No estranho planeta dos seres audiovisuais: dialogos possiveis entre televisao e educacao.
Becker, Beatriz ; Pinheiro Filho, Carlos Douglas Martins
In the strange planet of the audiovisual beings: possible dialogues
between television and education
Os efeitos dos usos das tecnologias de comunicacao intervem cada
vez mais na vida produtiva e nas formas de sociabilidade. A midia
constitui-se em um ambiente estrategico de mediacao de discursos de
instituicoes e de outros campos de producao simbolica, construindo
formas proprias de representacao do espaco e do tempo e de visibilidade
publica na atualidade. O processo de midiatizacao e cada vez mais
caracterizado por uma acelerada circulacao de informacoes e pela
hibridizacao de linguagens e suportes. E a experiencia de percepcao da
realidade imersa em um "bios virtual" ou um "bios
midiatico", como explica Sodre (2009, p. 11), acena com promessas
de constantes gratificacoes, e, simultaneamente, reduz as necessidades
humanas as demandas do mercado. A midia constroi um mundo aparentemente
real, porem, nao deixa de socializar informacoes, estimular a formacao
de culturas politicas, e servir como instrumento de ampliacao ou
restricao do interesse publico (Becker, 2010, p. 110). Nao corresponde a
um ideal de total transparencia, mas e o resultado mais ou menos ambiguo
da interseccao entre informacao e desinformacao, verdade e artificio
(Martin-Barbero, 2001, p. 100). Sem duvida, a teve produz uma
estandardizacao de opinioes e comportamentos comprometidos com a ordem
estabelecida, disciplinando a atencao do telespectador mais em direcao
ao consumo do que a consciencia historica, social e politica. Ao mesmo
tempo, tambem e influenciada pelas relacoes socioculturais, e em alguns
momentos contribui para mudancas sociais (Dayan; Katz, 1999).
Televisao: um objeto de estudo complexo
Num momento em que a Internet e o computador pessoal comecam a se
popularizar no Brasil, a televisao continua sendo o meio de comunicacao
que reune os maiores investimentos publicitarios (2) e ainda
constitui-se como a principal fonte de informacao e entretenimento dos
brasileiros (Becker, 2005), cumprindo um papel relevante nas mediacoes
da vida social cotidiana. Pensar a televisao como objeto de estudos,
porem, nao e tarefa simples. E um objeto de grande complexidade que
possui uma gama de aspectos a ser analisados (Casetti; Chio, 1999). Alem
disso, ha poucos estudos historicos sobre a teve brasileira (Ribeiro,
2010). Para construir uma reflexao critica sobre a televisao como
fenomeno cultural associada a educacao e ao conhecimento as
contribuicoes dos estudos culturais e a insercao da dimensao teorica da
analise televisual sao aqui fundamentais.
Para Martin-Barbero (2001, p. 39) em nenhuma outra midia se fazem
tao presentes as contradicoes da modernidade latino-americana como na
televisao. Para o autor televisao, ao se pluralizar, permaneceu
encerrada em seu proprio campo de interesses, fechando-se em seu proprio
universo programado de entretenimento vulgar e no limite mercadologico
imposto pela publicidade, porem nao deixa de oferecer possibilidade de
uma producao qualificada e critica (Martin-Barbero, 2001, p. 25).
Afinal, os programas televisivos nao se distinguem da logica de outros
produtos da industria cultural e nao deixam de incorporar elementos
inovadores e criativos porque os meios de comunicacao tambem se veem
comprometidos com o aparecimento de novos temas, atores e interpretacoes
sociais e culturais (Becker, 2010, p. 111). Nesse sentido, a TV nao deve
ser vista apenas como um meio para retransmitir, difundir, e reproduzir
valores, esteticas, e conteudos, mas como um meio para fazer e criar a
cultura contemporanea, constituida, segundo Kellner (2001)
fundamentalmente por sistemas de reproducao do som e da imagem. A
cultura da imagem, que explora a visao e a audicao, estimula os
individuos a se identificarem com as ideologias, posicoes e
representacoes dominantes, mas tambem e formada por um conjunto de obras
complexas que devem ser estudadas para uma maior compreensao dos
processos de comunicacao e da sociedade contemporanea (Kellner, 2001, p.
9). E analisar e interpretar a cultura da midia exige metodos de leitura
e critica capazes de articular sua insercao na economia politica, nas
relacoes sociais e no meio politico em que sao criados, veiculados e
consumidos (Kellner, 2001, p. 13). Segundo Machado (2003, p. 17) e
necessario tambem refletir sobre a televisao como um conjunto de
trabalhos audiovisuais heterogeneos, tratando estes produtos como obras
que permanecerao como referencias culturais, por meio de uma abordagem
valorativa dos programas televisivos. Desse modo, e possivel perceber as
possibilidades expressivas que a linguagem televisual proporciona, ou
seja, o som, a imagem, os figurinos, os cenarios, os dialogos, os
depoimentos, os elementos que compoe o texto audiovisual e os sentidos
produzidos por suas diferentes combinacoes.
Este trabalho propoe, sob essas perspectivas, uma reflexao sobre as
possibilidades de apropriacao critica da producao audiovisual televisiva
para a construcao do conhecimento. Discute a televisao como fenomeno
cultural e suas relacoes com a Educacao por meio de uma analise da serie
No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais (3), aqui abreviada para
NEPSA, uma coproducao nacional da Caos Producoes, da Primo Filmes e da
emissora privada de carater educativo Canal Futura, idealizada por Cao
Hamburguer, escrita e dirigida por Paulo Caruso e Teo Poppovic, e
veiculada pelo Canal Futura (4) em 2009. A serie e uma obra importante
para refletir sobre a educacao para a midia, dividida em 16 episodios
que exploram a relacao do homem contemporaneo com o audiovisual (5).
Assume-se como hipotese que a leitura critica da producao audiovisual e
dos programas educativos televisivos pode auxiliar os cidadaos a
construir uma visao mais ampla da midia e do processo de midiatizacao, e
estimular uma compreensao maior dos sentidos produzidos pelas mensagens
da televisao sobre a realidade social e sobre o proprio texto
audiovisual como linguagem e forma de pensamento, como e o caso da serie
NEPSA.
Nesta investigacao, utiliza-se a metodologia sistematizada por
Ferres (1994, p. 175) para analise do NEPSA, constituida por tres fases
distintas: leitura situacional, leitura filmica e leitura valorativa. Na
leitura situacional e realizada uma descricao do objeto de estudo,
busca-se compreender tambem o contexto onde a obra esta inserida. A
leitura filmica corresponde a analise televisual da serie, e o terceiro
momento, o da leitura valorativa, a interpretacao e organizacao dos
resultados alcancados. Serao tambem utilizadas categorias de Analise
Televisual propostas por Becker (2005, 2010, p. 118) para viabilizar o
estudo dos codigos e das mensagens televisuais, possibilitando uma
leitura critica da serie. Essas categorias indicam caminhos para ver com
outros olhos e de outros angulos o objeto de estudo. Sao elas: a)
estrutura narrativa, utilizada para perceber como o texto audiovisual e
organizado, observando sua duracao, seu estilo, a divisao em blocos, e o
numero de episodios; b) Enunciadores, que oferece a possibilidade de
observar sob uma perspectiva critica os atores sociais que participam da
narrativa, ou seja, as vozes do texto e suas representacoes; c)
tematica, usada para indicar os temas privilegiados nesta ficcao
seriada; d) visualidade, que permite entender os modos como se
apresentam em cena elementos significantes como o cenario, os recursos
graficos, e o figurino; e) som, categoria relevante para mostrar a
maneira como os elementos sonoros--palavras, ruidos, trilha sonora,
participam da construcao da narrativa e das construcoes de sentidos; e
f) edicao, importante para desvelar processos de montagem e sinalizar
suas solucoes esteticas.
A essa metodologia sao acrescidas as nocoes de televisao de
qualidade, de programa, e de genero trabalhadas por Machado (2003, p.
25-29) porque permitem uma abordagem mais seletiva e qualitativa da
producao televisual (6). Essas nocoes sao referencias importantes para a
analise do NEPSA porque muitas investigacoes sobre series e filmes se
detem apenas na analise estrita de conteudo, prendem-se ao texto escrito
como roteiro, nao indo alem da superficie do texto audiovisual. A
linguagem audiovisual, porem, necessita do entendimento da imagem como
texto, com codigos significativos para a compreensao da mensagem, o que
tambem depende de uma interacao entre producao e recepcao, ou entre
autor e leitor. Afinal, como sugere Vilches (1996, p. 95), a percepcao
do texto audiovisual implica em uma compreensao dos recursos televisuais
utilizados na construcao dos enunciados e das mensagens de uma obra.
Interessados neste trabalho em refletir sobre as possibilidades de um
texto audiovisual estimular a construcao de conhecimento e preciso ainda
identificar dialogos possiveis entre televisao e educacao antes de
avancarmos no estudo da serie, buscando compreender sua proposta
educativa.
Televisao e educacao
Assume-se que o aprendizado da leitura critica dos programas
televisivos contribui para a construcao do conhecimento e saberes sobre
a realidade social, inclusive sobre eles proprios. E uma reflexao sobre
processos de comunicacao associados a educacao para as midias demanda
uma diferenciacao entre conhecimento, informacao e compreensao. A
comunicacao exerce um papel central na contemporaneidade, e a informacao
e o conhecimento tem se transformado em produtos de grande valor na vida
produtiva (Baldessar; Giglio, 2010, p. 47). No entanto, a associacao
entre conhecimento, informacao e poder nao constitui um fato
"novo" na historia da humanidade. A novidade e a sua crescente
vinculacao ao mercado. Ha um excesso de informacao na atualidade, mas,
experimenta-se, ao mesmo tempo, uma carencia de conhecimento porque
deter uma informacao aparece mais como a posse de um bem de consumo do
que como a incorporacao de um saber (Morin, 2003a, p. 8). Segundo o
autor "e facil constatar que estamos vivenciando uma degradacao do
conhecimento na/pela informacao" (Morin, 2003a), em funcao desta
sujeicao crescente do conhecimento ao mercado, mas tambem por causa de
uma problematica inerente ao proprio conhecimento associada ao risco do
erro e da ilusao (Morin, 2003, p. 20).
O conhecimento nunca e reflexo ou espelho da realidade, e sempre
uma traducao, seguida de uma reconstrucao. Mas, essas traducoes sao
tambem um risco de erro, permeadas de subjetividades. Conhecimento,
portanto, tambem e poder produzido por um regime de verdade. E ainda que
a incerteza demonstre certa falta de controle do poder e a sua
parcialidade, desvelando sua vulnerabilidade, tambem reafirma,
contraditoriamente, a sua forca, porque recoloca a possibilidade de
novas certezas. Segundo Morin (2003a), a sabedoria de incorporar
conhecimentos a vida cotidiana, percebendo os contextos e cruzar saberes
corresponde a compreensao. E a comunicacao pode auxiliar e estimular a
compreensao das mensagens por meio de tecnologias, linguagens, e meios.
Entretanto, nao pode cria-la (Morin, 2003a, p. 8). A compreensao demanda
uma relacao subjetiva e afetuosa com o Outro, o que nao significa
atribuir aos meios de comunicacao a exclusividade na producao de
incompreensao e intolerancia entre os homens porque esta questao e mais
complexa, relaciona-se tambem a desintegracao de utopias constituidas,
ao individualismo, ao crescimento da inseguranca e dos riscos, e a
crescente incerteza sobre os rumos das ciencias e das condicoes de vida
no planeta.
De fato, a midia exerce um papel ambiguo, promove tanto a
compreensao quanto a incompreensao, e tanto a inclusao quanto a
exclusao, quando em seus enunciados aborda de maneira mais progressista
ou conservadora questoes relevantes para a sociedade, gerando mudancas
sociais ou a manutencao do satus quo (Becker, 2005). Neste sentido, a
educacao tem a relevante funcao de contribuir para identificar origens
de erros e ilusoes possiveis nos processos de percepcao da experiencia
social e de aprendizagem, podendo colaborar para "ensinar a
compreensao entre as pessoas como condicao e garantia da solidariedade
intelectual e moral da humanidade" (Morin, 2003), o que corresponde
a possibilidade transformadora da hexis educativa, a construcao do
conhecimento "sem automatismos, um modo de agir, uma acao que
exprime a transformacao, pelo agente, do ter em ser", como propoe
Sodre (2009, p. 84). Afinal, segundo o autor, "pela relacao
educacional mede-se o grau de resistencia social a logica de indiferenca
etica do mercado" (Sodre, 2009, p. 83). E, ao contrario da mecanica
repetitiva do treinamento utilitarista, a dimensao criativa da educacao
e capaz de superar determinados costumes e funcionar como uma especie de
resistencia a midiatizacao.
No entanto, a educacao tem sido reduzida a pratica instrumental do
ensino originaria de processos padronizados, em que o aprendizado e uma
absorcao de ideologias e modos pre-estabelecidos de pensamento, que nao
estimulam a reflexao. Professor e aluno, de modo geral, assumem graus
hierarquicos rigidos em relacao ao conhecimento, tornando a sala de aula
espaco de um amontoado de problemas e de solucoes instantaneas e
automaticas. Desse modo, o processo de aprendizagem constitui-se em um
"treinamento ou adestramento" (Sodre, 2009, p. 102),
tecendo-se uma pedagogia individualista, regada de ideologia
utilitarista de uma formacao exclusivamente direcionada ao mercado de
trabalho e a reproducao de valores e ideologias.
Mas, a educacao fomentada pela hexis pode trabalhar o aprendizado
por meio do dialogo na contramao da sociedade de consumo que tanto atrai
a atencao, sobretudo dos jovens, estimulando a liberdade e a
interpretacao, inclusive dos textos da midia. Compete aos educadores,
portanto, indagar sobre como os meios de comunicacao apresentam a
realidade, oferecendo aos cidadaos possibilidades de refletir sobre sua
logica mercantil e suas estrategias de controle social (Gadotti, 2010,
p. 2), a ver o nao visivel. Dessa forma, a escola nao deve apenas
estimular que os alunos assistam a televisao de maneira critica, mas
tambem proporcionar oportunidade para que produzam os seus proprios
trabalhos audiovisuais (Gadotti, 2010), uma experiencia de
reconhecimento de si mesmos, de legitimacao de suas aspiracoes, e de
visibilidade diferenciada de suas comunidades.
Por essas razoes, e importante pensar em uma educacao para a midia
capaz de contribuir para a compreensao das mensagens televisuais,
desvendando suas caracteristicas enunciativas, seus modos de construir
sentidos, ate porque nas sociedades contemporaneas a competencia
comunicativa passa por um dominio dos codigos audiovisuais: "O
ideal e que os telespectadores-usuarios sejam capazes nao apenas de
compreende-los, mas tambem de se expressar mediante eles para nao serem
condenados a ser simples receptores passivos e acriticos" (Becker,
2010, p. 112). A educacao para leitura da midia, portanto, implica em um
dominio relativo da linguagem audiovisual e da tecnica televisiva, por
meio da conquista de habilidades para a leitura critica dos programas
televisivos e para a producao de textos audiovisuais mais inventivos,
capazes de gerar novas formas de pensar e agir por meio de outras
combinacoes de palavras e imagens e outros modos de insercao dos
cidadaos na vida social.
A analise da serie NEPSA, constitui-se aqui, justamente, como um
exercicio de ver a TV de um jeito diferente, como um ambiente de
aprendizagem, apropriando-se dos conteudos e formatos de diferentes
generos, neste caso da ficcao seriada, estimulando a percepcao do papel
dos meios e da televisao na sociedade contemporanea, e uma compreensao
mais ampla do mundo.
Um estudo da serie No estranho planeta dos seres audiovisuais
A analise televisual aqui realizada e amparada nas contribuicoes de
Joan Ferres (1994), Lorenzo Vilches (1996), Arlindo Machado (2003) e
Beatriz Becker (2010) porque trazem abordagens relevantes para analisar
os produtos televisivos como obras culturais, possibilitando compreender
varias dimensoes da producao e da linguagem audiovisual. Estas
referencias sao aqui importantes porque tambem contribuem para uma
compreensao mais ampla tanto da forma quanto do conteudo do texto
audiovisual, sem privilegiar um ou outro, e dos sentidos construidos
sobre o audiovisual e os meios na narrativa da serie. A analise e
realizada em tres fases sistematizadas por Ferres (1994) e sao aplicadas
no seu desenvolvimento seis categorias sugeridas e sistematizadas por
Beatriz Becker (2005; 2010), ja mencionadas. Aqui apresentamos uma
sintese dos resultados alcancados.
O fato do Canal Futura nao ser de carater estritamente comercial ou
veicular conteudos associados diretamente aos interesses de grandes
anunciantes cria possibilidades de realizacao de uma producao inovadora
e experimental, e a serie explora essa oportunidade. Assume-se que esta
serie televisiva e, sem duvida, inovadora e de qualidade, por apresentar
um discurso diferenciado. Sua proposta educativa se baseia na proposicao
de perguntas e dialogos. O questionamento sobre a real possibilidade
educativa do programa faz parte de sua propria narrativa. Os episodios
resultam de uma mistura de generos: os programas de entrevistas, a
narrativa jornalistica e a ficcao seriada. No audiovisual a imagem e o
som se articulam para construcao dos sentidos, mas na NEPSA as imagens
estao subordinadas ao texto verbal, o qual qualifica um determinado
acontecimento na serie, como as reportagens televisivas. Observa-se,
desse modo, como os relatos jornalisticos tambem constituem as
caracteristicas narrativas desta serie.
Esta serie explora a relacao do homem contemporaneo com o
audiovisual, propondo um questionamento sobre as relacoes entre
realidade, ficcao e verdade. Promove um debate sobre a possibilidade de
uma representacao verossimil do real pelo texto audiovisual. Sugere que
por causa do uso das imagens o texto televisivo parece mostrar a
"verdade" de maneira mais impactante do que a de outras formas
de expressao, como a escrita, mas, provoca uma reflexao sobre a
veracidade do discurso midiatico, da propria serie, e ate das
enunciacoes dos especialistas. E indica ainda que a "verdade"
do texto audiovisual tambem resulta de quem o ve, o ouve e o interpreta.
Ao inves de dar respostas sobre as questoes apresentadas, ou dizer
como realizar este ou aquele produto audiovisual, a serie propoe
perguntas sem solucao imediata, buscando provocar inquietacoes e
indagacoes ao telespectador, o qual tem possibilidade de compreender
como os sentidos sao construidos por meio de combinacoes de imagens e
palavras e de outros codigos televisuais. Dois efeitos sonoros muito
utilizados na serie sao os assovios e os clicks, que marcam a passagem
de uma cena a outra, de uma entrevista a outra, de um dialogo de
personagens ficcionais para a apresentadora ou para a narracao em off,
oferecem um sentido conclusivo a cena, e, ao mesmo tempo, produzem um
efeito de pausa que e semelhante na escrita, a um ponto ou a uma
virgula.
Todo roteiro e baseado em entrevistas com especialistas,
intercaladas por breves dialogos com personagens ficcionais, que
constituem pequenos esquetes, e pela voz em off de um dos diretores da
serie, Teo Poppovik, que proporciona explicacoes sobre os temas
apresentado, narra os episodios em uma linguagem acessivel e informal, e
atua como uma "mediadora" entre as diferentes vozes do texto.
A Apresentadora Maria Laura representa a personagem Ana, a qual
contribui para "costurar" os programas. Mas sao as entrevistas
previamente gravadas com pesquisadores e produtores que estruturam o
roteiro dos programas, ainda que eles nem sempre aparecam na tela. Cada
entrevista funciona como uma especie de aula-depoimento. O debate entre
os entrevistados e realizado por meio da edicao porque eles nao se
encontram frente a frente. A captacao da imagem dos entrevistados e
realizada de varios angulos, os quais se alternam em muitos momentos,
explorando seus gestos e olhares, conferindo dinamismo a narrativa.
Esse recurso permite ao telespectador acompanhar os debates por
diferentes perspectivas provocadas pelos enquadramentos e provoca uma
inquietacao em relacao ao texto audiovisual, uma vez que nao permite a
audiencia acomodar sua atencao ou acompanhar apenas fragmentos do texto,
uma forma de interacao diferente daquela que normalmente e estabelecida
na edicao em outros programas televisivos. Este jogo de camera na
montagem tambem desvenda o lugar de quem captura a imagem, de quem
filma, sugerindo que um produto audiovisual expressa uma visao singular
sobre algo, nao e um elemento neutro que expoe a realidade de forma
imparcial, desmistificando o processo de gravacao e edicao. A partir dos
depoimentos dos especialistas os episodios fazem referencias tambem a
autores classicos da filosofia, do cinema e de outros campos do saber, o
que demonstra uma abordagem interdisciplinar do audiovisual, sugerindo
possibilidades de dialogos entre o conhecimento formal, academico ou
escolar e a televisao.
Desse modo, o programa nao oferece uma percepcao reduzida sobre a
midia e a televisao, ao contrario, apresenta a complexidade da narrativa
audiovisual e de suas significacoes, as quais demandam investigacoes
mais profundas para a sua compreensao, capazes tambem de gerar
conhecimento, ainda que a serie nao ofereca uma representacao de atores
sociais diversa. Na maioria dos programas nao sao ouvidos cidadaos de
menor renome, a nao ser no episodio especifico sobre filmes marginais na
industria audiovisual, e apesar da constante busca de uma aproximacao do
telespectador sua propria voz nao aparece na NEPSA. O unico momento em
que os telespectadores possuem uma representacao na serie e no
Episodio-piloto, ainda assim de modo comico por tres personagens
ficcionais, individuos sedentarios, desleixados e bastante limitados,
que dialogam com a apresentadora em alguns momentos. No entanto, este
recurso narrativo nao deixa de expressar uma critica a uma postura
alienada da audiencia diante da teve, possibilitando ao telespectador
observar-se por meio de uma imagem estereotipada de si mesmo, de um
sujeito que ve a televisao de maneira pouco reflexiva. Ha uma clara
intencao na serie de construir uma relacao dialogica com o
telespectador, o que reafirma a forca das enunciacoes verbais no texto
televisivo trabalhadas na serie com humor e em um tom sarcastico. Assim,
o telespectador e motivado a repensar os meios e a televisao.
Outra caracteristica importante do programa e o fato de ser uma
ficcao seriada, concebida em forma de episodios, estes divididos em
blocos, que seguem uma mesma estetica em todos os programas
caracterizada por um estilo cenico proximo ao ambiente de um
laboratorio, e com imagens semelhantes a um video experimental, o que
atrai a atencao do telespectador. No cenario principal de onde fala a
apresentadorapersonagem do programa, a Ana, ha diversos equipamentos de
transmissao de som e imagem instalados em um ambiente caotico e
futurista.
O cenario apresenta uma disposicao assimetrica dos objetos em cena,
como os televisores ligados ali instalados que reproduzem imagens de
varios angulos do proprio cenario e da apresentadora como espelhos.
Muitos desses objetos existem fisicamente no estudio, mas outros sao
apenas imagens projetadas. Essa proposta sugere que muitos fatos reais,
ao nao serem representados pela midia, simplesmente nao existem ou sao
considerados falsos, ou que muitos fatos irreais que sao representados
pela midia podem ser considerados verdadeiros, pois na sociedade
contemporanea a midia detem o privilegio da enunciacao da
"verdade", estabelecida na relacao entre enunciadores e a
realidade, a qual nao quase nunca e marcada pela neutralidade.
A edicao da serie tem um ritmo frenetico, com cortes e sequencias
de imagens em alta velocidade, que fazem alusao a luz e a eletricidade.
Na NEPSA o tempo e construido de modo acelerado, combinando diversos
elementos do texto audiovisual dispostos em uma bricolagem que envolve
fotografias, reportagens, filmes antigos, esquetes e entrevistas. A
compreensao da serie exige uma expressiva atencao do telespectador.
Porem, a edicao nao sugere que a narrativa seja desconexa e tampouco
propoe uma espetacularizacao do audiovisual. Trechos de imagens e sons
sao editados como um convite a reflexao do telespectador sobre o tema e
as questoes abordadas.
A propria edicao oferece ao telespectador a oportunidade de
compreender como esta serie e outros produtos audiovisuais sao
construidos.
A abertura geral do programa e o episodio piloto sintetizam esse
modo de narrar e discutir o audiovisual. A abertura da serie No Estranho
Planeta dos Seres Audiovisuais segue em sintese uma estetica trash com
efeitos bem simples, figurinos improvisados, uma gravacao e montagem que
trazem referencia a captacao de imagem experimental e ao vivo, e a
filmes de acao. O Episodio-piloto constitui-se como uma referencia
estetica e de conteudo do NEPSA, no qual e possivel identificar
caracteristicas do cenario, da narrativa, do tipo de montagem e da
tematica.
Dessa forma, e possivel concluir que o audiovisual pode ser uma
linguagem pela qual se produz conhecimento sobre algo, ou sobre os meios
e a propria televisao. Entretanto, e importante ressaltar suas
limitacoes como instrumento de construcao de conhecimentos. Uma dessas
limitacoes levantada pela propria serie e o fato de que o audiovisual
nao e uma representacao objetiva da realidade, e que a verdade sobre uma
dada realidade e elaborada por meio de uma especie de pacto estabelecido
entre quem o produz e quem o assiste. A proposta educativa desta serie
corresponde a uma tentativa de promover questionamentos sobre a producao
audiovisual, nao no sentido de um fazer estritamente tecnico, mas
propondo uma compreensao do audiovisual como forma de pensamento e
linguagem. Assim, a NEPSA produz um estranhamento frente a
caracteristicas aparentemente naturalizadas do texto audiovisual.
Os resultados alcancados na analise da serie afirmam a hipotese de
que por meio da leitura critica do texto audiovisual o telespectador tem
possibilidade de ampliar sua compreensao sobre o processo de
midiatizacao, reconhecer as midias como instituicoes produtoras de
sentidos sobre a realidade social, e construir suas proprias percepcoes
sobre os meios e a televisao. A narrativa do NEPSA indica ainda para o
telespectador que muitas respostas possiveis para compreensao do
audiovisual podem estar fora do universo midiatico, sendo necessario
revisitar a opiniao de professores e pesquisadores para se chegar a
algum conhecimento sobre o tema, o que significa que os espacos da
universidade e da escola, ainda se constituem como lugares privilegiados
para se discutir a verdade das coisas e para se testar a veracidade dos
discursos sobre as experiencias sociais e culturais. Esperamos que este
trabalho possa ter contribuido para sinalizar a relevancia de uma
educacao para as midias. Sem duvida, nao foi possivel abordar todas as
questoes e ficam aqui algumas lacunas, porem, essas se oferecem como
novas possibilidades de investigacao a serem exploradas.
Beatriz Becker
Professora no Programa de Pos-Graduacao em Comunicacao e Cultura da
UFRJ/RJ/BR. <
[email protected]>
Carlos Douglas Martins Pinheiro Filho
Mestre em Comunicacao e Cultura pela UFRJ/RJ/BR.
<
[email protected]>
REFERENCIAS
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NOTAS
(1) Este trabalho e inedito e pretende-se ainda apresenta-lo, se
possivel, no Encontro Internacional Socine 2011, a ser realizado na
ECO-UFRJ, em setembro deste mesmo ano.
(2) Registra-se uma queda na audiencia da televisao e a Internet
permanece a midia que mais cresce, apresentando em janeiro e fevereiro
de 2010 um crescimento de 33,9% em relacao ao mesmo periodo de 2009
<http://iabbrasil.ning.com/>. Porem, o investimento publicitario
no primeiro bimestre de 2010 cresceu 25% em relacao ao mesmo periodo do
ano anterior, e deste montante o investimento publicitario na teve
aberta corresponde a 63,19%, o que significa mais de 12 bilhoes de
reais. Disponivel em: <http://www.
projetointermeios.com.br/relatorios/rel_investimento_1_0.pdf>.
(3) A serie esta disponivel para download no sitio Futuratec.
Disponivel em: <http://www.futuratec.org.br/>.
(4) O Canal Futura foi criado em 1997, pela Fundacao Roberto
Marinho. Vai ao ar via cabo pelo sistema NET/ Multicanal, e via antena
parabolica convencional para todo o Brasil. Tambem e oferecido de forma
gratuita as escolas e entidades publicas ou comunitarias que tem os
equipamentos necessarios para sua recepcao mediante solicitacao. O
governo brasileiro concedeu o titulo de geradora educativa ao Futura, o
que permite ao canal expandir suas transmissoes em sinal aberto sem
depender de concessoes.
(5) Os temas dos programas sao: 1) Programa Piloto; 2) Verdade; 3)
Realidade; 4) Ficcao; 5) Artificiais; 6) Experimentais; 7) Subterraneos;
8) Instantaneos; 9) Populares; 10) Violentos; 11) Pornograficos; 12)
Montagem; 13) Sonoros; 14) Reciclados; 15) Interativos; 16) Conclusao--O
Futuro do Audiovisual.
(6) Para o autor (idem, p. 25-26) fazer distincao entre as obras
televisuais, pressupoe uma definicao de qualidade, a qual pode estar
simplesmente na diversidade, abrindo oportunidades para o mais amplo
leque de experiencias diferenciadas (idem). Contrapoe ao conceito de
"fluxo televisual" de Raymond Williams (1979), a ideia de
programa, qualquer serie sintagmatica considerada singular, constituida
como uma peca unica ou uma serie (idem, p. 27). Afirma que embora esta
nocao, assim como a de genero, tem sido questionada porque a televisao
tende a uma fragmentacao e heterogeneidade crescentes, em decorrencia do
efeito zapping, sao por meio de nucleos de significacao coerentes, e de
tendencias de uso da linguagem expressivas, estaveis, e organizadas
(idem, p. 29), que a teve e produzida e apreendida.