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文章基本信息

  • 标题:No estranho planeta dos seres audiovisuais: dialogos possiveis entre televisao e educacao.
  • 作者:Becker, Beatriz ; Pinheiro Filho, Carlos Douglas Martins
  • 期刊名称:Revista Famecos - Midia, Cultura e Tecnologia
  • 印刷版ISSN:1415-0549
  • 出版年度:2011
  • 期号:May
  • 语种:Spanish
  • 出版社:Editora da PUCRS
  • 摘要:Os efeitos dos usos das tecnologias de comunicacao intervem cada vez mais na vida produtiva e nas formas de sociabilidade. A midia constitui-se em um ambiente estrategico de mediacao de discursos de instituicoes e de outros campos de producao simbolica, construindo formas proprias de representacao do espaco e do tempo e de visibilidade publica na atualidade. O processo de midiatizacao e cada vez mais caracterizado por uma acelerada circulacao de informacoes e pela hibridizacao de linguagens e suportes. E a experiencia de percepcao da realidade imersa em um "bios virtual" ou um "bios midiatico", como explica Sodre (2009, p. 11), acena com promessas de constantes gratificacoes, e, simultaneamente, reduz as necessidades humanas as demandas do mercado. A midia constroi um mundo aparentemente real, porem, nao deixa de socializar informacoes, estimular a formacao de culturas politicas, e servir como instrumento de ampliacao ou restricao do interesse publico (Becker, 2010, p. 110). Nao corresponde a um ideal de total transparencia, mas e o resultado mais ou menos ambiguo da interseccao entre informacao e desinformacao, verdade e artificio (Martin-Barbero, 2001, p. 100). Sem duvida, a teve produz uma estandardizacao de opinioes e comportamentos comprometidos com a ordem estabelecida, disciplinando a atencao do telespectador mais em direcao ao consumo do que a consciencia historica, social e politica. Ao mesmo tempo, tambem e influenciada pelas relacoes socioculturais, e em alguns momentos contribui para mudancas sociais (Dayan; Katz, 1999).
  • 关键词:Audio-visual equipment industry;Audiovisual equipment industry;Television programs

No estranho planeta dos seres audiovisuais: dialogos possiveis entre televisao e educacao.


Becker, Beatriz ; Pinheiro Filho, Carlos Douglas Martins


In the strange planet of the audiovisual beings: possible dialogues between television and education

Os efeitos dos usos das tecnologias de comunicacao intervem cada vez mais na vida produtiva e nas formas de sociabilidade. A midia constitui-se em um ambiente estrategico de mediacao de discursos de instituicoes e de outros campos de producao simbolica, construindo formas proprias de representacao do espaco e do tempo e de visibilidade publica na atualidade. O processo de midiatizacao e cada vez mais caracterizado por uma acelerada circulacao de informacoes e pela hibridizacao de linguagens e suportes. E a experiencia de percepcao da realidade imersa em um "bios virtual" ou um "bios midiatico", como explica Sodre (2009, p. 11), acena com promessas de constantes gratificacoes, e, simultaneamente, reduz as necessidades humanas as demandas do mercado. A midia constroi um mundo aparentemente real, porem, nao deixa de socializar informacoes, estimular a formacao de culturas politicas, e servir como instrumento de ampliacao ou restricao do interesse publico (Becker, 2010, p. 110). Nao corresponde a um ideal de total transparencia, mas e o resultado mais ou menos ambiguo da interseccao entre informacao e desinformacao, verdade e artificio (Martin-Barbero, 2001, p. 100). Sem duvida, a teve produz uma estandardizacao de opinioes e comportamentos comprometidos com a ordem estabelecida, disciplinando a atencao do telespectador mais em direcao ao consumo do que a consciencia historica, social e politica. Ao mesmo tempo, tambem e influenciada pelas relacoes socioculturais, e em alguns momentos contribui para mudancas sociais (Dayan; Katz, 1999).

Televisao: um objeto de estudo complexo

Num momento em que a Internet e o computador pessoal comecam a se popularizar no Brasil, a televisao continua sendo o meio de comunicacao que reune os maiores investimentos publicitarios (2) e ainda constitui-se como a principal fonte de informacao e entretenimento dos brasileiros (Becker, 2005), cumprindo um papel relevante nas mediacoes da vida social cotidiana. Pensar a televisao como objeto de estudos, porem, nao e tarefa simples. E um objeto de grande complexidade que possui uma gama de aspectos a ser analisados (Casetti; Chio, 1999). Alem disso, ha poucos estudos historicos sobre a teve brasileira (Ribeiro, 2010). Para construir uma reflexao critica sobre a televisao como fenomeno cultural associada a educacao e ao conhecimento as contribuicoes dos estudos culturais e a insercao da dimensao teorica da analise televisual sao aqui fundamentais.

Para Martin-Barbero (2001, p. 39) em nenhuma outra midia se fazem tao presentes as contradicoes da modernidade latino-americana como na televisao. Para o autor televisao, ao se pluralizar, permaneceu encerrada em seu proprio campo de interesses, fechando-se em seu proprio universo programado de entretenimento vulgar e no limite mercadologico imposto pela publicidade, porem nao deixa de oferecer possibilidade de uma producao qualificada e critica (Martin-Barbero, 2001, p. 25). Afinal, os programas televisivos nao se distinguem da logica de outros produtos da industria cultural e nao deixam de incorporar elementos inovadores e criativos porque os meios de comunicacao tambem se veem comprometidos com o aparecimento de novos temas, atores e interpretacoes sociais e culturais (Becker, 2010, p. 111). Nesse sentido, a TV nao deve ser vista apenas como um meio para retransmitir, difundir, e reproduzir valores, esteticas, e conteudos, mas como um meio para fazer e criar a cultura contemporanea, constituida, segundo Kellner (2001) fundamentalmente por sistemas de reproducao do som e da imagem. A cultura da imagem, que explora a visao e a audicao, estimula os individuos a se identificarem com as ideologias, posicoes e representacoes dominantes, mas tambem e formada por um conjunto de obras complexas que devem ser estudadas para uma maior compreensao dos processos de comunicacao e da sociedade contemporanea (Kellner, 2001, p. 9). E analisar e interpretar a cultura da midia exige metodos de leitura e critica capazes de articular sua insercao na economia politica, nas relacoes sociais e no meio politico em que sao criados, veiculados e consumidos (Kellner, 2001, p. 13). Segundo Machado (2003, p. 17) e necessario tambem refletir sobre a televisao como um conjunto de trabalhos audiovisuais heterogeneos, tratando estes produtos como obras que permanecerao como referencias culturais, por meio de uma abordagem valorativa dos programas televisivos. Desse modo, e possivel perceber as possibilidades expressivas que a linguagem televisual proporciona, ou seja, o som, a imagem, os figurinos, os cenarios, os dialogos, os depoimentos, os elementos que compoe o texto audiovisual e os sentidos produzidos por suas diferentes combinacoes.

Este trabalho propoe, sob essas perspectivas, uma reflexao sobre as possibilidades de apropriacao critica da producao audiovisual televisiva para a construcao do conhecimento. Discute a televisao como fenomeno cultural e suas relacoes com a Educacao por meio de uma analise da serie No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais (3), aqui abreviada para NEPSA, uma coproducao nacional da Caos Producoes, da Primo Filmes e da emissora privada de carater educativo Canal Futura, idealizada por Cao Hamburguer, escrita e dirigida por Paulo Caruso e Teo Poppovic, e veiculada pelo Canal Futura (4) em 2009. A serie e uma obra importante para refletir sobre a educacao para a midia, dividida em 16 episodios que exploram a relacao do homem contemporaneo com o audiovisual (5). Assume-se como hipotese que a leitura critica da producao audiovisual e dos programas educativos televisivos pode auxiliar os cidadaos a construir uma visao mais ampla da midia e do processo de midiatizacao, e estimular uma compreensao maior dos sentidos produzidos pelas mensagens da televisao sobre a realidade social e sobre o proprio texto audiovisual como linguagem e forma de pensamento, como e o caso da serie NEPSA.

Nesta investigacao, utiliza-se a metodologia sistematizada por Ferres (1994, p. 175) para analise do NEPSA, constituida por tres fases distintas: leitura situacional, leitura filmica e leitura valorativa. Na leitura situacional e realizada uma descricao do objeto de estudo, busca-se compreender tambem o contexto onde a obra esta inserida. A leitura filmica corresponde a analise televisual da serie, e o terceiro momento, o da leitura valorativa, a interpretacao e organizacao dos resultados alcancados. Serao tambem utilizadas categorias de Analise Televisual propostas por Becker (2005, 2010, p. 118) para viabilizar o estudo dos codigos e das mensagens televisuais, possibilitando uma leitura critica da serie. Essas categorias indicam caminhos para ver com outros olhos e de outros angulos o objeto de estudo. Sao elas: a) estrutura narrativa, utilizada para perceber como o texto audiovisual e organizado, observando sua duracao, seu estilo, a divisao em blocos, e o numero de episodios; b) Enunciadores, que oferece a possibilidade de observar sob uma perspectiva critica os atores sociais que participam da narrativa, ou seja, as vozes do texto e suas representacoes; c) tematica, usada para indicar os temas privilegiados nesta ficcao seriada; d) visualidade, que permite entender os modos como se apresentam em cena elementos significantes como o cenario, os recursos graficos, e o figurino; e) som, categoria relevante para mostrar a maneira como os elementos sonoros--palavras, ruidos, trilha sonora, participam da construcao da narrativa e das construcoes de sentidos; e f) edicao, importante para desvelar processos de montagem e sinalizar suas solucoes esteticas.

A essa metodologia sao acrescidas as nocoes de televisao de qualidade, de programa, e de genero trabalhadas por Machado (2003, p. 25-29) porque permitem uma abordagem mais seletiva e qualitativa da producao televisual (6). Essas nocoes sao referencias importantes para a analise do NEPSA porque muitas investigacoes sobre series e filmes se detem apenas na analise estrita de conteudo, prendem-se ao texto escrito como roteiro, nao indo alem da superficie do texto audiovisual. A linguagem audiovisual, porem, necessita do entendimento da imagem como texto, com codigos significativos para a compreensao da mensagem, o que tambem depende de uma interacao entre producao e recepcao, ou entre autor e leitor. Afinal, como sugere Vilches (1996, p. 95), a percepcao do texto audiovisual implica em uma compreensao dos recursos televisuais utilizados na construcao dos enunciados e das mensagens de uma obra. Interessados neste trabalho em refletir sobre as possibilidades de um texto audiovisual estimular a construcao de conhecimento e preciso ainda identificar dialogos possiveis entre televisao e educacao antes de avancarmos no estudo da serie, buscando compreender sua proposta educativa.

Televisao e educacao

Assume-se que o aprendizado da leitura critica dos programas televisivos contribui para a construcao do conhecimento e saberes sobre a realidade social, inclusive sobre eles proprios. E uma reflexao sobre processos de comunicacao associados a educacao para as midias demanda uma diferenciacao entre conhecimento, informacao e compreensao. A comunicacao exerce um papel central na contemporaneidade, e a informacao e o conhecimento tem se transformado em produtos de grande valor na vida produtiva (Baldessar; Giglio, 2010, p. 47). No entanto, a associacao entre conhecimento, informacao e poder nao constitui um fato "novo" na historia da humanidade. A novidade e a sua crescente vinculacao ao mercado. Ha um excesso de informacao na atualidade, mas, experimenta-se, ao mesmo tempo, uma carencia de conhecimento porque deter uma informacao aparece mais como a posse de um bem de consumo do que como a incorporacao de um saber (Morin, 2003a, p. 8). Segundo o autor "e facil constatar que estamos vivenciando uma degradacao do conhecimento na/pela informacao" (Morin, 2003a), em funcao desta sujeicao crescente do conhecimento ao mercado, mas tambem por causa de uma problematica inerente ao proprio conhecimento associada ao risco do erro e da ilusao (Morin, 2003, p. 20).

O conhecimento nunca e reflexo ou espelho da realidade, e sempre uma traducao, seguida de uma reconstrucao. Mas, essas traducoes sao tambem um risco de erro, permeadas de subjetividades. Conhecimento, portanto, tambem e poder produzido por um regime de verdade. E ainda que a incerteza demonstre certa falta de controle do poder e a sua parcialidade, desvelando sua vulnerabilidade, tambem reafirma, contraditoriamente, a sua forca, porque recoloca a possibilidade de novas certezas. Segundo Morin (2003a), a sabedoria de incorporar conhecimentos a vida cotidiana, percebendo os contextos e cruzar saberes corresponde a compreensao. E a comunicacao pode auxiliar e estimular a compreensao das mensagens por meio de tecnologias, linguagens, e meios. Entretanto, nao pode cria-la (Morin, 2003a, p. 8). A compreensao demanda uma relacao subjetiva e afetuosa com o Outro, o que nao significa atribuir aos meios de comunicacao a exclusividade na producao de incompreensao e intolerancia entre os homens porque esta questao e mais complexa, relaciona-se tambem a desintegracao de utopias constituidas, ao individualismo, ao crescimento da inseguranca e dos riscos, e a crescente incerteza sobre os rumos das ciencias e das condicoes de vida no planeta.

De fato, a midia exerce um papel ambiguo, promove tanto a compreensao quanto a incompreensao, e tanto a inclusao quanto a exclusao, quando em seus enunciados aborda de maneira mais progressista ou conservadora questoes relevantes para a sociedade, gerando mudancas sociais ou a manutencao do satus quo (Becker, 2005). Neste sentido, a educacao tem a relevante funcao de contribuir para identificar origens de erros e ilusoes possiveis nos processos de percepcao da experiencia social e de aprendizagem, podendo colaborar para "ensinar a compreensao entre as pessoas como condicao e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade" (Morin, 2003), o que corresponde a possibilidade transformadora da hexis educativa, a construcao do conhecimento "sem automatismos, um modo de agir, uma acao que exprime a transformacao, pelo agente, do ter em ser", como propoe Sodre (2009, p. 84). Afinal, segundo o autor, "pela relacao educacional mede-se o grau de resistencia social a logica de indiferenca etica do mercado" (Sodre, 2009, p. 83). E, ao contrario da mecanica repetitiva do treinamento utilitarista, a dimensao criativa da educacao e capaz de superar determinados costumes e funcionar como uma especie de resistencia a midiatizacao.

No entanto, a educacao tem sido reduzida a pratica instrumental do ensino originaria de processos padronizados, em que o aprendizado e uma absorcao de ideologias e modos pre-estabelecidos de pensamento, que nao estimulam a reflexao. Professor e aluno, de modo geral, assumem graus hierarquicos rigidos em relacao ao conhecimento, tornando a sala de aula espaco de um amontoado de problemas e de solucoes instantaneas e automaticas. Desse modo, o processo de aprendizagem constitui-se em um "treinamento ou adestramento" (Sodre, 2009, p. 102), tecendo-se uma pedagogia individualista, regada de ideologia utilitarista de uma formacao exclusivamente direcionada ao mercado de trabalho e a reproducao de valores e ideologias.

Mas, a educacao fomentada pela hexis pode trabalhar o aprendizado por meio do dialogo na contramao da sociedade de consumo que tanto atrai a atencao, sobretudo dos jovens, estimulando a liberdade e a interpretacao, inclusive dos textos da midia. Compete aos educadores, portanto, indagar sobre como os meios de comunicacao apresentam a realidade, oferecendo aos cidadaos possibilidades de refletir sobre sua logica mercantil e suas estrategias de controle social (Gadotti, 2010, p. 2), a ver o nao visivel. Dessa forma, a escola nao deve apenas estimular que os alunos assistam a televisao de maneira critica, mas tambem proporcionar oportunidade para que produzam os seus proprios trabalhos audiovisuais (Gadotti, 2010), uma experiencia de reconhecimento de si mesmos, de legitimacao de suas aspiracoes, e de visibilidade diferenciada de suas comunidades.

Por essas razoes, e importante pensar em uma educacao para a midia capaz de contribuir para a compreensao das mensagens televisuais, desvendando suas caracteristicas enunciativas, seus modos de construir sentidos, ate porque nas sociedades contemporaneas a competencia comunicativa passa por um dominio dos codigos audiovisuais: "O ideal e que os telespectadores-usuarios sejam capazes nao apenas de compreende-los, mas tambem de se expressar mediante eles para nao serem condenados a ser simples receptores passivos e acriticos" (Becker, 2010, p. 112). A educacao para leitura da midia, portanto, implica em um dominio relativo da linguagem audiovisual e da tecnica televisiva, por meio da conquista de habilidades para a leitura critica dos programas televisivos e para a producao de textos audiovisuais mais inventivos, capazes de gerar novas formas de pensar e agir por meio de outras combinacoes de palavras e imagens e outros modos de insercao dos cidadaos na vida social.

A analise da serie NEPSA, constitui-se aqui, justamente, como um exercicio de ver a TV de um jeito diferente, como um ambiente de aprendizagem, apropriando-se dos conteudos e formatos de diferentes generos, neste caso da ficcao seriada, estimulando a percepcao do papel dos meios e da televisao na sociedade contemporanea, e uma compreensao mais ampla do mundo.

Um estudo da serie No estranho planeta dos seres audiovisuais

A analise televisual aqui realizada e amparada nas contribuicoes de Joan Ferres (1994), Lorenzo Vilches (1996), Arlindo Machado (2003) e Beatriz Becker (2010) porque trazem abordagens relevantes para analisar os produtos televisivos como obras culturais, possibilitando compreender varias dimensoes da producao e da linguagem audiovisual. Estas referencias sao aqui importantes porque tambem contribuem para uma compreensao mais ampla tanto da forma quanto do conteudo do texto audiovisual, sem privilegiar um ou outro, e dos sentidos construidos sobre o audiovisual e os meios na narrativa da serie. A analise e realizada em tres fases sistematizadas por Ferres (1994) e sao aplicadas no seu desenvolvimento seis categorias sugeridas e sistematizadas por Beatriz Becker (2005; 2010), ja mencionadas. Aqui apresentamos uma sintese dos resultados alcancados.

O fato do Canal Futura nao ser de carater estritamente comercial ou veicular conteudos associados diretamente aos interesses de grandes anunciantes cria possibilidades de realizacao de uma producao inovadora e experimental, e a serie explora essa oportunidade. Assume-se que esta serie televisiva e, sem duvida, inovadora e de qualidade, por apresentar um discurso diferenciado. Sua proposta educativa se baseia na proposicao de perguntas e dialogos. O questionamento sobre a real possibilidade educativa do programa faz parte de sua propria narrativa. Os episodios resultam de uma mistura de generos: os programas de entrevistas, a narrativa jornalistica e a ficcao seriada. No audiovisual a imagem e o som se articulam para construcao dos sentidos, mas na NEPSA as imagens estao subordinadas ao texto verbal, o qual qualifica um determinado acontecimento na serie, como as reportagens televisivas. Observa-se, desse modo, como os relatos jornalisticos tambem constituem as caracteristicas narrativas desta serie.

Esta serie explora a relacao do homem contemporaneo com o audiovisual, propondo um questionamento sobre as relacoes entre realidade, ficcao e verdade. Promove um debate sobre a possibilidade de uma representacao verossimil do real pelo texto audiovisual. Sugere que por causa do uso das imagens o texto televisivo parece mostrar a "verdade" de maneira mais impactante do que a de outras formas de expressao, como a escrita, mas, provoca uma reflexao sobre a veracidade do discurso midiatico, da propria serie, e ate das enunciacoes dos especialistas. E indica ainda que a "verdade" do texto audiovisual tambem resulta de quem o ve, o ouve e o interpreta.

Ao inves de dar respostas sobre as questoes apresentadas, ou dizer como realizar este ou aquele produto audiovisual, a serie propoe perguntas sem solucao imediata, buscando provocar inquietacoes e indagacoes ao telespectador, o qual tem possibilidade de compreender como os sentidos sao construidos por meio de combinacoes de imagens e palavras e de outros codigos televisuais. Dois efeitos sonoros muito utilizados na serie sao os assovios e os clicks, que marcam a passagem de uma cena a outra, de uma entrevista a outra, de um dialogo de personagens ficcionais para a apresentadora ou para a narracao em off, oferecem um sentido conclusivo a cena, e, ao mesmo tempo, produzem um efeito de pausa que e semelhante na escrita, a um ponto ou a uma virgula.

Todo roteiro e baseado em entrevistas com especialistas, intercaladas por breves dialogos com personagens ficcionais, que constituem pequenos esquetes, e pela voz em off de um dos diretores da serie, Teo Poppovik, que proporciona explicacoes sobre os temas apresentado, narra os episodios em uma linguagem acessivel e informal, e atua como uma "mediadora" entre as diferentes vozes do texto. A Apresentadora Maria Laura representa a personagem Ana, a qual contribui para "costurar" os programas. Mas sao as entrevistas previamente gravadas com pesquisadores e produtores que estruturam o roteiro dos programas, ainda que eles nem sempre aparecam na tela. Cada entrevista funciona como uma especie de aula-depoimento. O debate entre os entrevistados e realizado por meio da edicao porque eles nao se encontram frente a frente. A captacao da imagem dos entrevistados e realizada de varios angulos, os quais se alternam em muitos momentos, explorando seus gestos e olhares, conferindo dinamismo a narrativa.

Esse recurso permite ao telespectador acompanhar os debates por diferentes perspectivas provocadas pelos enquadramentos e provoca uma inquietacao em relacao ao texto audiovisual, uma vez que nao permite a audiencia acomodar sua atencao ou acompanhar apenas fragmentos do texto, uma forma de interacao diferente daquela que normalmente e estabelecida na edicao em outros programas televisivos. Este jogo de camera na montagem tambem desvenda o lugar de quem captura a imagem, de quem filma, sugerindo que um produto audiovisual expressa uma visao singular sobre algo, nao e um elemento neutro que expoe a realidade de forma imparcial, desmistificando o processo de gravacao e edicao. A partir dos depoimentos dos especialistas os episodios fazem referencias tambem a autores classicos da filosofia, do cinema e de outros campos do saber, o que demonstra uma abordagem interdisciplinar do audiovisual, sugerindo possibilidades de dialogos entre o conhecimento formal, academico ou escolar e a televisao.

Desse modo, o programa nao oferece uma percepcao reduzida sobre a midia e a televisao, ao contrario, apresenta a complexidade da narrativa audiovisual e de suas significacoes, as quais demandam investigacoes mais profundas para a sua compreensao, capazes tambem de gerar conhecimento, ainda que a serie nao ofereca uma representacao de atores sociais diversa. Na maioria dos programas nao sao ouvidos cidadaos de menor renome, a nao ser no episodio especifico sobre filmes marginais na industria audiovisual, e apesar da constante busca de uma aproximacao do telespectador sua propria voz nao aparece na NEPSA. O unico momento em que os telespectadores possuem uma representacao na serie e no Episodio-piloto, ainda assim de modo comico por tres personagens ficcionais, individuos sedentarios, desleixados e bastante limitados, que dialogam com a apresentadora em alguns momentos. No entanto, este recurso narrativo nao deixa de expressar uma critica a uma postura alienada da audiencia diante da teve, possibilitando ao telespectador observar-se por meio de uma imagem estereotipada de si mesmo, de um sujeito que ve a televisao de maneira pouco reflexiva. Ha uma clara intencao na serie de construir uma relacao dialogica com o telespectador, o que reafirma a forca das enunciacoes verbais no texto televisivo trabalhadas na serie com humor e em um tom sarcastico. Assim, o telespectador e motivado a repensar os meios e a televisao.

Outra caracteristica importante do programa e o fato de ser uma ficcao seriada, concebida em forma de episodios, estes divididos em blocos, que seguem uma mesma estetica em todos os programas caracterizada por um estilo cenico proximo ao ambiente de um laboratorio, e com imagens semelhantes a um video experimental, o que atrai a atencao do telespectador. No cenario principal de onde fala a apresentadorapersonagem do programa, a Ana, ha diversos equipamentos de transmissao de som e imagem instalados em um ambiente caotico e futurista.

O cenario apresenta uma disposicao assimetrica dos objetos em cena, como os televisores ligados ali instalados que reproduzem imagens de varios angulos do proprio cenario e da apresentadora como espelhos. Muitos desses objetos existem fisicamente no estudio, mas outros sao apenas imagens projetadas. Essa proposta sugere que muitos fatos reais, ao nao serem representados pela midia, simplesmente nao existem ou sao considerados falsos, ou que muitos fatos irreais que sao representados pela midia podem ser considerados verdadeiros, pois na sociedade contemporanea a midia detem o privilegio da enunciacao da "verdade", estabelecida na relacao entre enunciadores e a realidade, a qual nao quase nunca e marcada pela neutralidade.

A edicao da serie tem um ritmo frenetico, com cortes e sequencias de imagens em alta velocidade, que fazem alusao a luz e a eletricidade. Na NEPSA o tempo e construido de modo acelerado, combinando diversos elementos do texto audiovisual dispostos em uma bricolagem que envolve fotografias, reportagens, filmes antigos, esquetes e entrevistas. A compreensao da serie exige uma expressiva atencao do telespectador. Porem, a edicao nao sugere que a narrativa seja desconexa e tampouco propoe uma espetacularizacao do audiovisual. Trechos de imagens e sons sao editados como um convite a reflexao do telespectador sobre o tema e as questoes abordadas.

A propria edicao oferece ao telespectador a oportunidade de compreender como esta serie e outros produtos audiovisuais sao construidos.

A abertura geral do programa e o episodio piloto sintetizam esse modo de narrar e discutir o audiovisual. A abertura da serie No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais segue em sintese uma estetica trash com efeitos bem simples, figurinos improvisados, uma gravacao e montagem que trazem referencia a captacao de imagem experimental e ao vivo, e a filmes de acao. O Episodio-piloto constitui-se como uma referencia estetica e de conteudo do NEPSA, no qual e possivel identificar caracteristicas do cenario, da narrativa, do tipo de montagem e da tematica.

Dessa forma, e possivel concluir que o audiovisual pode ser uma linguagem pela qual se produz conhecimento sobre algo, ou sobre os meios e a propria televisao. Entretanto, e importante ressaltar suas limitacoes como instrumento de construcao de conhecimentos. Uma dessas limitacoes levantada pela propria serie e o fato de que o audiovisual nao e uma representacao objetiva da realidade, e que a verdade sobre uma dada realidade e elaborada por meio de uma especie de pacto estabelecido entre quem o produz e quem o assiste. A proposta educativa desta serie corresponde a uma tentativa de promover questionamentos sobre a producao audiovisual, nao no sentido de um fazer estritamente tecnico, mas propondo uma compreensao do audiovisual como forma de pensamento e linguagem. Assim, a NEPSA produz um estranhamento frente a caracteristicas aparentemente naturalizadas do texto audiovisual.

Os resultados alcancados na analise da serie afirmam a hipotese de que por meio da leitura critica do texto audiovisual o telespectador tem possibilidade de ampliar sua compreensao sobre o processo de midiatizacao, reconhecer as midias como instituicoes produtoras de sentidos sobre a realidade social, e construir suas proprias percepcoes sobre os meios e a televisao. A narrativa do NEPSA indica ainda para o telespectador que muitas respostas possiveis para compreensao do audiovisual podem estar fora do universo midiatico, sendo necessario revisitar a opiniao de professores e pesquisadores para se chegar a algum conhecimento sobre o tema, o que significa que os espacos da universidade e da escola, ainda se constituem como lugares privilegiados para se discutir a verdade das coisas e para se testar a veracidade dos discursos sobre as experiencias sociais e culturais. Esperamos que este trabalho possa ter contribuido para sinalizar a relevancia de uma educacao para as midias. Sem duvida, nao foi possivel abordar todas as questoes e ficam aqui algumas lacunas, porem, essas se oferecem como novas possibilidades de investigacao a serem exploradas.

Beatriz Becker

Professora no Programa de Pos-Graduacao em Comunicacao e Cultura da UFRJ/RJ/BR. <[email protected]>

Carlos Douglas Martins Pinheiro Filho

Mestre em Comunicacao e Cultura pela UFRJ/RJ/BR. <[email protected]>

REFERENCIAS

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NOTAS

(1) Este trabalho e inedito e pretende-se ainda apresenta-lo, se possivel, no Encontro Internacional Socine 2011, a ser realizado na ECO-UFRJ, em setembro deste mesmo ano.

(2) Registra-se uma queda na audiencia da televisao e a Internet permanece a midia que mais cresce, apresentando em janeiro e fevereiro de 2010 um crescimento de 33,9% em relacao ao mesmo periodo de 2009 <http://iabbrasil.ning.com/>. Porem, o investimento publicitario no primeiro bimestre de 2010 cresceu 25% em relacao ao mesmo periodo do ano anterior, e deste montante o investimento publicitario na teve aberta corresponde a 63,19%, o que significa mais de 12 bilhoes de reais. Disponivel em: <http://www. projetointermeios.com.br/relatorios/rel_investimento_1_0.pdf>.

(3) A serie esta disponivel para download no sitio Futuratec. Disponivel em: <http://www.futuratec.org.br/>.

(4) O Canal Futura foi criado em 1997, pela Fundacao Roberto Marinho. Vai ao ar via cabo pelo sistema NET/ Multicanal, e via antena parabolica convencional para todo o Brasil. Tambem e oferecido de forma gratuita as escolas e entidades publicas ou comunitarias que tem os equipamentos necessarios para sua recepcao mediante solicitacao. O governo brasileiro concedeu o titulo de geradora educativa ao Futura, o que permite ao canal expandir suas transmissoes em sinal aberto sem depender de concessoes.

(5) Os temas dos programas sao: 1) Programa Piloto; 2) Verdade; 3) Realidade; 4) Ficcao; 5) Artificiais; 6) Experimentais; 7) Subterraneos; 8) Instantaneos; 9) Populares; 10) Violentos; 11) Pornograficos; 12) Montagem; 13) Sonoros; 14) Reciclados; 15) Interativos; 16) Conclusao--O Futuro do Audiovisual.

(6) Para o autor (idem, p. 25-26) fazer distincao entre as obras televisuais, pressupoe uma definicao de qualidade, a qual pode estar simplesmente na diversidade, abrindo oportunidades para o mais amplo leque de experiencias diferenciadas (idem). Contrapoe ao conceito de "fluxo televisual" de Raymond Williams (1979), a ideia de programa, qualquer serie sintagmatica considerada singular, constituida como uma peca unica ou uma serie (idem, p. 27). Afirma que embora esta nocao, assim como a de genero, tem sido questionada porque a televisao tende a uma fragmentacao e heterogeneidade crescentes, em decorrencia do efeito zapping, sao por meio de nucleos de significacao coerentes, e de tendencias de uso da linguagem expressivas, estaveis, e organizadas (idem, p. 29), que a teve e produzida e apreendida.
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