The internationalization process of TOTVS software firm under the perspective of the behavioral approach/O processo de internacionalizacao da empresa de software TOTVS sob a otica da abordagem comportamental/El proceso de internacionalizacion de la empresa de software TOTVS en la perspectiva de enfoque del comportamiento.
Dal-Sato, Fabio ; Alves, Juliano Nunes ; Bule, Anieli Ebling 等
1. INTRODUCAO
A internacionalizacao de empresas tem ocorrido de diversas formas e
em diferentes contextos. Paises desenvolvidos demonstram avancos
qualitativos e quantitativos em relacao ao processo de
internacionalizacao das empresas por meio do envolvimento gradual ou
acelerado com o mercado externo. Por outro lado, paises emergentes tem
demonstrado capacidade de competir no cenario internacional mediante um
conjunto de fatores, como rapido desenvolvimento economico,
liberalizacao de mercado, industrializacao, modernizacao e urbanizacao.
A atencao para os paises emergentes tem sido enfatizada por seu
potencial de desenvolvimento e pela importancia crescente em definir as
regras do jogo internacional, como destacado no relatorio de 2003 da
Goldman Sachs, o qual cunhou o termo BRIC (Brasil, Russia, India e
China). Isso atraiu para esses paises o olhar do mundo academico
empresarial e dos organismos governamentais (FLEURY, A.; FLEURY, M.,
2007). Alem disso, varios estudos tem direcionado o foco para a
internacionalizacao de empresas originadas nos mercados emergentes, como
os de Aharoni (2014), Losada-Otalora e Casanova (2014) e Ramamurti
(2012).
No caso do Brasil, a insercao das empresas nacionais no contexto
internacional tem sido tema relevante discutido por varios
pesquisadores, como Fleury, A. e Fleury, M. (2007, 2010, 2012), Lema,
Quadros e Schmitz (2012) e Navas-Aleman (2011). Em destaque, os caminhos
percorridos pelas empresas brasileiras em direcao aos mercados externos
formam um conjunto de experiencias e orientam as decisoes futuras no
processo de internacionalizacao, com envolvimentos mais timidos ou
comprometidos com o estrangeiro.
No campo empirico, a ascensao brasileira ja se confirmava em 2005,
quando a revista Fortune incluiu empresas dos paises emergentes em seu
ranking das 500 maiores empresas do mundo. Alem disso, a
internacionalizacao das empresas brasileiras tem sido destacada com
algumas caracteristicas distintas, especialmente pelo modelo de gestao
desenvolvido, baseado na combinacao original de competencias
organizacionais e estilo de gestao de cada empresa (FLEURY, A; FLEURY,
M., 2010).
E nesse contexto que a internacionalizacao e o entendimento sobre
seu processo sao investigados nesta pesquisa. Como objeto de estudo, a
empresa TOTVS e examinada a luz dos pressupostos teoricos da abordagem
comportamental, a fim de se analisar o desenvolvimento de seu processo
de internacionalizacao. A TOTVS e uma empresa brasileira do setor de
software fundada ha cerca de tres decadas. Em seu portfolio, a empresa
possui solucoes integradas de softwares aplicativos para diversos
setores, como saude, agroindustria, educacao, entre outros. No exterior,
a TOTVS esta presente em mais de 20 paises, ocupa a 1a posicao entre as
empresas de softwares aplicativos sediadas em paises emergentes e a 6a
posicao no ranking dos fabricantes mundiais do setor (WORLD FINANCE,
2011). Portanto, a seguinte questao de pesquisa orienta a investigacao:
como a empresa brasileira TOTVS desenvolve seu processo de
internacionalizacao? Logo, a contribuicao deste artigo reside na analise
da trajetoria de internacionalizacao de uma empresa de destaque no
cenario internacional, originada em um contexto de mercado emergente.
A seguir, apresentam-se as teorias sobre internacionalizacao, com
foco na abordagem comportamental, o modelo de internacionalizacao
explorado neste estudo e a industria de software nos cenarios nacional e
internacional. Na sequencia, o metodo e apresentado e o caso da TOTVS e
analisado por meio de cinco questoes: por que, o que, quando, onde e
como as empresas internacionalizam suas atividades. Por fim, as
conclusoes e indicacoes de pesquisas futuras sao abordadas, no intuito
de contribuir para o avanco dos estudos na area.
2. REFERENCIAL TEORICO
As teorias tradicionais de internacionalizacao foram desenvolvidas
por diversos autores e sob perspectivas variadas. Mesmo assim, essas
teorias podem ser categorizadas em duas abordagens principais: a
economica e a organizacional ou comportamental. A primeira e integrada
por teorias que examinam a organizacao da producao, do investimento e do
comercio internacionais. Concentra-se em agregados macroeconomicos, na
organizacao industrial e em fenomenos microeconomicos considerados
altamente objetivos. Nessa linha de pesquisa, prevalecem as solucoes
racionais para as questoes do processo de internacionalizacao, a fim de
maximizar os retornos economicos. A abordagem organizacional ou
comportamental foca o comportamento organizacional dentro da empresa
para enfrentar o mercado internacional e originase dos chamados
"modelos de estagios". Esta centrada no tomador de decisao e
no comportamento organizacional por meio de variaveis mais subjetivas.
Nesse enfoque, o processo de internacionalizacao depende das atitudes,
percepcoes e comportamento dos tomadores de decisao, os quais buscam a
reducao dos riscos nas decisoes sobre onde e como realizar a expansao
(HEMAIS; HILAL, 2004; NEUMANN; HEMAIS, 2005).
Como o objetivo deste estudo e a analise da trajetoria da empresa
em questao, relacionada ao seu processo de internacionalizacao, o
enfoque sao os modelos comportamentalistas, os quais buscam entender os
processos de tomada de decisao relacionados a internacionalizacao de
empresas. Adicionalmente, os modelos comportamentalistas, ao
incorporarem aspectos culturais, psicologicos e competitivos, auxiliam
no entendimento dos desafios enfrentados pelas empresas brasileiras
ainda nos estagios iniciais de internacionalizacao (CYRINO; OLIVEIRA;
BARCELLOS, 2010).
2.1. A Abordagem Comportamental de Internacionalizacao
A abordagem comportamental de internacionalizacao esta basicamente
representada por tres teorias, a saber: a) Modelo de Uppsala de Johanson
e Vahlne (1977), fundamentado nas teorias da firma e do comportamento
organizacional, e focalizado tanto no acumulo gradual do conhecimento
sobre os mercados estrangeiros, quanto, por consequencia, no
comprometimento crescente com esses mercados; b) networks, tambem
desenvolvida por Johanson e Vahlne (1990), a partir do modelo de
internacionalizacao baseado no conhecimento de Uppsala, adiciona os
relacionamentos com outras entidades do mercado estrangeiro; e c)
empreendedorismo internacional, considerada como linha de pensamento
evolutiva dos seguidores do Modelo de Uppsala, com base nos estudos
sobre o papel do empreendedor no processo de internacionalizacao, como o
realizado por Andersson (2000).
A tese fundamental de internacionalizacao do Modelo de Uppsala esta
assentada nos estudos de Johanson e Wiedersheim-Paul (1975) e de
Johanson e Vahlne (1977), que contribuem com a formulacao de um modelo
(vide Figura 1) baseado na teoria comportamentalista da firma e em dois
estudos de caso. Observando o comportamento das empresas suecas no
processo de internacionalizacao, o Modelo de Uppsala se fundamenta em
duas proposicoes basicas:
a) as empresas se internacionalizam gradualmente. Tipicamente, as
empresas se inserem no mercado internacional via exportacao, depois
estabelecem subsidiarias de vendas e, eventualmente, comecam a produzir
no pais hospedeiro (modelos de estagios); e
b) a insercao cronologica das empresas no mercado internacional
esta relacionada com a distancia psiquica existente entre o pais de
origem e o pais hospedeiro. A distancia psiquica pode ser definida como
a soma dos fatores que interferem no fluxo de informacao entre paises,
tais como as diferencas de idioma, cultura, desenvolvimento industrial,
praticas de negocios, entre outros. Ou seja, quanto maiores as
diferencas em termos de distancia psiquica, maiores as incertezas quanto
a entrada em novos mercados externos.
[FIGURE 1 OMITTED]
Com base nisso, o pressuposto central do Modelo de Uppsala consiste
no argumento de que o processo de internacionalizacao das empresas
ocorre de forma sequencial e incremental, como consequencia do
crescimento destas, da saturacao da demanda domestica e das incertezas e
imperfeicoes das informacoes sobre o novo mercado. Nessa perspectiva, o
processo de internacionalizacao nao e uma sequencia de passos planejados
e deliberados baseados em uma analise racional, uma vez que e orientado
por uma natureza incremental que visa a aprendizagem sucessiva por meio
do comprometimento crescente com os mercados estrangeiros (JOHANSON;
VAHLNE, 1977; FLEURY, A.; FLEURY, M., 2009).
Adicionalmente, em razao das mudancas significativas no ambiente de
negocios e, por consequencia, da necessidade de analise de novos
conceitos, os proprios pesquisadores Johanson e Vahlne fundamentaram a
atualizacao do modelo inicial propondo essencialmente a manutencao dos
mecanismos de mudanca e a insercao das variaveis de construcao de
confianca e criacao de conhecimento. O novo modelo gerado (vide Figura
2) avanca na explicacao das caracteristicas do processo de
internacionalizacao das empresas, especialmente por considerar em seu
amago a visao de rede de negocios, baseada em dois aspectos principais:
a) os mercados sao redes de relacionamentos nas quais as empresas estao
ligadas em arranjos amplos, complexos e variados; e b) os
relacionamentos oferecem potencial para aprendizagem e para a construcao
de confianca e comprometimento, que sao precondicoes para a
internacionalizacao (JOHANSON; VAHLNE, 2009).
[FIGURE 2 OMITTED]
A visao de rede de negocios desenvolvida por Johanson e Vahlne se
sustenta nos argumentos de Penrose (1959) e Barney (1991), que embasam a
Resource-based View (RBV) e assumem que os recursos das empresas sao
heterogeneos e, por consequencia, formam um conjunto idiossincratico
como base da competitividade e do desempenho da empresa. Alem de
basear-se nesses mesmos aspectos, a visao de rede de negocios sustenta
que a interacao na rede permite as empresas adquirir conhecimentos sobre
esses relacionamentos, como necessidades, recursos, competencias,
estrategias, entre outros (JOHANSON; VAHLNE, 2009).
Dessa forma, o mecanismo de internacionalizacao originalmente
proposto e revisado a luz de um processo de desenvolvimento de redes
multilaterais de negocios (JOHANSON; VAHLNE, 1990), ou seja, o sucesso
da empresa esta relacionado com a quantidade e qualidade das redes de
negocios desenvolvidas. Nesse sentido, a posicao de insider ou outsider
em determinadas redes condiciona as possibilidades de identificacao e
exploracao de oportunidades de negocios e influencia diretamente nas
opcoes de aprendizagem, na construcao de confianca e no desenvolvimento
de comprometimento.
Por ultimo, a evolucao da corrente comportamental, fundamentada nos
estudos de internacionalizacao das empresas desenvolvidos pelos
pesquisadores nordicos, sustentou a origem de uma terceira teoria
centrada no papel do empreendedor. O estudo de Andersson (2000) e um dos
principais representantes dessa linha evolutiva de Uppsala, argumentando
que as teorias sobre internacionalizacao nao apresentam todas as
respostas necessarias para o entendimento completo do processo, pois se
trata de um fenomeno complexo, que exige a analise de outros fatores
para que se amplie seu nivel de compreensao. Nessa perspectiva de
analise, o autor destaca o papel do empreendedor como forca motriz do
processo de internacionalizacao das empresas.
Andersson (2000) distingue tres tipos de empreendedores: os
tecnicos, os de mercado e os estruturais. Os tecnicos sao aqueles que
trabalham para a introducao de um novo produto ou metodo de producao ou
para a conquista de uma nova fonte de materia-prima ou de produtos
intermediarios. O principal interesse do empreendedor tecnico e a
tecnologia, e a atividade mais importante e o desenvolvimento da
producao e de produtos. A internacionalizacao nao e o principal
interesse deste tipo de empreendedor, mas um pedido do exterior pode
levar a exportacao ou ao licenciamento. Este tipo de atividade nao
requer tantos recursos quanto subsidiarias no exterior, e a escolha de
mercados depende de uma estrategia international pull.
Os empreendedores de mercado sao aqueles que trabalham para a
abertura de novos mercados. O produto e visto em um escopo mais amplo,
ja que os canais do mercado e as marcas podem ser mais importantes do
que o produto fisico. Este tipo de empreendedor e proativo no processo
de internacionalizacao e tende a escolher modos de entrada com maior
comprometimento de recursos, como investimentos em subsidiarias, a fim
de penetrar de forma mais rapida nos novos mercados. A escolha dos
mercados nao e necessariamente racional, pois e influenciada pelas
preferencias pessoais e redes de relacionamentos, e pode ser denominada
de uma estrategia international push.
De forma ainda mais ampla, os empreendedores estruturais sao os que
trabalham para a nova organizacao de qualquer industria. Em geral,
trabalham em industrias maduras e tentam reestruturar industrias e
empresas. Como a internacionalizacao nao e um objetivo independente, a
estrategia utilizada pelo empreendedor estrutural atua no nivel
corporativo e raramente intervem diretamente em assuntos operacionais. A
fim de reduzir a capacidade das industrias, as fusoes e aquisicoes sao
preferidas e os mercados sao escolhidos de acordo com sua atratividade
competitiva. A estrategia adotada pode ser definida como international
industry restructuring.
2.2. Modelos de Internacionalizacao de Empresas
A internacionalizacao de empresas tem sido explicada pela
literatura da area com base em diferentes dimensoes e modelos. O estudo
de Welch e Luostarinen (1988) identifica sete dimensoes-chave que devem
ser consideradas nas decisoes de internacionalizacao da empresa: metodo
de operacao no exterior (como), objetos de vendas (o que), mercados
(onde), capacidade organizacional, recursos humanos, estrutura
organizacional e financas. Uma sintese de alguns modelos de
internacionalizacao de empresas pode ser encontrada em Yip, Biscarri e
Monti (2000).
A analise proposta neste trabalho e realizada por meio do framework
dos pesquisadores brasileiros Carneiro e Dib (2007), que se organiza em
cinco questoes basicas do processo de internacionalizacao de uma empresa
(vide Figura 3) e, em funcao disso, possibilita explorar de forma mais
ampla a trajetoria desenvolvida em direcao ao mercado internacional. Os
autores argumentam que, embora o processo de internacionalizacao seja
iterativo e nao necessariamente linear, esta estrutura de analise pode
ser entendida como uma representacao didatica desse processo.
[FIGURE 3 OMITTED]
Sobre o "por que" internacionalizar, inumeros motivos,
razoes e justificativas relacionados a decisao de internacionalizacao
das empresas brasileiras tem sido largamente apontados pela producao
cientifica na area. Estudos recentes realizados por pesquisadores
brasileiros exemplificam e sintetizam esses motivos, como os de Cyrino e
Barcellos (2006), Rocha, Silva e Carneiro (2007) e Cyrino, Oliveira e
Barcellos (2010). Dentre os itens mencionados, destacamse: aprendizagem
e desenvolvimento de competencias; busca de economias de escala;
saturacao do mercado domestico; acompanhamento de clientes; valorizacao
da marca; acesso a recursos e ativos estrategicos, entre outros. Alem
desses estudos, outros tambem exemplificam o porque de as empresas
brasileiras nao se internacionalizarem, como o de Rocha (2003), que
aborda as dificuldades originadas do isolamento geografico e
linguistico, da formacao cultural e do impacto do ambiente nas
motivacoes empresariais.
Ja a escolha sobre quais produtos, servicos, tecnologias ou
atividades internacionalizar, ou seja, "o que"
internacionalizar, depende em grande parte das vantagens competitivas
desenvolvidas pelas empresas em seu pais de origem. Quando se trata de
industrias globais, a estrutura do setor, as competencias e os recursos
desenvolvidos no pais de origem conduzem as opcoes estrategicas
disponiveis as empresas nos mercados internacionais (TANURE; CYRINO;
PENIDO, 2007). De forma geral, o comercio e os investimentos
internacionais tem sido, tradicionalmente, campo de dominio das empresas
que fabricam e vendem bens ou mercadorias tangiveis, como carros e
computadores. No entanto, atualmente os servicos ou bens intangiveis
tambem tem participado significativamente dos negocios internacionais
(CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010).
No que se refere ao "quando" internacionalizar, as
consideracoes conscientes sobre o momento de entrada em mercados
internacionais centram-se na existencia ou nao de razoes que incentivam
instalacoes prematuras ou tardias em determinados paises, a menos que a
empresa receba solicitacoes externas espontaneas que a conduzam a
entradas passivas. Apesar da existencia de diversos estudos relacionados
ao tema, nao ha recomendacao conclusiva sobre o momento certo para a
entrada no mercado externo, embora a literatura tenha exemplificado
vantagens ao primeiro entrante, mas apontado que o pioneirismo tambem
nao garante o sucesso das operacoes internacionais (PENG, 2008).
Decidida a internacionalizacao pela empresa, a questao-chave passa
a ser para quais mercados dirigir os esforcos ou "onde"
internacionalizar. A resposta racional a essa questao poderia orientar
no sentido de iniciar as atividades internacionais em mercados com maior
potencial, ou seja, em paises desenvolvidos. No entanto, a pratica tem
se mostrado diferente, pois um pais desenvolvido abriga nao so um
mercado sofisticado, com clientes de niveis elevados de exigencia, como
tambem competidores ja estabelecidos, maiores e agressivos, que
constituem obstaculos muitas vezes intransponiveis a novos entrantes.
Outra dificuldade e que muitas empresas nao dispoem de recursos e
conhecimentos minimos para entrar nesse tipo de mercado (TANURE; CYRINO;
PENIDO, 2007).
Alem dessas questoes, a ponderacao das decisoes sobre a entrada no
mercado internacional e inevitavel, ou seja, considerar "como"
internacionalizar. Dentre as consideracoes necessarias, podem-se
destacar: a) as empresas nao estao limitadas a escolha de um unico
metodo de entrada; b) as estrategias de entrada podem mudar de acordo
com o tempo; e c) as estrategias pos-entrada sao igualmente importantes
ou superiores as estrategias de entrada, as quais nao garantem por si so
o sucesso internacional (PENG, 2008).
3. A INDUSTRIA DE SOFTWARE NO BRASIL E NO MUNDO
A industria de software brasileira emergiu em um conturbado
processo de reserva de mercado, praticado no periodo de 1972 a 1992,
durante o governo militar e alguns anos apos a volta da democracia.
Apesar de o foco da politica de reserva de mercado ter sido direcionado
para a fabricacao de hardwares--equipamentos, perifericos e
accesorios--, a area de software foi impulsionada pelas demandas do
setor financeiro, especialmente de automacao bancaria. Em razao da
inflacao, as peculiaridades vividas pelo Brasil na epoca tornavam muito
complexos os processos financeiros e dificultavam a adocao de softwares
desenvolvidos em contextos economicos estaveis (MORAES, 2012).
O termino do periodo de reserva de mercado coincidiu com um novo
entendimento sobre o setor pelo governo brasileiro, que passou a
atribuir maior importancia ao software em detrimento do hardware. A
prioridade dada pelo governo brasileiro as exportacoes na industria de
software se justificava tambem pelas mudancas no ambiente economico da
decada de 1990, em especial pela abertura do mercado brasileiro a
produtos estrangeiros e investimentos externos. Nesse mesmo periodo,
varios outros paises emergentes estimulavam o desenvolvimento de suas
industrias de software, como China, India e Israel (MORAES, 2012). No
caso brasileiro, varias empresas de Tecnologia de Informacao (TI)
iniciaram suas atividades internacionais logo no inicio da decada de
1990, como Datasul, DBA, Matera, Stefanini, Modulo, Microsiga
(futuramente TOTVS) e Politec. Com processos falhos e muitas vezes
impulsionadas ao exterior pelos clientes do mercado domestico, varias
dessas empresas nao lograram exito ou foram adquiridas por outras
(SILVA, 2009).
No entanto, e bem verdade que a estrategia de insercao de empresas
de software no mercado internacional deve considerar a existencia de
diferenciadas configuracoes no mosaico do que geralmente se denomina de
"industria de software". Essa heterogeneidade implica uma
multiplicidade de segmentos de mercado com dinamicas concorrenciais
distintas, o que configura um quadro internacional marcado pela
convivencia de segmentos mais regionalizados com outros de elevado grau
de internacionalizacao. Alem disso, percebem-se ainda diferentes
estruturas de mercado, na forma de monopolios
constituidos--processadores de texto, por ejemplo--, segmentos menos
concentrados--sistemas de gestao empresarial--e outros mais abertamente
concorrenciais software sob encomenda (ROSELINO; DIEGUES, 2006).
Especificamente sobre o cenario brasileiro, o numero de empresas
que compoem a industria de software e servicos de TI, 95% das quais
micro e pequenas empresas, cresceu, em media, 4,3% a.a. no periodo de
2003 a 2009. Nesse mesmo periodo, houve tambem um crescimento na receita
liquida da industria, em torno de 8,2% a.a., aproximadamente R$ 72
bilhoes estimados em 2012, o que representa 1,8% do PIB brasileiro. Em
destaque, a receita liquida da industria obtida de atividades no mercado
externo apresentou um crescimento de 32,1% a.a. no periodo de 2004 a
2008, com um montante de R$ 3,1 bilhoes nesse ultimo ano (SOFTEX, 2012).
Esse crescimento da industria brasileira de software e servicos de
TI tambem tem se refletido no cenario internacional, pois em 2011 o pais
alcancou a 10a posicao no ranking mundial do mercado de software e
servicos de TI. Ainda em 2011, esse mercado atingiu o valor de U$ 941
bilhoes, com a participacao de U$ 19,5 bilhoes do mercado domestico
brasileiro. Quando comparado a 2010, o crescimento brasileiro foi
porcentualmente superior aquele apresentado por economias tradicionais
do setor, como Estados Unidos, Inglaterra e Japao, mas inferior ao
impulso de economias de menor expressao, como Arabia Saudita, Indonesia,
Tailandia, Peru e Mexico (ABES, 2012).
Cabe destacar, porem, que o estudo da industria de software sugere
sempre uma boa dose de cautela, em especial quando os dados se referem
ao comercio internacional, pois o software nao e exportado em um sentido
estrito. Via de regra, os dados oficiais sobre a comercializacao
internacional de software sao extraordinariamente subdimensionados. Isso
se deve, entre outras razoes, a inexistencia e ate mesmo impossibilidade
de enquadramento do software nos sistemas que se apoiam nas
classificacoes harmonizadas de mercadorias. Embora uma parcela do
software comercializado tenha as caracteristicas de um "produto de
prateleira", outra parcela significativa nao se materializa em
produto e percorre o mercado por diversos canais de comercializacao
(ROSELINO; DIEGUES, 2006).
4. METODO
A partir do vies qualitativo, esta pesquisa emprega a tecnica do
estudo de caso, que pode ser definida como uma estrategia de pesquisa
que estuda os fenomenos como um processo dinamico, dentro de seu
contexto real, por meio de varias fontes de evidencias, com o objetivo
de explicar o fenomeno observado de forma global, considerando toda sua
complexidade. A estrategia do estudo de caso e adequada quando questoes
relacionadas a "como?" ou "por que?" sao aplicadas a
um conjunto de eventos contemporaneos sobre os quais o investigador
possui pouco ou nenhum controle (YIN, 2005).
Nesse sentido, esta pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso
unico, pois o caso escolhido, seguindo as indicacoes de Yin (2005), e
decisivo para testar a teoria e holistico, com apenas uma unidade de
analise--a empresa--, conforme os projetos de estudo de caso
estabelecidos pelo referido autor. Alem disso, trata-se da maior empresa
do setor em nivel nacional, o que caracteriza a necessidade de analise
do fenomeno da internacionalizacao a priori. Outra justificativa e que o
caso unico escolhido e um caso critico, por satisfazer as condicoes
necessarias a situacao de pesquisa, e revelador, por se tratar de uma
situacao previamente inacessivel a investigacao (BENBASAT; GOLDSTEIN;
MEAD, 1987; YIN, 2005).
A partir disso, os procedimentos metodologicos desenvolveram-se em
duas etapas. A primeira envolveu os levantamentos tanto exploratorios
quanto bibliograficos. Na fase seguinte, cuidou-se da preparacao do
roteiro de entrevista, que foi organizado em cinco grupos de questoes,
de acordo com o framework dos pesquisadores brasileiros Carneiro e Dib
(2007) (vide Figura 3).
Feito isso, a entrevista foi realizada e gravada in loco com o
Diretor de Operacoes de Mercado Internacional da TOTVS. A escolha desse
diretor justifica-se por ser ele o responsavel direto pela
internacionalizacao da empresa e, em razao de sua experiencia
profissional, possuir relevante conhecimento do assunto. Este tipo de
entrevista e conhecido como tecnica informante-chave (key informant
technique) ou levantamento de opiniao de especialista (expert-opinion
survey). Segundo Marshall (1996), esta tecnica costuma ser util quando
os informantes nao podem ser diretamente observados, mas podem oferecer
informacoes historicas sobre o fenomeno estudado; alem disso, o
pesquisador tem a vantagem de exercer um determinado controle sobre a
forma de questionamento. Neste procedimento, obteve-se boa interacao
entre entrevistador e entrevistado, o que permitiu maior aprofundamento
das informacoes. Este tipo de pesquisa tambem e conhecido como
semiestruturado, por apresentar um nucleo de questoes principais ou
especificas que o entrevistador explora em profundidade e as quais pode
acrescentar outras que permitam elucidar fatos ou complementar
informacoes.
Ja para os dados categoricos e numericos, utilizou-se um breve
formulario, pelo fato de o procedimento envolver pesquisa nos registros
da empresa estudada. Alem dessas fontes primarias, dados secundarios
foram coletados do site da empresa na Internet e de publicacoes sobre a
empresa em livros e artigos cientificos, atendendo-se com isso ao
processo de triangulacao, que Taylor e Bogdan (1990) caracterizam como
uma combinacao de distintos metodos ou fontes de dados em um unico
estudo, o que possibilita proteger-se das tendencias do investigador e
obter uma compreensao mais profunda e clara do cenario e das pessoas
estudadas. O levantamento de todas essas informacoes ocorreu no periodo
de setembro a dezembro de 2012.
Por ultimo, os dados e informacoes coletados foram analisados a
partir do framework de Carneiro e Dib (2007). A estrategia analitica
geral adotada nesta pesquisa foi a descritiva (estudo de casos
descritivos). Especificamente em relacao as entrevistas, a analise se
baseou em sua transcricao e, em um segundo momento, em seu conteudo.
Richardson (1999) afirma que a tentativa de uma compreensao detalhada
dos significados e caracteristicas situacionais apresentados pelos
entrevistados, em lugar da producao de medidas quantitativas de
caracteristicas ou comportamentos, caracteriza a pesquisa qualitativa.
5. O CASO DA TOTVS (1)
A historia da TOTVS esta estreitamente relacionada com a vida
empresarial de seu atual CEO, Laercio Cosentino. Em 1978, Cosentino
comecou a trabalhar como estagiario em uma empresa denominada
Siga--Sistemas Integrados de Gerencia Automatica Ltda., fundada no
inicio dos anos 1970 e cujo proprietario, Ernesto Haberkorn, era amigo
de seu pai. A Siga trabalhava com computadores de grande porte, na epoca
existentes apenas nas grandes empresas nacionais e multinacionais, e
pode-se dizer que foi o embriao da TOTVS, pois, com o surgimento dos
microcomputadores, Haberkorn e Cosentino se tornaram socios por meio da
fundacao da Microsiga em 1983, posteriormente denominada TOTVS, com a
visao de que a informatica deveria evoluir para novos rumos e com o
apoio de outras tecnologias.
Desde sua fundacao ate 1989, a Microsiga cresceu a sombra da
reserva de mercado de informatica praticada pelo pais nesse periodo. A
partir dos anos 1990, a Microsiga desenhou uma nova estrategia baseada
no sistema de franquias, com o objetivo de alcancar a lideranca no
mercado brasileiro. Essa estrategia permitiu a empresa rapidamente
prover servicos em todo o territorio nacional, alem de fortalece-la para
o acirramento da concorrencia ocorrido com o fim da reserva de mercado
em 1992. Consequentemente, a Microsiga percebeu que deveria expandir
suas atividades para alem do mercado nacional e, a partir de 1997,
iniciou seu processo de expansao para o exterior.
Ao mesmo tempo, com o objetivo de se tornar lider no mercado
domestico, a Microsiga decidiu crescer aceleradamente por meio de
aquisicoes na primeira decada de 2000. Nesse processo, a empresa
adquiriu varias outras empresas do mesmo setor, como a Logocenter em
2005, a RM Sistemas em 2006, a Midbyte e a BCS em 2007 e a Datasul em
2008. Com a aquisicao da Logocenter, a Microsiga passou a denominar-se
TOTVS, que em latim significa "tudo" ou "todos", a
fim de simbolizar a empresa como provedora de solucoes completas em
software de gestao. Ainda em 2006, simultaneamente as aquisicoes, a
TOTVS foi a primeira empresa do setor, em toda a America Latina, a
entrar no mercado de acoes por meio da abertura de capital e lancamento
de acoes na Bovespa.
Em sua estrutura, a TOTVS possui cinco centros de desenvolvimento
de software, quatro localizados no Brasil--em Sao Paulo, Belo Horizonte,
Joinville e Porto Alegre--e um em Queretaro, no Mexico, totalizando
aproximadamente 6 mil funcionarios e mais de 26,2 mil clientes ativos.
Alem disso, a TOTVS possui mais de 50 franquias localizadas no Brasil e
no exterior, as quais perfazem tambem cerca de 6 mil funcionarios.
A partir da aquisicao da Datasul em 2008, segunda maior empresa de
software de gestao a epoca no mercado brasileiro, a TOTVS se tornou
lider no pais e ja alcancou 48,6% de market share no Brasil e 34,5% na
America Latina (WORLD FINANCE, 2011), o que melhor a posicionou para
competir com gigantes do setor, como a SAP, a Oracle e a Microsoft. Essa
evolucao da TOTVS tambem esta refletida em suas financas, pois, no
periodo de 2007 a 2011, a empresa registrou um crescimento medio da
receita liquida em torno de 30% a.a., atingindo o patamar de R$ 1,3
bilhao em 2011, e uma margem EBITDA1 (2) media em torno de 23,5% a.a.,
representando cerca de R$ 310 milhoes em 2011.
De forma geral e desde a origem da TOTVS, a essencia do negocio
esta assentada no mercado de software por meio do desenvolvimento e da
comercializacao do direito de uso de aplicativos, especialmente os
caracterizados como ERP (Enterprise Resource Planning) ou sistemas de
gestao empresarial, voltados principalmente para empresas de pequeno e
medio portes. A TOTVS tambem realiza servicos de customizacao dos
softwares as particularidades dos clientes, alem de implantacao,
treinamento, consultoria e manutencao dos sistemas comercializados.
Nesse sentido, o portfolio da empresa esta organizado de acordo com os
seguintes 10 segmentos de mercado: agroindustria, construcao e projetos,
distribuicao e logistica, educacional, financial services, juridico,
manufatura, saude, servicos e varejo.
A seguir, as questoes da estrutura de analise sao individualmente
respondidas com base nas evidencias do processo de internacionalizacao
da TOTVS e nos pressupostos teoricos da abordagem comportamental.
5.1. Por que Internacionalizar?
No caso da TOTVS, as motivacoes para a internacionalizacao surgiram
de uma parceria estabelecida com a americana IBM para avaliacao de um
software dinamarques, considerado de pouca aceitacao no mercado
brasileiro. Essa conexao entre diferentes nacionalidades, cuja relativa
facilidade foi proporcionada pelas caracteristicas inerentes aos
softwares, despertou na empresa a necessidade de se internacionalizar. A
partir dai, as motivacoes da TOTVS para essa nova fase pouco se
alteraram ao longo de sua trajetoria internacional, residindo no
acompanhamento de clientes do mercado domestico e na ampliacao de
mercado para alem das fronteiras brasileiras. A essas motivacoes
iniciais e que ainda perduram, acrescenta-se uma motivacao desenvolvida
pela TOTVS durante sua propria trajetoria internacional, pois o
fortalecimento das atividades internacionais da empresa contribuiu para
o aumento de seu valor de mercado e da procura pelos acionistas.
Por outro lado, a TOTVS tambem se deparou com inumeras barreiras ao
transpor as fronteiras domesticas. As questoes culturais, por exemplo,
em especial o idioma, impactaram as decisoes da empresa em varios
momentos de seu processo de internacionalizacao. Embora tendo
significativa atuacao em paises vizinhos, a TOTVS enfrentou um
determinado bairrismo praticado pelos paises hospedeiros, mesmo aqueles
da America Latina, expresso pela resistencia a estrangeiros, o que a
levou a contratar executivos nativos do pais de destino ou estabelecer
parcerias com franqueados locais a fim de melhor entender a cultura e
facilitar a transferencia de conhecimento. Alem disso, as questoes
legais, fiscais e tributarias tambem precisaram ser superadas, pois,
como os produtos da empresa caracterizam-se como softwares comerciais, a
adaptacao as normas locais foi inevitavel. Outra barreira enfrentada
pela TOTVS e a necessidade de mao de obra qualificada, especialmente
programadores, envolvidos diretamente no desenvolvimento dos softwares.
De maneira geral, as motivacoes da TOTVS para a internacionalizacao
se evidenciam resumidamente nos seguintes pressupostos das teorias da
abordagem comportamental: a) o Modelo de Uppsala estabelece de maneira
implicita que a internacionalizacao se inicia como resposta a uma
pressao por procura de mercados; b) a perspectiva de networks considera
que as iniciativas internacionais seriam modos de seguir participantes
de sua rede de negocios ou aperfeicoar relacionamentos dentro da rede.
Segundo esta visao, as empresas iriam ao exterior para acompanhar suas
conexoes, sejam elas clientes, parceiros de negocios ou mesmo
competidores, ou para criar novas conexoes no estrangeiro; e c) na
perspectiva do empreendedorismo internacional, diferentes razoes para os
movimentos internacionais sao atribuidas ao perfil do tomador de
decisoes (CARNEIRO; DIB, 2007). De acordo com esta ultima teoria, as
acoes da TOTVS se relacionam especialmente ao empreendedor de mercado,
que se direciona ao exterior em busca de novos mercados.
Destaca-se ainda que a visao e a proatividade de Cosentino foram
essenciais para a insercao e o avanco da TOTVS no mercado internacional.
Como empreendedor nato, Cosentino foi capaz de estabelecer uma relacao
singular entre os recursos e capacidades da empresa e as oportunidades
no mercado de software. Alem disso, as caracteristicas de mercado
emergente tambem favoreceram a estrategia de Cosentino, que aproveitou o
contexto do pais em diferentes momentos. O crescimento inicial da
empresa, protegido pela reserva de mercado, e a exploracao do amplo
mercado domestico por meio de franquias condicionaram a incursao da
TOTVS ao mercado internacional.
5.2. O que Internacionalizar?
A TOTVS decidiu internacionalizar cinco de seus dez segmentos de
mercado ja mencionados. A escolha desses segmentos esta relacionada ao
entendimento da empresa sobre o que esta no amago do processo de
desenvolvimento ou amadurecimento de um pais, o que resultou na selecao
dos segmentos de servicos, manufatura, educacional, construcao e
projetos e agroindustria.
Do ponto de vista academico, as teorias da abordagem comportamental
nao restringem explicitamente seu escopo a algum produto, servico,
tecnologia ou atividade, embora a TOTVS tenha optado pela
internacionalizacao parcial de seu portfolio. As consideracoes do Modelo
de Uppsala podem ser aplicadas igualmente a produtos, servicos ou
tecnologias. Na perspectiva de networks, qualquer coisa poderia ser
internacionalizada, preservado o alinhamento aos interesses das relacoes
ja estabelecidas ou a serem desenvolvidas. E na perspectiva do
empreendedorismo internacional, nao ha restricoes ao que poderia ser
internacionalizado, ficando a escolha para o tomador de decisao
(CARNEIRO; DIB, 2007).
5.3. Quando Internacionalizar?
A primeira insercao da TOTVS no mercado internacional ocorreu em
1997, com a abertura da franquia argentina em Buenos Aires. Logo apos,
ainda em 1997, o modelo de franquia nao se mostrou adequado ao mercado
argentino e a TOTVS decidiu entao instalar uma subsidiaria propria.
Apesar dessa experiencia de investimento direto no exterior, a partir
dos anos 2000 o modelo de franquia foi replicado em outros paises
latinoamericanos, como Chile, Colombia, Porto Rico, Paraguai e Uruguai.
Essas acoes foram baseadas em grande parte na reatividade, ou seja, no
acompanhamento de clientes do mercado domestico, pois a epoca a TOTVS ja
se posicionava entre os principais competidores desse mercado,
consolidando sua posicao de lider nos anos 2000. Ja as acoes de
investimento direto estrangeiro (IDE) realizadas pela TOTVS, alem da
subsidiaria argentina, foram marcadas pelas operacoes no Mexico, a
partir da aquisicao da Sipros em 2003, e posteriormente em Portugal, com
a aquisicao da RM Sistemas em 2006.
O momento de entrada da TOTVS no mercado externo esta de acordo com
a premissa do Modelo de Uppsala, que deixa claro que o movimento inicial
para um mercado estrangeiro ocorre quando a empresa percebe que suas
possibilidades de crescimento no mercado domestico estao limitadas, e os
movimentos posteriores de expansao ocorrem de acordo com o conhecimento
gradualmente obtido pela experiencia internacional. As perspectivas de
networks e do empreendedorismo internacional tambem sustentam os
momentos de insercao da TOTVS no mercado internacional, dado que a
primeira assume que as empresas se internacionalizam ou aumentam seu
envolvimento internacional de acordo com a demanda de sua rede de
relacionamentos e a segunda atribui ao perfil do empreendedor a decisao
sobre o momento dos movimentos internacionais, ou seja, cabe ao tomador
de decisao julgar quando fazer esses movimentos, independentemente do
tipo de empresa ou industria.
5.4. Onde Internacionalizar?
Conforme ja mencionado, a TOTVS iniciou sua internacionalizacao
pelos paises vizinhos ao Brasil por diferentes modos de entrada.
Atualmente, a TOTVS esta presente em praticamente todos os paises da
America Latina, alem dos EUA, Portugal e alguns paises da Africa. Com
unidades proprias no exterior, a TOTVS possui atividades no Mexico, na
Argentina--comunidades proprias que funcionam como hubs de
distribuicao--e nos EUA, atuando somente em pesquisa e desenvolvimento
de novas tecnologias. No caso dessas acoes de IDE realizadas pela TOTVS,
excetuando-se a dos EUA, a definicao da localizacao relacionou-se ao
potencial dos paises vizinhos de suportar um centro de distribuicao
regionalizado. Assim, a sinergia desses fatores determina a localizacao
do IDE nos mercados considerados mais atrativos do ponto de vista da
empresa e a abertura de franquias nos demais mercados de interesse.
De forma geral, as escolhas dos mercados externos realizadas pela
TOTVS encontram suporte nas teorias da abordagem comportamental. O
Modelo de Uppsala considera dois fatores na tomada de decisao de
internacionalizacao: a distancia psiquica e o tamanho do mercado
potencial. Ambos os fatores sao considerados pela TOTVS, pois sua
expansao internacional esta concentrada em paises considerados
psiquicamente proximos de seu mercado domestico e economicamente
atrativos. A teoria de networks tambem auxilia na explicacao dos
movimentos realizados pela TOTVS, pois preve que a escolha dos mercados
externos ocorra de acordo com as redes internacionais estabelecidas ou
almejadas. A dinamica interna da rede de negocios contribui para a
reducao do risco percebido da internacionalizacao, similarmente a
reducao da distancia psiquica. E na visao do empreendedorismo
internacional, as decisoes da TOTVS encontram subsidio no empreendedor
de mercado, para o qual a escolha se orienta para mercados novos ou em
crescimento.
5.5. Como Internacionalizar?
Conforme ja mencionado, a TOTVS adota essencialmente duas formas de
ingresso nos mercados externos: a instalacao de unidades proprias (IDE)
e a abertura de franquias, esta ultima replicando o modelo de sucesso
utilizado no mercado domestico. A adocao de mais de um modo de entrada
no exterior trouxe varios beneficios para a TOTVS. De um lado, a empresa
detem a propriedade total de unidades no exterior, como forma de se
posicionar em mercados estrategicos, gerar mais aprendizado internamente
e/ou ter acesso a mao de obra mais barata. De outro, as franquias
propiciaram a expansao de forma acelerada por meio de parceiros e de
menor investimento proprio.
No caso das acoes de IDE, a TOTVS adotou preferencialmente o modelo
de aquisicoes, apesar de ja ter realizado acoes tipo greenfield no
exterior. Seja por meio de aquisicoes ou greenfield, o modelo de IDE da
TOTVS e de integracao das unidades no exterior com o trabalho das
unidades brasileiras, a fim de ganhar sinergias culturais e tecnicas e
incorpora-las na empresa. Ja no caso das franquias, a expansao da TOTVS
partiu de suas proprias experiencias de empreendedorismo. Com o senso de
que o diferencial em empresas de servicos bemsucedidas sao seus
profissionais, a TOTVS buscou, ao longo de sua trajetoria, franqueadas
comandadas por executivos donos de seus proprios negocios. As
franqueadas, por sua vez, tem direito a distribuicao dos aplicativos da
TOTVS, porem nao a propriedade do software. Assim, as franquias
distribuem os produtos da TOTVS ja adaptados as caracteristicas legais e
fiscais de cada pais e prestam servicos de implantacao e suporte
(MORAES, 2012). Alem disso, as estrategias de entrada praticadas pela
TOTVS tambem se alternaram ao longo do tempo em razao de questoes
conjunturais e de mercado, caso da unidade propria de Portugal, que se
tornou franquia, e, inversamente, da franquia argentina, que se
transformou em unidade propria.
Em termos gerais, os modos de entrada adotados pela TOTVS encontram
subsidio nas teorias da abordagem comportamental. Os movimentos iniciais
de entrada adotados pela TOTVS por meio de franquias e IDE se coadunam
em parte com os modelos de estagios preconizados pelo Modelo de Uppsala.
Destaca-se nesses movimentos o avanco para a estrategia de IDE em um
curto intervalo de tempo, a partir da primeira acao de
internacionalizacao da TOTVS, o que pode ser sustentado pela propria
evolucao da abordagem comportamental para a perspectiva de networks, que
reconhece o enfraquecimento do modelo sequencial estabelecido por
Uppsala e a possibilidade de adocao de estrategias iniciais de entrada
com maior comprometimento de recursos, dependendo do grau de
internacionalizacao da empresa e de seu mercado (network). Alem disso, o
empreendedorismo internacional auxilia no entendimento do uso de
diferentes modos de entrada pela TOTVS, por meio da criacao de novos
canais para alcancar os consumidores (push).
6. CONSIDERACOES FINAIS
Diversos fatores podem influenciar no processo de
internacionalizacao de empresas, como localizacao, tamanho do mercado,
vantagens competitivas no mercado domestico, caracteristicas especificas
da empresa ou do setor de atuacao, entre outros. A combinacao desses
fatores resulta em teorias e modelos que buscam explicar e orientar os
movimentos realizados pelas empresas diante do desafio da
internacionalizacao.
Nesse sentido, constata-se que o processo de internacionalizacao da
TOTVS pode ser explicado em boa parte pelas teorias da abordagem
comportamental. Destacam-se, nessa relacao, os seguintes elementos da
analise: a) a expansao internacional da empresa a partir da necessidade
de novos mercados e com foco em paises da America Latina e paises de
lingua portuguesa, pelas vantagens da afinidade cultural e do proprio
idioma, o que e sustentado pelo Modelo de Uppsala; b) o acompanhamento
da internacionalizacao dos clientes do mercado domestico e as acoes de
aquisicao realizadas pela TOTVS a fim de ampliar os mercados, de acordo
com a teoria de networks; e c) o empreendedorismo nato da empresa,
evidenciado em varios momentos de sua historia, como o pioneirismo na
abertura de capital e o uso de franquias como canal de distribuicao por
uma empresa de servico, o que e respaldado pela teoria do
empreendedorismo internacional.
Em suma, os movimentos de internacionalizacao realizados pela TOTVS
combinam, em varios momentos, os pressupostos das teorias da abordagem
comportamental, praticando ora o gradualismo preconizado originalmente
pelo Modelo de Uppsala, ora o comportamento inovador, proativo e
arriscado difundido mais recentemente pelo empreendedorismo
internacional. Ha, portanto, uma complementacao das teorias
comportamentalistas de internacionalizacao na explicacao do caso em
questao.
Por fim, a proposta deste estudo nao e esgotar a investigacao, pois
outras evidencias empiricas podem ser utilizadas, outras teorias de
internacionalizacao podem ser exploradas, como as da abordagem
economica, e/ou outras questoes podem ser agregadas a estrutura de
analise utilizada (por exemplo: quanto? e quem?). Isso pode contribuir
para compreender melhor a orientacao dos processos de
internacionalizacao das empresas brasileiras e, ainda, compara-los com
os processos de internacionalizacao de empresas oriundas de outros
paises emergentes ou ate mesmo daquelas sediadas em paises
desenvolvidos.
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realizada in loco.
(2) A sigla corresponde a Earnings Before Interests, Taxes,
Depreciation and Amortization, ou seja, lucro antes dos juros, impostos,
depreciacao e amortizacao.
DOI: 10.5700/574
Recebido em: 16/10/2013
Aprovado em: 11/11/2014
Fabio Dal-Sato
Professor do Curso de Administracao na Universidade de Cruz Alta
(UNICRUZ)--Cruz Alta-RS, Brasil
Doutorando em Administracao na Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (UNISINOS)
E-mail:
[email protected]
Juliano Nunes Alves
Professor e Coordenador do Curso de Administracao na Universidade
de Cruz Alta (UNICRUZ)--Cruz Alta-RS, Brasil
Doutorando em Administracao na Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM)
E-mail:
[email protected]
Anieli Ebling Bule
Mestre em Administracao pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM) Santa Maria-RS, Brasil
E-mail:
[email protected]
Cristiano Couto do Amarante
Graduado em Administracao pela Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ)
Cruz Alta-RS, Brasil
E-mail:
[email protected]