Media and childhood obesity: a discussion about the weight of the advertisements/ Midia e obesidade infantil: uma discussao sobre o peso das propagandas.
dos Santos, Andreia Mendes ; Scherer, Patricia Teresinha
Historicamente, o Brasil e um pais que luta contra a fome, porem o
Relatorio de 2008/2009 da Pesquisa de Orcamento Familiar (POF)
apresentou que, do total dos 95 milhoes de adultos que participaram do
estudo, 38,8 milhoes (aproximadamente 41%) exibiam excesso de peso e
outros 10,5 milhoes foram considerados obesos. Assim, alem da luta
contra a fome e em consonancia a convergencia mundial, o Brasil vem
ampliando sua batalha tambem contra a ma alimentacao e a obesidade.
Estudos na area da medicina e da nutricao (principalmente) tem
observado que, em 95% dos casos de obesidade, a principal causa do ganho
de peso e o excesso de ingestao calorica, em detrimento do gasto
energetico. Nos demais 5% dos casos, a obesidade e desencadeada por
alteracoes metabolicas e hormonais (Santos, 2007). Assim, relaciona-se a
questao da obesidade a do consumo, consumo inadequado e excessivo.
E consenso que a obesidade vem aumentando de forma significativa,
atingindo o patamar de epidemia global. Considerada doenca, a obesidade
reflete na saude, na forma de agravos a outras doencas graves como
diabetes, acidentes vasculares cerebrais, cancer, infartos, entre
outros, e determina varias complicacoes na infancia e na idade adulta.
Na infancia, o manejo pode ser ainda mais dificil, pois, para alem das
dificuldades para a perda de peso, ainda relaciona-se as mudancas de
habitos, a disponibilidade dos pais e a falta de entendimento da propria
crianca, quanto aos severos danos da obesidade.
Por outro lado, a sociedade pos-moderna traz, em si, grandes
vantagens, tais como, facilitar o transporte, o armazenamento e o
preparo de refeicoes. Tal crescimento, no entanto, traz em seu bojo
algumas influencias negativas que vem piorando o padrao de consumo da
populacao, no que se refere a qualidade da alimentacao, e sendo um dos
fatores que fortemente vem engordando os indices da epidemia da
obesidade. A alimentacao inadequada esta vinculada ao estimulo de
alimentos em quantidade excessiva e qualidade inadequada, com excesso de
acucares, sodio e gorduras, e, deficiencia de fibras e micronutrientes.
Ao se promover a discussao sobre as escolhas
alimentares--principalmente na infancia--pretende-se contribuir sobre a
importancia da orientacao a populacao quanto ao consumo adequado de
alimentos. Especialmente, chamar a atencao aos mecanismos da sociedade
de consumo para a divulgacao de seus produtos, urgindo a necessidade de
procedermos a uma leitura mais critica das propagandas, embalagens e
rotulos de alimentos.
Assim, este artigo pretende contribuir para a analise do problema
da qualidade alimentar da populacao brasileira, partindo da premissa de
que as propagandas influenciam nas escolhas alimentares. Contudo, cabe
de antemao anunciar: nao se trata da eleicao de um "vilao".
Com apoio na pesquisa, O peso que nao e medido pela balanca: as
repercussoes da obesidade no cotidiano dos sujeitos (1), e,
especialmente, no estudo, Sociedade de consumo: crianca e propaganda,
uma relacao que da peso (2), tem-se a intencao de fomentar a discussao
sobre a influencia das escolhas alimentares, a partir dos estimulos da
midia. O estudo, Sociedade de consumo: crianca e propaganda, uma relacao
que da peso, foi realizado como tese de doutorado em Servico Social na
PUCRS e publicado como livro pela EDIPUCRS. A pesquisa, realizada na
cidade de Porto Alegre/RS, caracterizou-se como um estudo epidemiologico
e contou com a colaboracao de 345 familias, fornecendo informacoes
referentes a 424 criancas, com idade inferior a 12 anos. Entende-se que
as informacoes colhidas naquele momento ainda fazem jus a enfase, visto
que noticias alertam sobre a gravidade e o aumento da prevalencia da
obesidade infantil. Cabe salientar que a pesquisa citada atendeu a
Resolucao no 96/1996, do Conselho Nacional de Saude, sendo submetida e
aprovada pelo Comite de Etica institucional, sob o protocolo n[degrees]
1153/05-CEP.
Conhecendo alguns achados da pesquisa
Ao entrevistar os responsaveis pelas criancas, em Porto Alegre,
percebeu-se que o aparelho de televisao e uma exigencia nos padroes das
familias, pois se identificou que menos de 1% das criancas nunca
assistem televisao. Cerca de 72% dos entrevistados consideraram que a
televisao e uma eficiente "baba eletronica", sendo, em mais de
50% das vezes, a "companhia" das criancas por periodos
superiores a tres horas por dia. Sendo assim, ha que se considerar que a
midia (principalmente a televisiva) tem participacao ativa junto a
populacao jovem, pois as criancas assistem mais do que programas de
televisao (3).
Segundo dados do IBOPE de 2011 (Santos e Scherer, 2012), as
criancas e jovens brasileiros assistem uma media de tres horas e meia
por dia de televisao e ficam expostos a cerca de 40 mil propagandas por
ano. No conteudo, cerca de 30% dos anuncios sao de produtos
alimenticios. As propagandas tem o objetivo de convencer o telespectador
sobre a necessidade e a vantagem de adquirir determinado produto. Assim,
vendem carros, beleza, saude, brinquedos, comidas, viagens, entre uma
infinidade de mercadorias. Entre as criancas existem dois tipos de
propagandas favoritas: brinquedos e alimentos (Santos, 2007). Apesar da
preferencia, Linn (2006) observa que o consumo infantil direto fatura
cerca de US$15 bilhoes por ano e, se observado o poder de persuasao das
criancas nas compras dos adultos, o valor da fatura aproxima-se de
US$600 bilhoes. Ou seja, as criancas se constituem como potenciais
consumidores (McNeal, 2000).
Segundo as familias entrevistadas, as propagandas favoritas das
criancas sao as relacionadas a alimentacao (Santos, 2007),
principalmente porque associam figuras de personagens infantis
(super-herois, princesas, entre outras), aventura e forca. No imaginario
das criancas, ao consumirem esses alimentos, ficarao como as proprias
figuras (Santos, 2007). Outro motivo, para a preferencia pelas
propagandas de alimentos, esta na elevada possibilidade no sucesso da
solicitacao, pois, no caso dos brinquedos, muitos deles sao direcionados
a datas especiais, como dia das criancas e natal. Nessas datas, as
vendas desses produtos sao impulsionadas, e, no caso dos produtos
alimenticios, estes se constituem em uma necessidade basica para os
seres humanos, e, assim, a decisao pela aquisicao e apoiada pelos pais.
Como exemplo, apresenta-se o depoimento de uma mae, ouvida durante a
pesquisa:
Meu filho me pede uma bicicleta e eu digo, no Natal; me pede um
celular e eu digo, se tu passar de ano (na escola); agora, se ele me
pede uma bolachinha, que custa dois reais e eu nao vou dar ... E uma
bolacha boa, ta escrito sem gordura trans. Puxa, alem de tudo e
saudavel, eu acho que eu devo dar."
(Santos, 2007)
Assim, diferem-se as necessidades de compras dos pais e dos filhos.
Os primeiros pensam em atender uma questao de saude. Para reforcar tal
premissa, observa-se, nas prateleiras de supermercado, o crescimento de
produtos "ricos em ferro", "que favorecem o
crescimento", e, por ultimo, a moda do "livre em gordura
trans". Assim, as estrategias utilizadas capturam, nos mais jovens,
a imaginacao, e, nos pais, a intencao de saude.
Para Santos (2004), o marketing voltado as criancas utiliza a
seducao como estrategia para o consumo de novos produtos, que, muitas
vezes, nao estao nem de acordo com a cultura da regiao. Porem, o poder
de persuasao da propaganda alicia a crianca em possui-los e acaba por
produzir uma nova dificuldade: para Sandra Jovchelovitch, da London
School Economics, o excesso de ofertas, vem agravando a caracteristica
da descartabilidade dos produtos, logo apos adquiridos, pois, ja esta em
voga o desejo por outra aquisicao. Isto demonstra um ato compulsivo, que
tem reflexos na estrutura da personalidade dos pequenos. Ora, se os
brinquedos sao importantes formas de apego, sendo elementos especiais de
exercicio de vinculo afetivo (apego), a natural descartabilidade, com
que estes objetos sao tratados, podera influenciar na vulnerabilidade
dos lacos afetivos, impedindo o desenvolvimento de relacoes mais
aprofundadas. Assim, as relacoes interpessoais podem caracterizar-se, no
futuro, pela superficialidade, consumismo e descartabilidade, de acordo
com suas necessidades (Jovchelovitch, 2005).
Assim, a televisao influencia a saude fisica e mental, a educacao,
a criatividade e os valores daqueles que se encontram na frente da tela.
Quando expostas as propagandas, as criancas ficam vulneraveis frente a
informacoes que ainda nao sao capazes de julgar de modo adequado. Educar
e um ato coletivo, e, embora a televisao opere significativamente na
educacao das criancas, apresentando programas criativos e didaticos, ela
tambem e responsavel pela propagacao de conteudos negativos, como a
violencia e o incentivo ao consumo (Linn, 2006).
Nao se trata de atacar a midia, que tambem presta um grande
trabalho a sociedade, informando os acontecimentos dos setores publicos
e privados. Segundo Biz (2002), a maior problematica situa-se na postura
ingenua e submissa dos telespectadores, alem da relacao de dependencia
do circulo da globalizacao, que colocou a televisao como ponto central
da vida das pessoas, afetando as relacoes familiares, sociais e os
circulos interpessoais em geral. Muitas vezes, o consumo esta ligado a
emocoes e nao propriamente a uma necessidade. O consumo, quando
associado ao prazer, deixa um vazio sentimental, uma sensacao de
insatisfacao. Os apelos da midia, muito bem desenvolvidos em termos
tecnicos, para determinadas marcas e produtos contribuem para isto
(Santos e Grossi, 2005).
Linn (2006, p. 29) destaca que a midia tem o poder de influenciar,
inclusive, valores essenciais, como escolhas de vida, definicao de
felicidade e de como medir o seu proprio valor. Quando consegue atingir
o valor da felicidade se formam novas relacoes, bastante positivas para
o comercio. O autor esquematizou as quatro estrategias do marketing,
direcionado para criancas, que mais funcionam, na sociedade ocidental:
1. O condicionamento, que se refere ao ato da imitacao e repeticao;
2. A amolacao, quando, de tanto pedir e insistir se instala um estresse
familiar, do qual a midia tira proveito; 3. A diversao, uma vez que a
comida foi transformada em brincadeira, chamada pela autora de
'comertimento'; 4. Agora voltado aos pais, atender as
necessidades destes, de oferecerem aos filhos qualidade e bem-estar,
atraves de alimentos 'ricos', como ja referidos
anteriormente."
(Linn, 2006, p. 56)
Cabe destacar que, frente a exposicao televisiva, o comportamento
de cada crianca vai depender de inumeras variaveis como: experiencias
anteriores, ambiente cultural e familiar, frequencia da exposicao e
caracteristicas do expectador infanto-juvenil (Groebel, 2000). Estas
condicoes irao determinar a maneira como cada crianca ira interpretar a
imagem e o comportamento seguinte. Observou-se que nao se trata apenas
da influencia do marketing no padrao de consumo na infancia. Trata-se de
habitos alimentares de uma familia inteira, pois as figuras materna e
paterna sao referenciais a serem seguidos e imitados, especialmente na
infancia. Se a familia nao come corretamente, e dificil querer que a
crianca coma. Durante a pesquisa, ouviuse de muitas familias que a
melhor estrategia para evitar a solicitacao de alimentos escolhidos, a
partir da influencia da midia, e nao levar as criancas no supermercado,
o que nao possibilita a reflexao e a critica mudanca de habitos e
educacao.
O publico infanto-juvenil associa o consumo com divertimento e
comer virou brincadeira. Alguns instrumentos foram identificados para
capturar essa faixa etaria especificamente: o mais recente recai sobre a
compra de um produto que fornece um codigo de barras que possibilita o
acesso a jogos online interativos, em sites especificos. Outras
ferramentas, para disseminar as vendas, sao as embalagens, suas cores e
seus estimulos. A funcao da embalagem e a de garantir a conservacao e
facilitar o transporte e o manuseio dos alimentos. Tradicionalmente, as
embalagens para alimentos tem sido planejadas para proteger o produto,
funcionando, assim, como uma barreira inerte entre o alimento e o
ambiente. Por outro lado, para os consumidores, e a parte visivel do
alimento que traduz a identidade do produto e do fabricante, e isso,
muitas vezes, e o que define as reacoes de vinculacao, de aceitacao ou
de rechaco daquele produto. Em muitos casos, e o unico meio de
comunicacao entre o produtor e o consumidor do alimento e, por essa
importancia, apresenta-se como o principal elo de comunicacao entre o
consumidor, o produto e a marca, de modo que, atraves dela, este
identifica, escolhe e usa ou nao o produto (Azeredo, 2000; Silveira,
2001).
Para a area do marketing, as embalagens sao como "vendedores
mudos", pois, contem, em seu design, mensagens visuais diretas,
transmitindo significados e imagens que despertam, no consumidor, a
predisposicao para aceitacao, compra e utilizacao do produto. Assim, a
percepcao das informacoes, dependera de fatores cognitivos e
motivacionais do consumidor, dos tipos de codigos utilizados e da forma
como sao apresentadas na embalagem.
Observa-se que, nas ultimas decadas, as empresas alimenticias
passaram a investir fortemente no design das embalagens de seus
produtos, agregando valor a eles ao adequa-los de forma eficiente as
necessidades e expectativas do consumidor, dando enfoque especial a
praticidade, a conveniencia, ao conforto e a protecao ao produto. O
design das embalagens e o "cartao de visita" de muitos
produtos; e o seu proprio nome ou sua marca, especialmente quando ambos
ja estao difundidos no mercado de consumo. Logo, uma boa legibilidade
garantira ao consumidor uma rapida e facil visualizacao do alimento
desejado na prateleira e, neste sentido, a coloracao da embalagem e um
atributo de elevada importancia. Em geral, as cores quentes, como o
vermelho e o amarelo, sao aplicadas preferencialmente em embalagens de
alimentos, bebidas e redes de fast-food, uma vez que estimulam o sistema
nervoso central, abrem o apetite, instigam uma sensacao de bem-estar e
alegria, destacam-se visualmente e sao as mais rapidamente
identificadas. Em contrapartida, cores frias, como azul, prata e tons
pasteis, sao frequentemente usadas em alimentos light, ja que provocam a
sensacao de leveza, equilibrio, frescor e a diminuicao do apetite. Ja
outras cores, como o verde, sao pouco empregadas em guloseimas como
biscoitos, porque lembram bolor, dando falsa impressao de que o alimento
esta estragado (Vay, 2003).
Os estimulos, ja comentados neste texto, ao utilizarem personagens
ou figuras da moda, geram motivacao ao consumo do produto. Prova disto e
que a maior parte dos produtos, destinados as criancas, estampa
personagens da industria do entretenimento, sejam produtos de higiene,
como pastas de dentes ou xampus, sejam pecas do vestuario, seja o
material escolar, sejam estampas de alimentos (ou mesmo um desenho de um
personagem infantil impresso em um biscoito), entre outros (Gomes, 2001,
p. 193). Em concordancia, identificou-se, na pesquisa de Porto Alegre,
que a faixa com maior incidencia de solicitacoes, ou seja, com maior
influencia das propagandas, e a que compreende criancas entre tres e
seis anos. Segundo Mc Neal (2000), nesta idade as criancas encontram-se
no estagio de selecao, onde todas as suas solicitacoes estao voltadas,
ainda de forma egocentrica, para a satisfacao plena de seus desejos.
Esta seria uma das razoes para que os super-herois facam tanto sucesso
como estimuladores de vendas, como ja referido anteriormente. Segundo
uma mae, ouvida na pesquisa, a associacao do produto com a imagem de
super-herois, contribui muito para a preferencia da garotada: "Eles
acham que, se comerem aquele bolinho, vao se tornar iguais ao
personagem, eles acham que aquele bolinho foi feito pelo super-heroi e,
porque ele come aquilo, ele e tao poderoso... Entao, eles querem
comer" (Santos, 2007).
Baudrillard (2005), Bauman (2004), Debord (1997), entre outros,
preconizam, em relacao a intensidade do estimulo provocado pelas
propagandas: quanto maior a exposicao, maiores as chances de aquela
imagem adquirir o significado de imprescindivel. Uma mae entrevistada
declarou, sobre os pedidos do filho e sobre a fidelidade dele com os
produtos oferecidos: "Agora, a ultima foi o bolinho [...] pra
merenda, que e claro que eu nao comprei, mas era so o que ele queria e a
televisao nao parou de oferecer o tal de bolinho [...], que deve ser uma
droga!" (Santos, 2007).
Uma questao importante: identificou-se que os maiores
"viloes", dentro do supermercado, sao os salgadinhos, os
refrigerantes, os iogurtes, as balas, os bombons, e, tambem, as
degustacoes. Uma mae resumiu o que significa para sua filha o
supermercado: "Ah! E uma festa!H"(Santos, 2007). Outro aspecto
revelado e um forte aliado no momento de convencer as criancas para a
escolha: os brindes. "Ela quer o brinde. A principal razao e o
brinde. Ai a gente pensa assim: a gente agrada ela e ela tambem fica
alimentada" (Santos, 2007).
Atraves das propagandas, os produtos ganham significado para as
criancas e elas passam a "necessitar" desse determinado
objeto. Apesar do paladar e das preferencias alimentares, esses nao se
configuram como quesito basico para o consumo, as criancas escolhem
consumir determinado produto e esse consumo vem produzindo nas criancas
o sentimento de pertencimento a um determinado grupo, no caso das
criancas consumidoras. Observa-se que esse fenomeno nao e novo. Entre os
adolescentes, o uso de determinadas marcas de roupas e acessorios, entre
outros, sempre figuraram como representantes do pertencimento ao grupo,
apenas aumentou-se o espectro do consumo, para a questao da alimentacao.
O mercado e farto em opcoes e os pais sentem-se impotentes para
gerenciar novas demandas: "Ah, eu nao levo ele no mercado junto.
Nao precisa, eu sei o que ele gosta, dai eu compro tudo, quando chego em
casa, e uma festa" (Santos, 2007). Esta mae, pela sua declaracao,
prefere ela mesma comprar os produtos que a crianca tem preferencia, nao
apresentando nenhum tipo de resistencia ao consumo do filho. Para esta
mae, o fato de o filho nao participar das compras ja e um ganho, visto
que, "pelo menos ele nao pede nada novo" (Santos, 2007). A
estrategia utilizada pelas familias, em relacao as compras no
supermercado, nao foi nada unanime. Para a tia, o melhor e fugir:
"Ah, a gente foge dele, a gente vai fugindo e quando ele descobre,
fica chorando"(Santos, 2007). Por sua vez, fazer lista de compras,
mandar mensagens para o celular e e-mails para o trabalho, sao as
estrategias das criancas para que as familias nao esquecam seus desejos.
Desejos ... Os produtos passaram a significar mais que um alimento
para as criancas e suas familias. Eles possuem afeto, projetam sonhos,
sao compensacoes, e, por isso, sao indispensaveis, tanto para os
pequenos, quanto para os adultos. Os brinquedos estao virando comida. Os
brinquedos tinham a funcao ludica de satisfazer estas lacunas e permitir
que as criancas vivenciassem o mundo da fantasia. As artimanhas do
consumo estao aprimorando essa experiencia. Uma mae explica:
Eu to muito preocupada, sabe por que? Porque eu estou vendo
propaganda de brinquedos que sao a fabrica de sorvete, de bolacha,
pirulito, milkshake, de suco ... Sabe no que isto vai dar? Ela vai
querer ... Quer coisa melhor: ela brinca e depois come a brincadeira
(risos)."
(Santos, 2007)
Por fim, as familias das criancas, que estao com diagnostico de
obesidade, percebem que as propagandas chamam mais a atencao das
criancas do que a propria programacao televisiva:
A televisao fica sempre ligada, desde que ela acorda. A primeira
coisa e ligar a televisao. Mas ela nao fica ali, sentada o dia todo, ela
brinca com bonecas, de fazer comidinha, ela adora desenhar. As vezes ela
nem liga para o que ta dando... mas quando aparece alguma propaganda que
ela gosta... Ah! Ela fica ali, hipnotizada, parece que o mundo parou.
Ela sabe tudo, a musica, os personagens, ate o que eles vao falar."
(Santos, 2007)
A fala desta mae, ouvida durante a referida pesquisa, resume muito
do que foi dito, ao longo deste artigo e define bem o papel das
propagandas para com as criancas.
Consideracoes finais
O Brasil foi o primeiro pais da America Latina a promover e
proteger os direitos da crianca e do adolescente. Em 1989, teve inicio
um importante processo, com a assinatura da Convencao Internacional dos
Direitos da Crianca, que acabou culminando na Lei no 8.069, que criou o
Estatuto da Crianca e do Adolescente (ECA), na tentativa de garantir os
direitos da crianca, em todas as etapas de seu desenvolvimento, passando
a crianca a ser vista como sujeito de direitos e devendo ser respeitada
sua condicao peculiar de sujeito em desenvolvimento. A percepcao em
relacao a crianca e a infancia foram modificadas e, hoje, a crianca
exerce--mais que antigamente--um papel ativo, desde os primeiros anos de
vida, quando ja e capaz de influenciar os cuidados e as relacoes
familiares de que participa. E um processo bilateral, em que a crianca
influencia e e influenciada por aqueles ao seu redor.
Dentro do contexto positivo de reconhecimento e valorizacao da
infancia, a crianca tornou-se importante opiniao na hora das compras
familiares, participando em decisoes maiores (como o carro a comprar, a
casa a morar) e, especialmente, sendo ouvidas, quando a questao e o que
comer. Por outro lado, observou-se que, ao mesmo tempo em que aumentavam
as contribuicoes das criancas nas escolhas alimentares, aumentava o peso
das criancas, configurando uma situacao epidemica de obesidade infantil.
Varios sao os fatores que influenciam na questao da obesidade, mas,
no caso das criancas, as propagandas contribuem ativamente nas escolhas
do que elas preferem comer e, muitas vezes, acabam ditando, inclusive,
do que toda familia vai se alimentar. Durante a infancia e importante
que a alimentacao seja equilibrada, pois ali se formam habitos (entre os
quais os alimentares) que serao perpetuados nas diversas fases de
desenvolvimento. Obviamente, neste processo, tambem estao envolvidos
valores culturais, sociais, afetivos, emocionais e comportamentais.
Assim, as pessoas vao desenvolver diferentes relacoes com a alimentacao.
Pesa, nesta relacao, a percepcao da comida como um ato social, uma
relacao afetiva ou como um ato biologico de nutrir-se, garantindo,
assim, a saude. Nos casos das criancas acima do peso, o que se observa e
que comem tambem para se divertirem. Por outro lado, os familiares cedem
as solicitacoes das criancas na ansia do estabelecimento de uma melhor
relacao. Atender os pequenos pedidos das criancas--como um pacote de
bolacha, um novo produto recem-chegado ao mercado, entre outros--pode
significar afeto, atencao. Entende-se que atender tais solicitacoes
signifique uma forma de compensacao emocional.
Conclui-se que a midia televisiva tem participacao ativa e
majoritaria nas atividades cotidianas infanto-juvenis e, assim, os meios
de comunicacao acabam por desempenhar papel estruturador na construcao e
desconstrucao de habitos e praticas alimentares. Levando-se em
consideracao que pesquisas apontam que os comerciais tem como alvo
principal as criancas, associando a imagem de personagens infantis a
compra de produtos, observa-se a impossibilidade de reconhecer, nessa
estrategia, a preocupacao em atender a especificidade da infancia, ou
seja, a intencao de fornecer aos jovens uma formacao adequada.
Mais uma vez, e bom destacar que nao se trata de responsabilizar ou
transformar em viloes a midia e o marketing. A trajetoria deve ser
outra: deve-se educar a populacao para um consumo saudavel. As
propagandas agradam as emocoes, nao o intelecto, afetando mais
profundamente criancas que adultos. O papel da midia e o de anuncio
responsavel, cumprindo a tarefa da divulgacao de produtos. Porem, com o
compromisso de respeito aos direitos, neste caso, dos jovens
consumidores.
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NOTAS
(1) SCHERER, Patricia Teresinha. O Peso que nao e medido pela
balanca: as repercussoes da Obesidade no cotidiano dos Sujeitos. 2012.
Dissertacao de Mestrado (Programa de Pos-Graduacao em Servico Social)
Pontificia Universidade Catolica do Rio Grande do Sul, 2012.
(2) SANTOS, Andreia Mendes dos. Sociedade do Consumo: crianca e
propaganda, uma relacao que da peso. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.
(3) Acentuada pela globalizacao, a cultura mundial encontra na
televisao um meio de propagacao e divulgacao. Segundo Baudrillard (2005,
1995), novos signos se estabelecem quando novos valores tornam-se
conhecidos por uma sociedade diferente. Para este autor, este
procedimento e acompanhado de uma dificuldade: frente a variedade de
novos conhecimentos, o imaginario pode tomar proporcoes inusitadas, uma
vez que nao se tem, de fato, o conhecimento do real, desta forma e
possivel que se perca o controle da nocao da realidade. A isto
Baudrillard denomina de empoderamento do simbolico.
Recebido em: 06 jul. 2013
Aceito em: 06 mar. 2014
Endereco dos autores:
Andreia Mendes dos Santos <
[email protected]>
Faculdade de Servico Social--Pontificia Universidade Catolica do
Rio Grande do Sul
Av Ipiranga, 6681--Predio 15, Sala 330--Partenon
90619-900 Porto Alegre, RS, Brasil
Patricia Teresinha Scherer <
[email protected]>
Programa de Pos-Graduacao em Servico Social
Faculdade de Servico Social--Pontificia Universidade Catolica do
Rio Grande do Sul
Av. Ipiranga, 6681--Predio 15, Sala 330--Partenon
90619-900 Porto Alegre, RS, Brasil
ANDREIA MENDES DOS SANTOS
Professora Doutora do Programa de Pos-Graduacao em Servico Social
da Pontificia Universidade Catolica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
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PATRICIA TERESINHA SCHERER
Doutoranda do Programa de Pos-Graduacao em Servico Social da
Pontificia Universidade Catolica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
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