido marcados por duas direcoes complementares.

Em primeiro lugar, esses estudos tem-se encaminhado pela tensao que, ja de partida, esta representada na possibilidade oferecida pelo sistema de explicitacao, ou nao explicitacao, do sujeito. Com esse angulo de conducao das reflexoes e das analises, ressaltam naturalmente dois fatores condicionantes: de um lado, a nao existencia, na lingua portuguesa, daquele sujeito puramente 'gramatical' (sem contraparte de referencia) que existe em algumas linguas, e, de outro lado, a existencia de um sistema morfologico que disponibiliza alta especificacao desinencial de numero e pessoa, dentro da modo-temporalidade.

Em segundo lugar, a linha dentro da qual a avaliacao e conduzida, nos estudos em geral, tem envolvido e considerado uma diferenca entre os modos brasileiros usuais de representacao do sujeito e os modos portugueses, caminhando, muito regularmente, na direcao de afirmar que o PB omite menos o sujeito do que o PE.

E absolutamente consabido, e registrado em estudos, que as linguas naturais divergem quanto a possibilidade, em oracoes finitas, de o sujeito gramatical ser omitido, ou seja, nao ser foneticamente realizado (Lobo, 2013). Em principio, linguas em que cada combinacao de pessoa e numero gramatical e representada por uma desinencia verbal especifica--isto e, linguas em que ha mais exclusividade desinencial--sao menos inclinadas a expressao do sujeito, enquanto linguas em que algumas poucas desinencias verbais representam todas as combinacoes de pessoa e numero gramatical--isto e, linguas em que ha menos exclusividade desinencial--encontram na expressao quase obrigatoria do sujeito a solucao para ambiguidades que seu sistema morfologico nao obtem eliminar. O ingles, o frances (1) e o alemao, por exemplo, sao frequentemente citados como idiomas em que o baixo grau de exclusividade desinencial leva a obrigatoriedade da expressao do sujeito na maioria (embora nao na totalidade) das instancias. O espanhol e o italiano, por sua vez, abrigam-se no outro caso: sao linguas em que o alto grau de exclusividade desinencial limita consideravelmente os contextos de incidencia do sujeito pronominal. Estes ultimos idiomas foram rotulados pela gramatica gerativa como idiomas pro-drop, isto e, idiomas inclinados ao pronoun dropping (Chomsky, 1982). Tradicionalmente, o portugues foi considerado membro desse grupo; no entanto, uma incursao pelas propriedades do portugues atual pode demonstrar que o principio pro-drop vem sendo perdido, especialmente no caso do portugues brasileiro (Duarte, 1995). E exatamente por ai se entra na segunda direcao dos estudos que esta introducao apontou.

Ao presente artigo interessa particularmente a realizacao do sujeito nessa variedade da lingua, ou seja, no portugues brasileiro. E mais, nao se pretende discutir a realizacao de qualquer tipo de sujeito pronominal, independentemente de pessoa ou numero; esta em analise aqui, especificamente, o sujeito da 1a pessoa do singular, tema que tem suscitado uma serie de estudos, sobretudo brasileiros, sobre a questao. Leia-se, por exemplo, esta afirmacao referente ao estado atual do uso linguistico, nesse campo: "[...] diferentemente do PE, o PB lexicaliza o pronome sujeito referencial quando o verbo esta marcado para a pessoa de forma nao ambigua, como ocorre, por exemplo, na 1a pessoa do presente do indicativo" (Ribeiro, 1998, p. 107). Em pesquisas com dados de determinados periodos historicos, Tarallo (1993), verificando dados que cobrem desde a primeira metade do seculo XVIII ate a segunda metade do seculo XX, e Duarte (1993), analisando dados que cobrem desde a primeira metade do seculo XIX ate a segunda metade do seculo XX, encontraram, semelhantemente, uma queda significativa de ocorrencia do sujeito nulo: de cerca de 80%, em ambos os casos, as ocorrencias cairam, no correr do tempo, para cerca de 20%, na pesquisa de Tarallo, e para cerca de 30%, na pesquisa de Duarte. Se, de um lado, e possivel associar essa preferencia pela realizacao do sujeito pronominal no PB contemporaneo a historicamente comprovada reducao do paradigma flexional (Gartner, 2002), de outro lado, as pesquisas disponiveis--exclusivamente referentes a textos escritos, e particularmente referentes a variedades urbanas (Almeida, 2014)--tem de ser relativizadas quanto ao que podem realmente representar para a lingua falada das mesmas epocas. As pesquisas sobre a questao tem demonstrado a vulnerabilidade de conclusoes em principio obvias especialmente porque, atualmente, a disponibilidade de dados de escrita e de fala tem permitido avaliar o fosso existente entre uma e outra realizacao, na questao particular de que trata este texto (Duarte, 1993).

Por fim, cabe indicar, como restricao facilmente compreensivel, que o estudo nao abrange o portugues brasileiro em toda a sua amplitude diafasica, e que a delimitacao do foco de exame propoe, exatamente, um recorte que se considera particularmente relevante para as buscas teoricas que se fazem: a analise se dirige ao portugues brasileiro informal, questao a ser discutida mais adiante, na indicacao do genero escolhido como objeto particular de estudo.

As primeiras implicacoes da delimitacao do ambito da proposta

Tais escolhas tem suas implicacoes, que a seguir se especificam.

Quanto a delimitacao do registro informal na configuracao do objeto de analise, a escolha decorre da hipotese de que, com os altos niveis de automonitoramento caracteristicos do registro formal, pode haver um controle das diretrizes de expressao ou de omissao de um sujeito 'eu'. E certo que, mesmo em uma fala monitorada, a realizacao do sujeito 'eu' nao constitui um ponto especialmente ligado a cuidados de normatizacao, ja que a previsao de monitoramento e, no geral, direcionada a variantes estigmatizadas (Labov, 2008), e nenhuma das duas variantes associadas ao fenomeno em analise (sujeito expresso e sujeito zero) pode ser tida como estigmatizada. De todo modo, embora a realizacao do sujeito 'eu' nao seja um fenomeno tao sensivel a pressao normativa quanto, por exemplo, a concordancia de numero, parece defensavel a hipotese de que o automonitoramento natural do falante pode leva-lo a procurar evitar a expressao de um sujeito que, acompanhado de uma desinencia que ja o identifica, poderia ser considerado 'redundante'. Considerando-se que tal restricao seja razoavel, faz sentido esperar que ela seja especialmente atuante em determinados casos, por exemplo naqueles em que seguidos predicados se ligam a sujeitos de um mesmo valor referencial, visto que uma das regras tacitas da comunicacao cuidada e evitar repeticoes excessivas.

Quanto a escolha das formas de 1a pessoa do singular para exame, fica assentada, ja de partida, a conviccao de que a analise do comportamento de um pronome pessoal de 1a pessoa e diferente da analise do comportamento de pronomes ou sintagmas nominais de 3a pessoa. No caso do uso de formas de 3a pessoa, a lida se implementa com entidades de uma referenciacao que diz respeito a introducao e a manutencao das entidades internas ao texto, o que representa tomar a instituicao textual como universo de analise, e a costura do texto como um todo significativo. Lidar com a 1a pessoa do singular, por outro lado, significa envolver uma referenciacao que sai do texto para atingir entidades do contexto da situacao interlocutiva, externas, pois, ao tecer da referenciacao coesiva (Halliday & Hasan, 1976; Halliday, 2004). A 1a pessoa do singular representa o elemento primeiro da situacao do discurso, que e o individuo que enuncia (Benveniste, 1966; Flores, 2005), e que, a cada vez que retorna ao texto, novamente se instaura na situacao enunciativa. Assim, em contraste com elementos de 3a pessoa, o 'eu' sempre surge no texto como um enunciador que a cada momento se assume como tal, portanto nunca identificado por via de relacoes foricas internas ao texto.

Essa duplicacao de focos diretivos que governa a configuracao do ambito da proposta conduz a necessidade de que se discuta cada uma das implicacoes, o que se propoe fazer na secao a seguir.

A natureza do objeto de analise

A informalidade na linguagem

O estudo da lingua informal e uma tarefa inerentemente problematica. Em principio, ha que se entender como universo prevalente de informalidade a lingua falada, e, de fato, e ela que traz maior probabilidade de oferecer amostra de producao linguistica informal. No entanto, a producao linguistica oral a que o analista de linguagem tem mais direto acesso e aquela que, ja na sua concepcao, e publica, ou seja, que ja nasce para ser publicamente exposta: palestras, sermoes, entrevistas, aulas. Sao, assim, producoes desenvolvidas com o proposito de atingir um publico ja configurado dentro de determinado estatuto social (que muito provavelmente implica escolarizacao). Assim, cada uma dessas producoes e pautada segundo um publico especifico, sempre no sentido de que se obtenha satisfatoriamente a captacao dos sentidos que os textos carregam, tanto quanto a captacao dos moveis que guiaram a sua producao nesse contexto interacional (Dik, 1997).

Por tais caracteristicas, producoes desse tipo tendem a ter um marcado grau de monitoramento: seus produtores se poem, conscientemente, ja por dever de oficio, na expectativa de serem julgados por sua fala, e, assim, procuram adequa-la aos padroes socialmente esperados para tal ou tal conjuntura. A partir dai quem se pretende investigador da lingua informal tem a busca de material de analise confinada a poucas producoes que possam ser tidas como de recepcao minimamente sujeita a um patrulhamento sociocultural. Diante disso, o investigador pode tentar criar um ambiente absolutamente distenso, conduzindo, por exemplo, uma entrevista como um bate-papo; no entanto, nao se obtem por ai a anulacao do problema, uma vez que, como aponta Labov (2008, p. 244), qualquer situacao em que um falante e observado sistematicamente "[...] define um contexto formal em que ele confere a fala mais do que o minimo de atencao". E certo que, como o proprio autor sinaliza, diversas medidas podem ser tomadas para atenuar a tensao do falante durante sua producao, mas, de todo modo, raramente a atencao de quem fala sera completamente desviada da forma de sua fala, especialmente se o individuo em observacao tiver consciencia de que aquele que o ouve e um analista da lingua. Tudo isso leva a conclusao de que o material de analise ideal para o estudo da lingua informal seriam producoes linguisticas que se obtenham com total desconhecimento de seus produtores, por exemplo, gravacoes de falantes que ignorem estar sendo gravados. Essa solucao esbarra nas regras de controle legal da organizacao politica das sociedades, sendo muito raras as possibilidades de obtencao de tal tipo de producao.

O analista parece ter, entao, algumas poucas opcoes para escapar da impossibilidade de obter o que analisar. Arrolem-se as tres seguintes, com decrescente grau de confiabilidade quanto a algum grau de informalidade efetiva: gravar falantes sem seu consentimento, tentando obter esse consentimento apos o termino da gravacao; entrevistar falantes fazendo o possivel para estimular uma comunicacao espontanea e descontraida; buscar algum tipo de producao linguistica publica que, pelo menos em tese, nao apresente tracos de formalidade. Optou-se, aqui, por esta ultima opcao, sendo o genero selecionado para analise o dos videologs, e as razoes da opcao se apresentam a seguir.

Trata-se de um genero relativamente novo, descrito por Burgess e Green (apud Montanha, 2011, p. 154, grifos dos autores) como [...] uma forma predominante do video 'amador' no Youtube, tipicamente estruturada sobre o conceito do monologo feito diretamente para a camera, cujos videos sao caracteristicamente produzidos com pouco mais que uma webcam e pouca habilidade em edicao. Os assuntos abordados vao de debates politicos racionais a arroubos exacerbados sobre o proprio Youtube e detalhes triviais da vida cotidiana.

O videolog, portanto, pode ser entendido como uma mistura do genero da conversacao com o do diario, uma mistura oportuna para esta investigacao, visto que ambos os generos sao, tipicamente, informais. Quase todas as propriedades do videolog, alias, parecem propiciar a informalidade: o cenario e caseiro, normalmente restrito ao quarto do vlogueiro; a complexidade de producao do video e minima, restringindo-se a algumas poucas edicoes geralmente feitas pelo proprio vlogueiro; o video encontra-se publicado em um site aberto a todo tipo de conteudo produzido em contexto amadoristico (diferentemente, por exemplo, da palestra de um profissional, televisionada por outros profissionais). Cabe lembrar, ainda, que os espectadores podem interagir com o vlogueiro por meio de comentarios na pagina do video, aos quais ele pode responder em videos posteriores. Isso deve tornar evidente a distancia entre o genero do videolog e o genero do jornal televisivo, por exemplo, em que, como aponta Montanha (2011, p. 163), "[...] a abertura a interacao e limitada e pautada pelo modelo tradicional de comunicacao (emissor-mensagem-receptor)".

Fica bastante evidente, no entanto, que esse material de analise tambem nao e isento de riscos, no que respeita a fidedignidade: como ja apontado anteriormente, apenas com gravacoes de falantes que nao saibam estar sendo gravados e possivel pressupor que haja um nivel irrelevante de pressao sobre esses quanto a forma linguistica de seus enunciados. A acao de por-se a falar diante de uma camera ligada tende a despertar o automonitoramento nos falantes, o que e evidenciado pelo surgimento, em diversos videologs, de tracos caracteristicos da fala monitorada, como o uso do futuro simples e a rotacidade final em verbos no infinitivo (em termos simplificados, a pronuncia do -r final em formas como 'fugir' ou 'refogar'), dentro de uma comunidade em que isso nao e o natural. Mais ainda, muitos videologs sao produto de um longo preparo, e isso pode manifestar-se por uma fala de composicao nitidamente roteirizada. Obviamente, tomou-se o cuidado de descartar casos desse tipo, optando-se por videologs marcados por baixo grau de monitoramento e planejamento, evidenciado por uma abundancia de construcoes nao padrao, de palavras-tabus, de hesitacoes e de truncamentos.

Quanto ao cuidado de garantir representatividade geografica do pais no corpus de analise, foram selecionados ao menos dois representantes de cada regiao do Brasil, e de cada representante foram tomadas ao menos duas gravacoes, com o intuito de captar a producao do mesmo falante em momentos diferentes e, assim, tentar obter alguma indicacao de eventuais variacoes diafasicas. Chegou-se, enfim, a um total de 13 falantes e 30 gravacoes. As transcricoes foram feitas de acordo com as normas do Projeto NURC (Preti & Urbano, 1990), com algumas poucas alteracoes referentes a sinalizacao das ocorrencias de 1a pessoa do singular. Considerase que, apesar de eventuais (e inevitaveis) inadequacoes, esse genero de producao que sao os videologs--e, especialmente, os selecionados--representa o portugues brasileiro informal de maneira suficiente a que seja possibilitada uma analise relevante do fenomeno focalizado.

A indicacao desinencial do sujeito de 1a pessoa do singular dentro do paradigma verbal

Em portugues, o paradigma de conjugacao tradicionalmente associado a um verbo regular no presente do indicativo envolve a ligacao de cada pessoa e numero do discurso a uma forma verbal distinta. Assim, um verbo como 'beber' exibe, nesse paradigma, seis diferentes terminacoes (tres de singular e tres de plural): uma, atematica, que e a de 1a pessoa do singular (-o), e as demais, tematicas (-es; -e; -emos; -eis; -em).

Trata-se de uma situacao de exclusividade desinencial absoluta: com esse paradigma conjugacional em operacao, e possivel a identificacao da pessoa e do numero de qualquer sujeito por meio da terminacao verbal. Com a mesma situacao encontrada em dois outros paradigmas do modo indicativo (preterito perfeito e futuro do presente), a necessidade de expressao do sujeito pronominal nesses casos seria, em principio, drasticamente reduzida, visto que a remissao ao referente ja e garantida pelo sistema morfologico.

Em outros casos, o paradigma conjugacional nao traz terminacoes verbais especificas para cada combinacao numero-pessoal: no preterito imperfeito do indicativo, por exemplo, as terminacoes (todas tematicas) sao apenas 5, para os 6 casos (as tres pessoas do singular e as tres do plural), porque a mesma terminacao--'ava' (vogal tematica 'a' seguida de desinencia modo-temporal--'va' e desinencia numero-pessoal zero) serve tanto para a 1a quanto para a 3a pessoa do singular. Isso se aplica a grande maioria das outras formas de flexao verbal, e, nesses casos, consequentemente, o falante nao pode delegar a desinencia a identificacao de um sujeito de uma dessas duas pessoas do singular.

O oferecimento, por parte do paradigma verbal, de "[...] formas iguais para designar diferentes pessoas gramaticais" (Duarte, 1995, p. 14) e ainda mais aberto quando se sai daquilo que o sistema morfologico da lingua preve em seus paradigmas e se vai aos quadros realmente ativados nos usos, em diferentes registros. Ja ha algum tempo e evidente na lingua o abandono das formas tradicionais da 2a pessoa do plural, atualmente restritas a alguns raros empregos estilisticamente marcados. No caso da 2a pessoa do singular, embora o uso do pronome 'tu' seja ate predominante em algumas regioes do Brasil, as formas verbais que predicam esse sujeito sao muito frequentemente as que constam nos paradigmas como de 3a pessoa. A analise do corpus confirma esse desuso: nao se encontrou sequer uma ocorrencia desse tipo de desinencia no material de analise. Chega-se, pois, a quadros em que a mesma forma representa todas as pessoas do singular: 'eu', 'tu', 'ele' / 'voce cantava'.

Com base na nocao de que o licenciamento da supressao de pronomes depende da existencia de um paradigma flexional funcionalmente rico (Roberts & Kato, 1993), as inovacoes encontradas- adotadas por todos os falantes analisados--tornam o portugues brasileiro uma variedade com menos espaco para o principio pro-drop.

Entretanto, o efeito dessas inovacoes sobre a exclusividade desinencial do portugues brasileiro nao deve ser exagerado: embora os novos paradigmas certamente tragam menos relacoes biunivocas entre combinacoes numero-pessoais e terminacoes verbais do que os paradigmas tradicionais, essas relacoes ainda existem na lingua, e ainda cumprem seu papel de possibilitar a identificacao dos sujeitos a partir das desinencias (tomem-se, entre inumeros exemplos, 'canto' e 'cantamos'). Alem disso, dois dos paradigmas modo-temporais que trazem uma desinencia especifica para a 1a pessoa do singular (o presente e o preterito perfeito do indicativo) ocorrem com frequencia especialmente alta na lingua, ou, pelo menos, no genero analisado. Em decorrencia disso, as instancias de 1a pessoa do singular com desinencia exclusiva sao muito mais frequentes do que as de 1a pessoa do singular com desinencia nao exclusiva: aquelas ocorrem 1473 vezes no corpus; estas, apenas 228 vezes (2). Neves (1995, p. 524) sintetiza o que se vem expondo neste paragrafo com a seguinte declaracao: "[...] embora a correspondencia entre as pessoas do verbo e as pessoas do pronome seja imperfeita, ainda assim ela constitui um ponto de referencia constante para a interpretacao das frases do portugues".

Afunila-se, aqui, a investigacao, passando-se a analise, no corpus, da relacao entre a exclusividade desinencial e a realizacao do sujeito 'eu'.

Exclusividade desinencial e expressao, ou nao, do sujeito 'eu'

A verificacao da frequencia no modo de realizacao do sujeito de 1a pessoa do singular

Antes de verificar de que forma a especificidade das terminacoes verbais interfere na realizacao do sujeito de 1a pessoa do singular, e necessario observar o modo como a realizacao desse sujeito se da na lingua, em termos gerais, o que passa por uma primeira verificacao sobre a frequencia com que os falantes costumam explicita-la, assim como por uma verificacao das diferencas de frequencia segundo os diferentes tipos de ocorrencia.

Foram postas sob analise 1701 ocorrencias, dentre as quais 77,7% (1321 ocorrencias) apresentaram o sujeito 'eu' expresso e 22,3% (380 ocorrencias) apresentaram sujeito nulo, o que mostra a expressao do sujeito como a preferencia de 3 entre 4 falantes. Para o que se propoe no estudo, cabe confrontar essa taxa de explicitacao do sujeito com a taxa relativa aos casos de presenca (ou nao) de desinencias exclusivas de 1a pessoa do singular.

Cruzados, pois, esses dados com os obtidos nas analises sobre a exclusividade referencial (o grau de desinencias inequivocas), obtiveram-se os seguintes resultados: as desinencias exclusivas sao, no total, 1473 (75,6% delas com sujeito expresso) e as nao exclusivas sao apenas 228 (90,8% delas com sujeito expresso). Por um lado, esses resultados confirmam a hipotese de que a ausencia de desinencias exclusivas torna a explicitacao do sujeito mais provavel: a taxa de sujeito expresso associada a desinencias nao exclusivas situa-se 13,1 pontos porcentuais acima da taxa de 77,7% encontrada para o geral dos casos. Por outro lado, a notavel proximidade da taxa de explicitacao com desinencias exclusivas (75,6%) em relacao a taxa obtida para o geral das ocorrencias quebra a expectativa, criada nos estudos tradicionais sobre a materia, de que com desinencias exclusivas o sujeito pronominal tende a ser apagado pelos falantes (questao ja discutida neste texto).

Transportou-se a analise dos dados para a diferenciacao regional da amostra, no sentido de verificar eventuais variacoes diatopicas sobre a realizacao do sujeito 'eu' influenciada pela exclusividade desinencial. Os resultados mostraram comportamento muito semelhante para as diversas regioes em todas as contagens efetuadas: com desinencia exclusiva, as cinco regioes tiveram entre 70% e 80% de preenchimento da casa do sujeito, e, com desinencia nao exclusiva, as cinco regioes tiveram entre 85% e 95% de preenchimento da casa do sujeito. Aponte-se, por exemplo, que a maior disparidade encontrada foi de apenas 9,8 pontos porcentuais, distinguindo a regiao Centro-Oeste da regiao Sul no que diz respeito a relacao da presenca de desinencias exclusivas com a realizacao do 'eu'. Embora se trate apenas de uma amostra, o que nao permite generalizacoes, parece possivel ter como hipotese que, no portugues do Brasil, a sensibilidade a exclusividade desinencial nao e uma propriedade significativamente estratificada, no que diz respeito a variacao diatopica.

Passando-se a investigacao mais qualitativa dos dados, cabe proceder a analise de cada uma das quatro combinacoes produzidas pelo cruzamento dos criterios 'realizacao do sujeito' e 'exclusividade desinencial'.

A interpretacao dos dados de frequencia no jogo entre a expressao do sujeito e a exclusividade, ou nao, da desinencia de 1a pessoa do singular

Neste jogo de entrecruzamentos entre, de um lado, expressao e nao expressao do sujeito de 1a pessoa, e, de outro lado, marcacao e nao marcacao desinencial especifica do verbo, e necessario que a explicitacao passe pelas quatro situacoes que se configuram a seguir.

Para os casos de 'eu' expresso com forma verbal que nao traz desinencia exclusiva, a primeira suposicao pode ser a de que a explicitacao do sujeito tenha motivacao diretamente provinda da insuficiencia da terminacao verbal para indicar a 1a pessoa do singular. Embora essa motivacao possa ter algum peso, nao faz sentido que, em todo e qualquer caso, se atribua simplistamente o preenchimento da casa do sujeito a ausencia de desinencia especifica, ja que, no reverso, o sujeito vem frequentemente junto de formas verbais de desinencia especifica, o que mostra que tais casos nao se resolvem em termos de um simples 'sim' / 'nao' estrutural. Afinal, como ja se depreende de todo o andamento da explicitacao dos casos aqui em analise, o fenomeno da realizacao do sujeito envolve outras necessidades comunicativas alem da simples garantia de identificacao do referente-sujeito. Nos diversos casos de 'eu' + desinencia nao exclusiva' existe, portanto, a possibilidade de que fatores nao simplesmente responsaveis por uma interpretacao denotativa da construcao sejam condicionantes da explicitacao do sujeito. Casos de grande relevancia para esse tipo de comprovacao sao aqueles em que a 1a pessoa do singular desempenha o papel de foco informativo (Neves, 1997), embora nao se possa ingenuamente dizer que a necessidade de identificacao efetiva do sujeito tambem nao possa ser atuante, no caso. A importancia do papel pragmatico do sujeito no fenomeno da explicitacao fica bastante evidente em construcoes com desinencia verbal exclusiva: na ocorrencia (01), por exemplo, apesar de a identificacao do sujeito de 1a pessoa ja estar garantida pela desinencia da forma verbal ('sei'), o importante jogo de contraste presente na frase alavanca a ida da forma do sujeito para a superficie textual:

(1).. 0 pareco o Silvio Santos ... "maoe ah-ae" ... o nao sei imitar o Silvio Santos ... todo mundo sabe imitar mas eu nao sei ...

Obviamente, muitos sao os casos em que o perigo de interpretacao causado pela ausencia de especificidade desinencial e, de fato, a razao determinante da explicitacao do sujeito 'eu', o que pode ser exemplificado em (02):

(02) muita gente no Facebook pensando que eu tinha arrancado os dente da frente [...].

No contexto dessa ocorrencia, se o sujeito nao viesse expresso, seria alta a probabilidade de o sujeito da forma verbal 'tinha' (isto e, 'muita gente') ser interpretado como co-referente com o sujeito da forma verbal 'pensando'. E bastante regular a nocao de que, na cadeia referencial do texto, o candidato preferencial para entrar em uma casa vazia de sujeito, junto de uma forma verbal com desinencia que sirva a 3a pessoa, seja algum referente recuperavel por mencao precedente, configurandose, com isso, uma instrucao para manutencao daquele referente (Givon, 1993; Clancy, 1980).

Obviamente, os efeitos do sincretismo na realizacao do sujeito 'eu' nao se limitam a eventual necessidade de esclarecer que o sujeito e de 1a pessoa e nao de uma 3a pessoa disponivel para resgate no texto. Quando uma terminacao verbal aponta para a 3a pessoa do singular, ela nao aponta apenas para alguma determinada entidade que seria representada por um sintagma nominal ou por um pronome de 3a pessoa, para sujeitos como 'muita gente' ou como 'ela'. A 3a pessoa verbal tambem serve a construcoes gramaticais da lingua que permitem exatamente escamotear a referencia a uma entidade especifica, servindo a expressao de uma indeterminacao de referencia. Na ocorrencia que segue, por exemplo, o falante pergunta (em discurso reproduzido) se e possivel / permitido que alguem--seja la quem for--coma cuscuz com carne:

(03) 0 ate perguntei pro doutor brincando ne "doutor pode comer cuscuz com carne?"

Assim, a pergunta 'pode comer cuscuz com carne?' pode ser reproduzida, equivalentemente, por 'pode-se comer cuscuz com carne?', e representa um tipo de construcao que resulta do processo historico de perda dos cliticos verificado no portugues brasileiro (Cyrino, 1993): o significado tradicionalmente veiculado pela combinacao do clitico 'se' com um verbo na 3a pessoa do singular' passa a ser, em determinados usos, veiculado pela forma verbal por si so, dispensando-se o clitico.

Uma terminacao verbal que possa servir a 3a pessoa do singular cria, portanto, mais candidatos ao papel de sujeito do que uma desinencia de pessoa gramatical diretamente identificada na interacao, ou seja, que apenas sirva a 1a (ou a 2a) pessoa do singular. A necessidade de descarte de sentidos adicionais associados a 3a pessoa, como essa pura indeterminacao do sujeito, soma-se a evidente necessidade de identificacao das diferentes pessoas gramaticais envolvidas na predicacao, o que torna os verbos de desinencia nao exclusiva um ambiente especialmente acionador da explicitacao do sujeito. No caso de uma forma verbal de 3a pessoa sem sujeito expresso ou sem alcance forico imediato, corre-se o risco, por exemplo, de o ouvinte ser obrigado a aguardar a conclusao da mensagem para, entao, configurar a estrutura argumental da oracao.

Afinal, pode-se dizer que a analise das ocorrencias de "eu' + desinencia nao exclusiva' deixa evidente uma preferencia dos falantes por evitar as dificuldades de identificacao imediata do sujeito, garantindo a exata apreensao daquela estrutura argumental que e peca do todo interpretativo do texto.

Quanto ao segundo caso, o de expressao do sujeito junto de forma verbal de desinencia exclusiva, lembre-se que, nas linguas favoraveis a supressao de pronomes--grupo em que tradicionalmente se inseriu o portugues--, a combinacao 'eu' + desinencia exclusiva' seria considerada uma fuga a regra. Em teoria, o fato de a especificacao morfologica permitir ao ouvinte recuperar a identidade do sujeito, aliado a existencia de uma motivacao de economia da forma linguistica, tornaria o sujeito zero a opcao favorita dos falantes nesse tipo de idioma. A expressao do pronome-sujeito, assim, seria limitada as ocasioes singulares em que isso fosse julgado imprescindivel.

No entanto, uma primeira observacao--superficial que seja--do corpus em exame e suficiente para a relativizacao de uma proposta que ligue muito diretamente a dispensa do 'eu' sujeito a existencia de forma verbal de desinencia especifica. Como as ocorrencias abaixo ilustram, a combinacao "eu' + desinencia exclusiva' ocorre com perceptivel liberdade na producao de falantes das diversas regioes, por vezes repetidamente, em sequencia:

(04) ai eu pensei "ah eu acho que eu vou fazer tambem porque eu tenho muitas dicas pra dar ..." (regiao Centro-Oeste)

(05) eu to com um pouquinho de vergonha de mostrar ele porque ... um colega me emprestou ele ... eu acho que tem um ano ... uma dica pra voces nunca me emprestem livros eu sou pessima pra devolver livros mas eu cuido bem dos livros eu nao quero eles pra mim ... (regiao Norte)

(06) eu quando eu entro num onibus ele ta lotado: eu penso "cara ... eu sou um cara sem talento nenhum eu sou inutil eu nao tenho futuro nenhum nessa merda eu so to aqui ocupando espaco" [...] (regiao Sul)

Os casos em que o pronome 'eu' e explicitado mesmo estando acompanhado de uma desinencia verbal exclusiva de 1a pessoa do singular sao, na verdade, a norma, e nao a excecao. Isso parece licenciar duas conclusoes:

1) Existem outras necessidades comunicativas por tras da explicitacao do sujeito alem da garantia de uma interpretacao correta da parte do ouvinte quanto a sua determinacao numero-pessoal.

2) O portugues brasileiro, como ja concluem pesquisadores, afasta-se cada vez mais do grupo dos idiomas pro-drop. Nesse sentido, Duarte (1995) aponta uma distincao entre o comportamento dos pronomes-sujeitos em portugues e em outras linguas como o espanhol e o italiano, que de fato pertenceriam ao grupo pro-drop. Conforme mostra o estudo, a exemplificacao e facil recorrendo-se ao criterio da animacidade: na lingua portuguesa, a associacao do sujeito pronominal ao traco [ + animado] desfavorece sua explicitacao, mas nao chega a impedi-la; no espanhol e no italiano, por outro lado, essa associacao impede o surgimento do pronome-sujeito de forma quase categorica. E certo que esse exemplo nao diz respeito particularmente a 1a pessoa--que constitui caso particular, porque, em principio, o referente sempre tem o traco [ + animado]--, mas ele pode ilustrar a distancia existente entre as regras de pronominalizacao operantes no portugues brasileiro (3), de um lado, e no espanhol e no italiano, de outro.

O terceiro e o quarto casos em exame dizem respeito as construcoes com sujeito zero de 1a pessoa do singular. Em primeiro lugar, interessa reforcar que, em uma lingua favoravel a supressao de pronomes, a combinacao '0 + desinencia exclusiva' constituiria o padrao, ficando o 'eu' expresso limitado as ocasioes em que esse pronome seja absolutamente necessario na superficie textual, como, por exemplo, quando o sujeito desempenha papel focal. Como ja se observou, no entanto, esse esta longe de ser o caso do portugues brasileiro.

De todo modo, as ocorrencias de sujeito zero com desinencia exclusiva podem oferecer pistas quanto a outros fatores que determinam a realizacao do sujeito 'eu' no portugues brasileiro. Afinal, esses sao os casos em que, nao havendo necessidade de desfazer uma ambiguidade desinencial, nenhuma outra motivacao e suficientemente forte para levar o falante a explicitacao do 'eu'. Observem-se as duas ocorrencias seguintes, representativas de muitas outras semelhantes:

(07) essas atividades sola::res de outras ahn combinacoes de fatores astrologicos possam influenciar realmente o nosso comportamento eu acredito que podem/ podem nao com certeza influenciam mas 0 nao sei de que forma ...

(08) eu tiro um pouco dessas bugigangas aqui e o coloco a camera ...

Pode-se entender que tanto a negacao--como em (07)--quanto o contexto das oracoes coordenadas de sujeito co-referente com o da oracao principal--como em (08)--favorecem o apagamento do sujeito. A analise de Goulart (2015)--bem como a pesquisa de Duarte (1995)--corrobora essas duas conclusoes.

E chega-se ao ultimo caso na serie, aquele em que um verbo sem desinencia especifica de 1a pessoa do singular se constroi com sujeito nulo. De todas as possiveis combinacoes aqui examinadas, esta e, nitidamente, a mais rara. Basta trazer a indicacao de que 5 dos 13 vlogueiros analisados nem chegam a usa-la em sua fala, devendo-se lembrar, ainda, que, para cada vlogueiro, foram analisadas no minimo duas gravacoes, com o objetivo de captar um grau minimo de variacao diafasica. Esse quadro ilustra a basica nocao de que a ausencia de desinencias exclusivas e um fator de extremo favorecimento a explicitacao do 'eu'.

Nas esporadicas ocasioes em que a combinacao 'o + desinencia nao exclusiva' ocorre, normalmente a remissao ao referente pretendido ja esta garantida por outros meios que nao a presenca do pronome ou de desinencia especifica. Trata-se, enfim, de contextos em que o apagamento do sujeito se apresenta plenamente licenciado, dos quais pode ser exemplo o caso das ja comentadas oracoes coordenadas (ou de oracoes sequenciadas) com sujeito co-referente com o da principal:

(09) [...] se a minha casa pegasse fogo e eu ficasse com a cara do Michael Jackson caindo toda derretida eu me matava eu me jogava no rio e o esperava morrer afogado ...

(10) bar passava horas lendo sobre as historias deles ... o baixava varias fotos de personagens preferidos ...

Como se pode depreender, o estatuto informacional do referente e um fator que pesa decisivamente na realizacao do sujeito 'eu', capaz de reverter as tendencias criadas pelo fator 'exclusividade desinencial'. Em outras palavras--e com respaldo na distincao de Chafe (1994) entre informacoes dadas, acessiveis e novas--, o fato de um referente corresponder a uma ideia que se encontra no foco da consciencia dos parceiros da comunicacao pode levar a que o sujeito seja apagado, mesmo quando acompanhado de desinencias nao exclusivas. Isso fica ilustrado de forma clara na ocorrencia que segue, em um dos poucos momentos do corpus em que, com a intervencao de um terceiro, o falante abandona a producao monologica para estabelecer um dialogo (4):

(11) (queria ver se parasse de vir o caminhao de lixo se ce ia achar bonito)

V: o nao ia achar bonito nao cara mas podia vir numa hora que eu nao to gravando ...

As duas falas desse segmento estabelecem uma relacao de 'sim' / 'nao' que favorece o apagamento do sujeito na segunda fala. Nesse continuo de referencia exoforica a um mesmo participante da cena enunciativa--no caso, o vlogueiro, representado por ce e por zero--, nao se estabelece um fluxo de informacao dinamica (Furtado da Cunha, 2010, p. 161), ficando licenciado o apagamento do constituinte 'eu', apesar da desinencia nao exclusiva do imperfeito. A analise de uma ocorrencia como (11) permite, ainda, teorizar que a taxa de explicitacao geral obtida nesta pesquisa (77,7%) poderia ser afetada (presumivelmente, reduzida) em um corpus dialogico.

Por fim, as ocorrencias em que o falante opta pela combinacao 'o + desinencia nao exclusiva' sem uma clara motivacao para isso sao excepcionalmente raras: menos de 10 em 1701. Cabe observar que, a partir de um ensaio de analise a que se procedeu, pode-se supor que parte dessas ocorrencias--em especial as que envolvem o adverbio 'tambem'--seja motivada por um fator prosodico, presumivelmente ligando-se ao fato de que, como aponta Duarte (1995), o sujeito pronominal e elementos que se cliticizam ao verbo parecem ser, ate certo grau, intercambiaveis. Em outras palavras, ha pistas sutis de que elementos intervenientes entre o sujeito e o verbo podem favorecer o apagamento do sujeito.

Consideracoes finais

A analise quantitativa e qualitativa da relacao entre realizacao do sujeito 'eu' e exclusividade desinencial permite confirmar e descartar algumas das hipoteses iniciais. Primeiramente, fica confirmada a correlacao entre desinencia nao exclusiva e sujeito expresso: quando a interpretacao desejada quanto a natureza do sujeito nao e garantida pelo sistema morfologico, a explicitacao do 'eu', de fato, tem aumento de frequencia. No material de analise, com rarissimas excecoes, somente nos casos em que essa interpretacao ja estava assegurada por outros meios, um verbo com desinencia nao exclusiva ocorreu sem a companhia de um sujeito expresso.

Por outro lado, a hipotese de que a presenca de desinencias exclusivas desestimularia o preenchimento do sujeito 'eu' nao se confirmou: a taxa de explicitacao com desinencias exclusivas (75,6%) manteve-se bem proxima da taxa de explicitacao geral (77,7%). O surgimento do 'eu' na superficie parece estar ligado a diversas necessidades comunicativas que a presenca de uma terminacao verbal especifica, por si so, nao supre.

Percebe-se, portanto, a seguinte configuracao: o falante quase invariavelmente fornece elementos que possibilitem a identificacao do sujeito na oracao. No entanto, nao parece existir um mecanismo que torne esses elementos mutuamente excludentes: a mesma oracao pode conter mais de um elemento que possibilite essa identificacao, e foi precisamente isso que aconteceu na maioria dos casos, com a presenca simultanea do sujeito pronominal e de uma desinencia exclusiva.

A mencionada regra tacita segundo a qual sujeitos morfologicamente recuperaveis devem ser omitidos--que foi assumida por alguns escritores e tradutores, sobretudo por legendadores, que trabalham com uma limitacao espacial constante (comunicacao pessoal)--nao se mostrou atuante na variedade analisada, nem mesmo nos casos em que diversos sujeitos de mesmo valor referencial ocorrem em sequencia.

Afinal, o que os dados mostram e a expressao do sujeito, praticamente, como a 'norma' (em um sentido nao prescritivo, obviamente), e nao como o 'desvio', ja que so ocorre o sujeito nulo no caso de haver circunstancias marcadamente favoraveis. Acrescidos os casos em que as circunstancias, em sentido contrario, requerem a expressao do 'eu' sujeito, verifica-se que sua possibilidade e praticamente total. No caso da pesquisa que aqui serve de ilustracao para as reflexoes--apoiada em monologos do tipo videolog--, nao houve nenhum contexto em que o uso do sujeito nulo fosse absolutamente requerido para a viabilidade da construcao.

Acredita-se que a compreensao da influencia da exclusividade desinencial sobre a realizacao do sujeito 'eu' abre o caminho para a identificacao de todos os outros fatores condicionantes desse fenomeno.

Acentue-se, afinal, a importancia de uma analise linguistica que nao se desligue da funcionalidade das escolhas, naturalmente motivadas (Halliday, 2004), e relevantemente exemplificadas nas producoes marcadas por informalidade, que sao o objeto desta analise. Assim, dentro dos mais relevantes principios funcionalistas que dirigiram este estudo, concluise que, invariavelmente, cada publico especifico pauta suas producoes linguisticas no sentido de obter satisfatoriamente nao apenas a boa recepcao e a boa captacao dos sentidos e dos efeitos que os textos carregam, mas ainda a obtencao de um julgamento positivo quanto a validade sociocultural--e quanto a validade intrinseca--da sua producao, naquela instancia.

Doi: 10.4025/actascilangcult.v39i4.37370

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Received on May 29, 2017.

Accepted on July 7, 2017.

Maria Helena de Moura Neves [1,2] * e Felipe Vivian Goulart [2]

[1] Departamento de Linguistica, Faculdade de Ciencias e Letras, Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho", Rod. Araraquara-Jau, km 01, 14800-901, Araraquara, Sao Paulo, Brasil. [2] Universidade Presbiteriana Mackenzie, Campus Higienopolis, Sao Paulo, Sao Paulo, Brasil.

* Autor para correspondencia. E-mail: [email protected]

(1) Observe-se que, no frances, a ausencia de exclusividade desinencial e restrita a realizacao fonologica, mas, de todo modo, e determinante no condicionamento dos usos. Embora, na forma escrita, a maioria das desinencias verbais seja exclusiva, a explicitacao do sujeito parece ser tao obrigatoria no frances escrito quanto no frances oral. Isso faz ver que e a fala, e nao a escrita, que determina a necessidade de explicitacao do sujeito pronominal em uma lingua.

(2) Os dados quantitativos apresentados neste artigo foram extraidos da pesquisa de Goulart (2015), tambem desenvolvida a partir do genero dos videologs, sobre a escolha entre explicitar (ou nao) o sujeito eu no portugues brasileiro informal. Nessa pesquisa, a exclusividade desinencial foi um dentre cinco fatores a terem sua relacao com a explicitacao do sujeito 'eu' explorada.

(3) Uma analise em que Goulart (2015) se amparou (recorrendo a um corpus de controle composto por videologs de falantes do portugues europeu) permite dizer que no PE tambem se comeca a dar passos rumo a perda do principio pro-drop, embora em grau significativamente menor do que o observado no PB. Observese, ainda, que essa relativa resistencia do sujeito nulo no PE parece ser devida, ao menos em parte, a confirmada preservacao das terminacoes verbais tradicionais de 2a pessoa, nessa variedade.

(4) Quanto ao modo de registro, explique-se que a fala do vlogueiro vem antecedida por V, e a fala de seu interlocutor vem sinalizada entre parenteses.
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