Controle remoto nas maos do leitor de jornais impressos.
Ribeiro, Ana Elisa
SILVA, Rafael Souza. Controle remoto de papel. O efeito zapping no
jornalismo impresso diario. Sao Paulo: Annablume/ Fapesp, 2007.
[ILUSTRACION OMITIR]
"Zapear" nao e palavra que esteja no dicionario, ao menos
nao no Aurelio seculo XXI. Ja a palavra zapping aparece como um
substantivo masculino originado do ingles, com sentido de
"sequencia de mudancas rapidas de um canal para outro, por meio de
controle remoto, e que ger. e feita para evitar os intervalos
comerciais". O "geralmente" e importante para modalizar a
afirmacao. De fato, muitas pessoas "zapeiam" no meio da
programacao, sem o menor pudor, apenas para saber o que ha em outras
transmissoes. E na profusao de canais que um servico a cabo, por
exemplo, pode oferecer, "zapear" pode ser quase infinito.
Quanto mais oferta de "informacao", mais frenetica pode ser
essa "sequencia de mudancas rapidas", em que nao se assiste a
nada e talvez se tenha a vaga percepcao do que vai aqui e ali. Nao
apenas a variedade de canais e os intervalos propiciam o zapping, mas
tambem a existencia do controle remoto, que facilita, com botoes, a
mudanca dos programas. Uma tecnologia, portanto, complementa a outra e
transforma tudo em uma nova pratica (nem tao nova assim ha algumas
decadas). As emissoras tentam se esquivar como podem do leitor zapeador,
sincronizando intervalos e tornando concorrentes programas parecidos,
mas nem isso pode deter a gana "pisca-pisca" do telespectador
que procura algo de seu interesse.
A associacao que Rafael Souza Silva faz entre "zapear" e
ler jornais e, de fato, muito interessante. Na obra Controle remoto de
papel. O efeito do zapping no jornalismo impresso diario provoca
curiosidade desde a primeira passada de olhos pelo subtitulo.
"Zapear" no impresso? Realmente, nao se trata de uma
comparacao entre televisao e midias digitais, por exemplo, em que talvez
se pudesse falar em "zapping". Trata-se de considerar aquela
leitura inicial dos jornais, uma especie de "varredura" a que
alguns chamam de "escaneamento" (o scannable, de Morkes e
Nielsen), como uma forma de "zapear". E mais do que isso:
tratar a tendencia a "cadernizacao" dos jornais como uma forma
de segmentar, "blocar", diversificar, categorizar, permitindo
que o leitor transite com mais fluencia apenas pelo que ele gosta,
evitando "intervalos".
Rafael Souza Silva e autor do manual Diagramacao Planejamento
visual grafico na comunicacao impressa (Summus, 1985), em que trata de
aspectos bastante tecnicos do design de paginas de jornais. Em Controle
remoto de papel ainda ha resquicios, como nao poderia deixar de ser, do
designer de periodicos. Em varios momentos, o autor aborda o diagrama
das paginas de jornais para mostrar como os impressos sao lidos, como
sao desenhados e de que forma o zapping e possivel nessas paginas.
Em 170 paginas, a obra desenvolve a comparacao de maneira bastante
atraente, em uma linguagem academica que nao chega a impedir a leitura,
por exemplo, de um curioso que nao seja da area do jornalismo ou do
design. Controle remoto de papel e resultado da edicao da tese de
doutoramento do autor, na PUC-SP, e traz, alem do Prefacio, da
Apresentacao, da Conclusao e das referencias bibliograficas, cinco
capitulos que seguem o roteiro dos trabalhos academicos. Na Introducao,
o autor expoe seus modelos teoricos, mencionando mais fortemente a
Semiotica da Cultura (especialmente em Ivan Bystrina). No capitulo I,
Rafael Souza Silva faz um sobrevoo pela historia das corporacoes
jornalisticas, especialmente no Brasil. Comeca a se desenhar aqui a
ideia que permeia a obra: "Tudo no jornal e afetado por novas
formas de edicao que visam valorizar o conteudo e o leitor ao mesmo
tempo" (p. 23). Em tempos de "design de interacao" e de
"usabilidade", e sempre bom lembrar que o design grafico
tambem ja se orientava pela legibilidade e pelas praticas do leitor
(atual "usuario"), ao menos em escolas funcionalistas. Neste
primeiro capitulo, Souza Silva inicia sua argumentacao em torno da ideia
de que a segmentacao dos jornais foi uma tendencia mais ou menos recente
dos jornais, com origem "no comportamento editorial das revistas e,
principalmente, na publicacao em fasciculos de assuntos especificos dos
mais variados conteudos" (p. 26). Ainda nesta parte, mostra-se o
pioneirismo do Jornal do Brasil ao iniciar a "cadernizacao" e
a "colorizacao" (note-se que na mesma epoca em que a teve se
popularizava).
O capitulo II aborda a importancia do projeto voltado para a
"seducao visual", incluindo-se ai uma diagramacao atraente e a
cor. O capitulo III da sequencia a isso, abordando o "fator
geometrico" e aprofundando explicacoes sobre direcao de leitura e
exemplos de espelhos de diagramas de paginas jornalisticas.
No capitulo IV, Rafael Souza Silva analisa, em particular, a Folha
de S.Paulo e seu processo de "cadernizacao".
Interessantissimas sao as paginas (em fac-simile) do jornal, na decada
de 1990, as alteracoes programadas ao longo do tempo e as explicacoes
sobre mudancas de projeto grafico publicadas a epoca. Verdadeiros
documentos sobre mudancas graficas importantes e suas motivacoes.
No quinto capitulo, o autor de Controle remoto de papel passa a
tratar do "zapping", agora com o intuito de mostrar a historia
da tecnologia que permitiu o efeito e da adocao da pratica de
"zapear" pelos telespectadores, promovidos a
"seletores" de programas. A comparacao entre os
"zapeares" em papel e na teve surge mais claramente quando
Souza Silva afirma:
O fenomeno do zapping nao e um habito recente
como o controle remoto e como a televisao. Ele e
oriundo da mais remota antiguidade, portanto, pode
ser considerado como uma abstracao. Contemporaneamente,
ele ja acontecia nas vanguardas artisticas no inicio do
seculo XX, notadamente pelo pensamento
futurista italiano, manifestava-se atraves
da producao cultural, por meio da intimidade do
leitor com o livro, jornal, revista, ao selecionar aquilo
que mais lhe interessasse. (p. 138)
Apesar do texto nem sempre muito claro, e possivel divisar ai o
pressuposto um tanto sociologico de que o leitor sempre, a qualquer
tempo, muito antes das "novas tecnologias de informacao e
comunicacao", as voltas com a selecao. Dominique Wolton certamente
se alinharia ao autor de Controle remoto de papel, ao menos neste ponto.
Na Conclusao do trabalho, a maneira das teses, Rafael Souza Silva
"amarra" a leitura de jornais ao "zapping" e a
mudanca de projetos graficos (especialmente na Folha de S.Paulo e no
Jornal do Brasil) em direcao a segmentacao e as praticas do leitor.
Controle remoto de papel e original em relacao aos estudos da
comunicacao que tratam de jornais. A mistura fina entre design, historia
dos projetos graficos dos jornais, praticas telespectadoras e
"design centrado no leitor" ajuda a compreender o que vem
acontecendo aos veiculos impressos sob um olhar diacronico, mas, ao
mesmo tempo, sob os impulsos da "concorrencia" (as vezes
discreta) com outras midias. Tratar o "zapping" como um
comportamento de leitura do impresso e, no minimo, curioso. E mesmo
necessario explicar a associacao, para que ela nao soe apenas uma
aproximacao meio "forcada" entre midias mais tradicionais e
midias eletronicas. O texto de Rafael Souza Silva ressente-se, tambem,
de um excesso bastante incomodo de citacoes muito grandes de outros
autores, num efeito de interrupcao do texto que leva ate mesmo ao
abafamento da voz do pesquisador. A despeito disso e com boa vontade, o
leitor do livro tira bom proveito da historia da
"cadernizacao" dos jornais no Brasil, para dizer o minimo. E
bastante provavel que esta seja, ainda, uma das melhores oportunidades
existentes para se discutir (tomara que com menos citacoes) as mudancas
por que passa o jornalismo impresso na atualidade
Ana Elisa Ribeiro
Professora do Centro Federal de Educacao Tecnologica de Minas
Gerais/ MG/BR
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