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  • 标题:Portugal e Brasil em 1875: duas cronicas esquecidas de Oliveira Martins.
  • 作者:Matos, Sergio Campos
  • 期刊名称:Portuguese Studies
  • 印刷版ISSN:0267-5315
  • 出版年度:2005
  • 期号:January
  • 语种:English
  • 出版社:Modern Humanities Research Association
  • 摘要:As duas cronicas politicas da sua autoria que a seguir se transcrevem, intituladas Portugal e Brasil, foram publicadas originalmente na Revista Ocidental, em 1875. Inserem-se numa sequencia de onze textos, todos com o mesmo titulo, datados de Fevereiro a Julho desse mesmo ano. (1) Ponto intermedio entre os primeiros trabalhos de reflexao social e politica de juventude (finais do decenio de 1860) e Portugal Contemporaneo (1881), estas cronicas tem especial valor como testemunho critico do fontismo e da sua politica de melhoramentos materiais--o grande tema nelas sempre presente e afinal o da modernizacao da sociedade portuguesa. Fornecem ainda elementos do maior interesse para avaliar o percurso intelectual do seu Autor, especialmente no que respeita ao modo como entendia a funcao do Estado na sua relacao com a sociedade civil e os individuos. Antero de Quental, porventura o seu primeiro leitor, considerou-as o que de melhor esta relevante revista, dirigida por si proprio e por Jaime Batalha Reis, deu a luz. (2)

Portugal e Brasil em 1875: duas cronicas esquecidas de Oliveira Martins.


Matos, Sergio Campos


No tempo relativamente curto da sua vida (1845-1894), Oliveira Martins produziu uma vasta e diversificada obra de historiador, economista, antropologo, critico social e politico, sempre atento a realidade social do seu tempo. Embora muito se tenha escrito acerca do seu ideario e percurso intelectual e politico, ha ainda numerosos textos seus esquecidos (nao incluidos nas incorrectamente designadas Obras Completas) e muitos outros por identificar, dispersos pela imprensa periodica portuguesa e brasileira.

As duas cronicas politicas da sua autoria que a seguir se transcrevem, intituladas Portugal e Brasil, foram publicadas originalmente na Revista Ocidental, em 1875. Inserem-se numa sequencia de onze textos, todos com o mesmo titulo, datados de Fevereiro a Julho desse mesmo ano. (1) Ponto intermedio entre os primeiros trabalhos de reflexao social e politica de juventude (finais do decenio de 1860) e Portugal Contemporaneo (1881), estas cronicas tem especial valor como testemunho critico do fontismo e da sua politica de melhoramentos materiais--o grande tema nelas sempre presente e afinal o da modernizacao da sociedade portuguesa. Fornecem ainda elementos do maior interesse para avaliar o percurso intelectual do seu Autor, especialmente no que respeita ao modo como entendia a funcao do Estado na sua relacao com a sociedade civil e os individuos. Antero de Quental, porventura o seu primeiro leitor, considerou-as o que de melhor esta relevante revista, dirigida por si proprio e por Jaime Batalha Reis, deu a luz. (2)

As cronicas sao assinadas por P. de Oliveira (abreviatura que Oliveira Martins retomara muito mais tarde na Revista de Portugal). Admitimos que na origem da escolha deste nome estivesse a admiracao que Martins nutria pelo seu avo materno, Joaquim Pedro Gomes de Oliveira (1762-1833), que desempenhara as funcoes de ministro do Reino (1821) e secretario de Estado do Reino de D.Joao VI, em 1824, e fora amigo do grande reformador liberal Mouzinho da Silveira.

Em 1875 encontrava-se no poder um governo liderado por Fontes Pereira de Melo--o mais duradouro governo da Regeneracao. Havia sido empossado em Setembro de 1871, na sequencia de uma profunda crise economica, social e politica que remontava ao tempo da Janeirinha (1867-68), uma movimentacao social urbana contra o imposto de consumo. Sem maioria nas eleicoes de 1871, Fontes aliou-se ao pequeno Partido Constituinte (grupo de esquerda liberal constituido a volta de Jose Dias Ferreira), e conseguiu ainda o apoio de varios deputados historicos. Quando inicialmente nao havia nenhuma forca politica maioritaria no parlamento, pode assim constituir governo, com figuras prestigiadas como Rodrigues Sampaio (Ministro do Reino) ou Andrade Corvo (Ministro dos Negocios Estrangeiros). Ja nas eleicoes de 1874, os Regeneradores obteriam uma solida maioria (3) e prosseguiram uma politica de desenvolvimento que valorizava os transportes e comunicacoes com base no endividamento externo, mas tambem uma estrategia eminentemente politica de eficacia na governacao em relacao com a opiniao publica. (4) A reforma da Carta Constitucional, entao proposta por Rodrigues Sampaio, de sentido democratizante, previa a adopcao do sufragio universal. Mas foi rejeitada pela maioria. Seria preciso esperar por 1878 para que se aprovasse um significativo alargamento do sufragio (mantendo-se no entanto o caracter censitario) e um codigo administrativo de sentido descentralizador. Oliveira Martins, porventura o mais influente critico da politica fontista e da propria figura de Fontes Pereira de Melo, tenderia contudo a reduzir o programa politico dos regeneradores a esfera da economia, a um utilitarismo sem ideias nem rosto humano, apenas comandado pelos interesses financeiros.

O decenio de 1870 corresponde a um periodo de crescimento economico que se traduziu num aumento significativo do produto per capita, em contraste com os anos de 1865 a 1869 em que a economia portuguesa sofrera as consequencias negativas da Guerra do Paraguai (1865-70) e da crise internacional relacionada com a Guerra Civil americana. Os anos 70 ficariam marcados pela expansao da rede ferroviaria (linha do Minho, ponte sobre o Douro, linha das Beiras) e das actividades bancarias, com o surgimento de numerosos novos bancos--a 'febre bancaria' que, na visao de Oliveira Martins, era uma expressao do utilitarismo e substituia nas consciencias os sentimentos religiosos. Todavia, o crescimento viria a ser temporariamente detido pela crise financeira de 1876, que o Autor estudaria mais tarde (5). Nao encontramos nas cronicas uma previsao da crise de 1876. O seu Autor interrogava-se sobre essa possibilidade, nao a considerando, no entanto provavel.

No panorama internacional europeu, vivia-se no rescaldo da Guerra Franco-Prussiana (1870-71), da curta experiencia da Comuna de Paris e da constituicao de dois grandes estados: o Imperio Alemao e o Reino da Italia. A teoria das grandes nacoes parecia ter sucesso. Os caminhos-deferro sulcavam a Europa, estreitavam as relacoes economicas e facilitavam as relacoes entre os povos--como que unificavam o velho continente, notava Oliveira Martins. Duvidava-se da viabilidade dos pequenos estados e nacoes que, na diplomacia internacional, pareciam nada pesar--como, de resto, pensava o Autor. A III Republica instalara-se em Franca com Thiers e, depois, Mac-Mahon. Em contrapartida, a curta e atribulada I Republica espanhola socobrara num rotundo insucesso (1873-74). Para o outro lado do Atlantico, a corrente migratoria legal engrossava desde 1869. (6) Em Africa, a exploracao europeia prosseguia, preparando-se caminho para a definicao de grandes regioes de ocupacao.

A Revista Ocidental foi idealizada por Jaime Batalha Reis e Antero de Quental, pelo menos desde os inicios de 1872. (7) O lancamento do primeiro numero chegou a estar programado para Setembro de 1874. Mas vicissitudes diversas, entre as quais a doenca de Antero, levariam ao seu sucessivo adiamento, acabando por se concretizar apenas em Fevereiro de 1875. (8)

Sabemos hoje de fonte segura que o prospecto de divulgacao do periodico foi redigido por Batalha Reis (e nao por Antero, como durante tanto tempo se pensou). Nele se referiam os grandes objectivos da nova publicacao que estavam em sintonia com o espirito das Conferencias do Casino, realizadas em Lisboa, em 1871: criar e difundir ideias modernas em dominios como a filosofia, a ciencia e a literatura contemporanea; 'provocar a reuniao dos elementos da nova renascenca intelectual da peninsula e a formacao de uma nova escola Espanhola e Portuguesa'. (9) Quer neste prospecto quer no Regulamento da Revista (tambem da autoria de Jaime Batalha Reis) insistia-se no caracter reflexivo e critico do projecto editorial, rejeitando-se qualquer espirito dogmatico de sistema ou qualquer propaganda ideologica. Admitia-se uma pluralidade de tendencias e opinioes no quadro do espirito aberto e tolerante que, poucos anos antes, ja animara os organizadores das Conferencias do Casino (1871). (10) Do lado portugues, o nucleo duro de colaboradores coincidia alias, em grande parte, com o dos subscritores do 'manifesto' que dera origem aquela iniciativa cultural: Antero, Batalha Reis, Eca de Queiroz, Adolfo Coelho e Manuel de Arriaga.

Desde o inicio, Martins mostrou grande interesse e empenho na realizacao do projecto editorial, sugerindo colaboradores espanhois e portugueses--caso de Herculano, Adolfo Coelho, Antonio Enes, Julio de Vilhena, Rodrigues de Freitas ou Ramalho Ortigao--angariando colaboradores espanhois, prescindindo, se necessario fosse, ante a crise da Revista, do pagamento que lhe era devido e pedindo a opiniao critica de Jaime Batalha Reis acerca dos seus textos. Assim o atesta a abundante correspondencia que enviou a este ultimo. (11) Oliveira Martins acabou assim por desempenhar uma funcao destacada na concretizacao do periodico.

Quais as fontes de informacao a que o autor recorre nas suas cronicas? Em primeiro lugar, a imprensa periodica portuguesa e brasileira. Na correspondencia com Jaime Batalha Reis (fonte da maior relevancia para conhecer a vida e os problemas da Revista Ocidental), multiplicam-se, pelo menos desde Marco de 1875, os pedidos de Oliveira Martins para que Caetano Rovere (empresario-gerente) lhe mandasse jornais brasileiros. Tal nao sucedia--dai que, a partir da primavera de 1875, a materia relativa ao Brasil tendesse a escassear nas cronicas. Mas torna-se evidente que o Diario da Camara dos Deputados e o Diario da Camara dos Pares constituem os principais repositorios que permitem ao cronista acompanhar a actualidade politica parlamentar, os grandes temas e debates politicos.

Em 1875, na Revista Ocidental, Oliveira Martins retomava um genero que ja experimentara no periodico A Republica, em 1870. Neste jornal, em cronicas anonimas, de um ponto de vista que era ainda o de um republicanismo ideal mas militante, Martins procurara caracterizar a Monarquia Constitucional tendo em conta a situacao politica, o deficit financeiro, a fragilidade de D.Luis, as oposicoes e a questao religiosa. (12) Diversos temas e ideias sao retomadas na Revista Ocidental. Ha uma evidente continuidade de problematicas no olhar critico sobre a situacao politica: o fim do 'sistema parlamentar'--porquanto os parlamentos apenas legitimavam ditaduras--, a crise do regime constitucional, a debilidade do poder moderador, a ausencia de diferenciacao entre os partidos. Mas ha diferencas substanciais entre os dois periodicos que devem ser sublinhadas: enquanto A Republica Jornal da Democracia portuguesa se assumia como porta-voz do Partido Republicano (quando este, em rigor, ainda nao existia), a Revista Ocidental, num espirito totalmente diverso, afirmava-se como periodico independente e apartidario. Por outro lado, no que respeita ao diagnostico da situacao politica--ou seja do fontismo--desenvolve-se toda uma caracterizacao muito mais alargada que tem em conta nao apenas o funcionamento do regime no quadro constitucional e os interesses economicos e financeiros em que se enreda, mas a caracterizacao social dos seus actores, as caracteristicas da retorica parlamentar (registe-se a sugestiva tipologia de oradores parlamentares proposta), a mentalidade dominante, os seus tempos de lazer.

Para caracterizar o regime, Oliveira Martins emprega repetidamente as nocoes de ditadura ('mansa') e de cesarismo (tambem ele 'manso' e 'burocratico') instrumentalizando as forcas armadas e aquilo que designa de militarismo. O diagnostico era porventura desfocado (aplicar-se-ia mais acertadamente a Franca de Napoleao III) mesmo se tivermos em conta os sentidos que tinha o conceito de ditadura na cultura politica portuguesa do seculo XIX. (13) Seja como for, o critico associava o cesarismo aos interesses oligarquicos, industriais e bancarios e alertava para as insuficiencias da actividade do parlamento, para o caracter viciado das eleicoes (tematica que viria a desenvolver no ensaio As eleicoes, de 1878) com os eleitos a serem nomeados pelo poder central, e o fosso entre as elites e a massa popular que vivia na indiferenca, alheada da vida publica. Seria exagero nesse periodo de relativa eficacia reformadora da Regeneracao diagnosticar-se o fim do constitucionalismo-parlamentar (cronica escrita a 27-02-1875)? Exagero ou nao, certo e que esta ideia martiniana remontava a 1870--porventura a primeira vez que foi formulada em Portugal. Inegavel, tambem e que Oliveira Martins divisava a cerca de quinze anos de distancia as tendencias que, a prazo, conduziriam a efectiva crise de representatividade e de confianca no regime, precipitada em 1890-92. Poucos anos depois, no Portugal Contemporaneo antevia a instauracao da Republica--considerando-a, contudo, materia de acaso. (14) De critico do cesarismo nos anos 70, Martins viria, ja no decenio de 1880, sobretudo apos o fracasso da Vida Nova, a sustentar a necessidade de recorrer a uma ditadura para introduzir as reformas que considerava necessarias. E na grave crise financeira e politica de 1890-92, ante o desgaste dos partidos tradicionais e da propria monarquia, seria o principal teorico da intervencao do poder real na governacao, como meio de resolver os problemas que afectavam a sociedade portuguesa.

Como vimos, nos cinco anos que vao de 1870 a 1875, profundas transformacoes tinham ocorrido na Europa Ocidental. Cavara-se, tambem em Portugal, a diferenca entre socialistas e republicanos. Para o espirito de Oliveira Martins importava, para alem das formulas, ir ao fundo dos problemas--no caso portugues os problemas financeiros, do modelo de desenvolvimento economico, de mentalidade e da cultura politica. A critica ao utilitarismo e ao individualismo liberal desenvolvera-se nos dois livros que entretanto publicara--Teoria do Socialismo (1872) e, sobretudo, Portugal e o Socialismo (1873). Neles fundamentara a sua concepcao organicista da sociedade que, em seu entender, obedecia a uma razao colectiva que conferia unidade ao todo social, o que (entao) nao o levava a negar a autonomia do individuo. Antes a criticar um conceito materialista de individuo entendido como 'origem e fim da sociedade'. (15) Este ponto de vista monista leva-lo-ia, anos mais tarde, a apresentar um modelo organico de representacao politica, alternativa ao modelo liberal. (16) De 1870 a 1875, anos que correspondem tambem a um intenso estudo e elaboracao intelectual, na estadia na Andalusia e depois no Porto, nota-se pois uma inflexao na perspectiva, nao so no que respeita ao republicanismo, mas tambem ao ultramontanismo. Em 1870, no tempo da ditadura de Saldanha, a solucao para a crise e os problemas com que se confrontava o pais so se encontraria, a seu ver, na Republica. Ou, em alternativa (que considerava indesejavel), na uniao iberica com a monarquia espanhola. (17) Em contrapartida, na primeira cronica da Revista Ocidental (Fevereiro de 1875) comecava logo por equiparar a situacao dos democratas-republicanos com a dos miguelistas: uns e outros, 'por inepcia dos seus homens, nao chegam a formar um partido'. Em termos mais gerais, a apreciacao dos partidos progressistas e dos partidos conservadores tendia para a indiferenciacao. O diagnostico nao anda longe do que, noutros termos, em 1871, Eca de Queiroz tracara n'As Farpas. Neste quadro de consenso alargado acerca do progresso material, de ausencia de ideias e programas bem diferenciados, sobrepunha-se o pragamatismo, a habilidade dos politicos. Mas seria Portugal, a este respeito, caso singular na Europa da epoca, como sugeria P. de Oliveira, logo na abertura das suas cronicas? Estudos recentes parecem desmentilo. 18 Na verdade, as caracteristicas organicas e ate ideologicas dos partidos politicos portugueses nao se afastam significativamente das dos seus congeneres da Europa Ocidental da epoca. Note-se, no entanto, o quase silencio de Oliveira Martins acerca da constituicao do Partido Socialista nos principios desse mesmo ano de 1875--o que podera interpretar-se como ausencia de ilusoes quanto a possibilidade de exito que pudesse ter a iniciativa. Na verdade, este pequeno partido nunca teria significativa influencia na sociedade portuguesa. Registe-se ainda que a apreciacao sobre o Partido Historico, considerando-o 'conservador de facto' sera revista ja nos anos 80, quando o Autor mergulha na accao politica no seio do Partido Progressista.

Oliveira Martins caracteriza os parlamentares portugueses nao apenas do ponto de vista sociologico, assinalando a predominancia dos altos funcionarios mas, como referimos, estabelecendo uma tipologia dos oradores tendo em conta as respectivas retoricas: o orador habil (Palmela, Rodrigo da Fonseca), o orador forte (Casal Ribeiro, que elogia) e o orador eloquente (Jose Estevao, Santos Silva). Para alem dos parlamentares, o cronista destaca diversas figuras-tipo dominantes na vida politica da epoca, processo que alias adoptara largamente no Portugal contemporaneo (1881), na sequencia da Historia de Portugal (1879). Trata-se de identificar personalidades simbolicas que, por excelencia, representam tendencias sociais e politicas (marques de Avila, Barjona de Freitas e Fontes Pereira de Melo). Mas noutros casos, a proposito da morte de figuras publicas destacadas, os respectivos retratos sao bem mais desenvolvidos: e o caso do duque de Loule (o retrato sera recuperado quase ipsis verbis no Portugal contemporaneo) e Antonio Feliciano de Castilho, tipo do literato. Acerca deste ultimo nota a relevancia da retorica e dos dotes literarios para a promocao dos politicos (tao certeiramente caricaturada por Eca de Queiroz ja por esse tempo). Outro aspecto que nao passa despercebido ao analista e a imbricacao entre a politica e a actividade bancaria e mercantil, dentro da logica utilitarista que, a seu ver, dominava a sociedade portuguesa: os banqueiros tendiam a dominar. Na verdade, desde o decenio de 1860 e, sobretudo, desde 1873, vinha-se multiplicando a fundacao de sociedades anonimas bancarias sobretudo concentradas em Lisboa e Porto, nao tanto voltadas para as actividades produtivas industriais como para as actividades de circulacao. (19) Oliveira Martins interrogava-se sobre os factores que poderiam estar na origem da retraccao do mercado bancario em Portugal. A resposta era, em seu entender, a anarquia das actividades de circulacao, a especulacao financeira sem controlo na origem das crises, tanto em Portugal como no Brasil. A solucao era, a seu ver, o fecho dos bancos que nao tinham razao de ser bem como o monopolio da emissao.

Graves, na opiniao do cronista, eram as crises comerciais motivadas por uma perda (as crises motivadas por um desiquilibrio nao afectavam tao profundamente a economia). Naquele caso, a falta de materias-primas e de capitais poderia levar a paralizacao das actividades economicas. Problema que atravessa a reflexao de Oliveira Martins, em 1875, e o das relacoes entre a crise brasileira e a situacao portuguesa. Nesse ano desenvolverase uma crise na Praca do Rio de Janeiro (20) que levou a falencia de tres bancos: o Nacional, Maua & Cia e o Alemao-Brasileiro. Estava bem viva a memoria da crise motivada pela Guerra do Paraguai (1865-70), que produzira imediato efeito no cambio da moeda brasileira e se reflectira negativamente no fluxo de remessas dos emigrantes no Brasil. Em fins de Marco de 1875, admitia que os problemas brasileiros pudessem transtornar as financas publicas em Portugal. Dois meses depois, perante as novas noticias vindas do outro lado do Atlantico e o afastamento do risco de nova guerra, considerava ja que a crise bancaria brasileira nao devia influir negativamente nas remessas de capitais. Quando muito deveria melhorar a taxa de cambio para a Europa. Mas a problematica das crises encerrava para P. de Oliveira uma licao fundamental: a refutacao do livre-cambismo e a necessidade de o Estado intervir como entidade reguladora no dominio da actividade financeira e economica em geral. Por outro lado, num sentido mais amplo, nao so financeiro mas social, Martins alertava (logo na primeira cronica) que as crises podiam ter duas saidas, uma pela revolucao, conduzindo a uma ditadura da plebe, outra pelo cesarismo--um governo comandado pela aristocracia.

Vivia-se entao um clima de euforia e optimismo nos meios politicos e financeiros. E um facto que ao tempo capitais nao faltavam. Como se sabe, Oliveira Martins nao punha em causa que os caminhos-de-ferro e a rede de estradas fossem necessarios para o desenvolvimento economico. Mas era contrario a uma politica nao acutelada de emprestimos que agravasse drasticamente a divida do Estado. Na sua optica, o problema estava na administracao e distribuicao dos capitais, das quais dependiam a riqueza social. Mas, nos parametros da estrategia politica de Fontes Pereira de Melo, os emprestimos eram indispensaveis para prosseguir a expansao da rede ferroviaria. Esta era alias uma das questoes no centro da actualidade publica que entao interessava em particular o cronista, nao estivesse ele directamente ligado ao assunto na sua vida profissional desde 1874 e dentro de uma problematica tecnica que o levava a informarse detalhadamente em obras disponiveis sobre o assunto (21). Tendo em conta os interesses economicos em jogo, Oliveira Martins era adepto da propriedade estatal dos caminhos-de ferro. E ao inves da suposicao entao em voga entre os engenheiros, (22) nao admitia que Lisboa pudesse tornarse, enquanto ponto de chegada de uma linha internacional, o grande porto da Peninsula Iberica nas trocas com a America. Em inicios de 1875, na ordem do dia estava a conclusao da linha do Norte e a aprovacao das bases para a construcao do caminho-de-ferro das Beiras (proposta do Ministro das Obras Publicas, Cardoso Avelino). Para o cronista da Revista Ocidental estes avultados empreendimentos (tais como os servicos da Companhia das Aguas) nao deveriam ser 'enfeudados' a sociedades privadas de natureza estritamente mercantil. O interesse geral deveria sobrepor-se aos interesses particulares.

Outro dominio que muito interessava Oliveira Martins era o dos comportamentos e mentalidades colectivas. Dai o seu interesse sociologico pelos entretenimentos publicos, as corridas de cavalos (o turf) e as touradas, notando que enquanto as primeiras se tornavam mais elitistas, as touradas tendiam a ser mais populares. Ou ainda a arguta observacao acerca da estatuaria urbana que entao proliferava pelas ruas e pracas de Lisboa: 'As estatuas de Lisboa sao para a historia o que os folhetins em discurso sao para a politica' (escrito a 28-06-1875). A historia vinha-o alias motivando desde muito jovem. E nao deixa de estar bem presente nestas cronicas de 1875. Nao e apenas a historia recente do regime constitucional mas, a proposito da constante dependencia de Portugal em relacao as suas colonias, um olhar retrospectivo em que periodiza o percurso historico nacional em grandes epocas: 1) ate a conquista de Ceuta, Portugal e como que uma 'molecula desagregada' que nao constitui ainda um organismo nacional; 2) dai ao esgotamento da India e do Imperio Asiatico, Portugal adquire 'a feicao que o distingue como Nacao'; 3) do sec. XVI em diante e o declinio, em que o imperio brasileiro veio substituir a India (ate a separacao da grande colonia americana); 4) dai a criacao de um novo Brasil em Africa, processo em devir. No essencial, e a divisao em periodos que encontramos, com variantes, em diversas obras posteriores, da Historia da Civilizacao Iberica (1879) a Introducao a Historia de Portugal de Henry Stephens (1893).

Outros temas que motivaram o cronista foram a politica internacional, com particular incidencia nas relacoes entre o Brasil o Paraguai e a Argentina, e o lugar das pequenas nacoes na conjuntura da epoca. Observador atento da realidade europeia, P. de Oliveira notava que a Guerra Franco-Prussiana de 1870-71 dera lugar a uma viragem significativa na ordem do velho continente: de um 'sistema de equilibrio' passara-se para um sistema de 'nacionalidades' (leia-se, em que dominava o nacionalismo etnico). Neste contexto, a seu ver, a funcao das pequenas potencias terseia reduzido a nada. Posicao excessiva que o levava, em critica a um discurso parlamentar do regenerador Julio de Vilhena, e invocando o caso da Dinamarca (esmagada pela Prussia), a menosprezar a funcao de um exercito permanente: o exercito portugues podia reduzir-se a um corpo de policia civil voltado para os problemas internos. Martins reagia assim a outra das prioridades definidas por Fontes Pereira de Melo (tambem ministro da Guerra): uma reestruturacao do exercito que passara pela aquisicao de equipamento, alargamento de quadros de infantaria e cavalaria e instalacao do campo de manobras em Tancos.

A questao religiosa e a critica do ultramontanismo ocupam nas cronicas um lugar destacado (como, de resto, ja sucedera n'A Republica). Aqui Oliveira Martins procedera a critica do regime de confessionalidade do Estado, consagrado na Carta Constitucional (que tambem regia a pratica politica de diversos actos publicos), sustentando uma concepcao de laicidade em politica--ou seja de indiferenca do Estado perante as religioes. Precisamente em nome da consciencia individual, mostrara-se adepto da separacao entre o Estado e a Igreja, como dois mundos separados --o do cidadao e o do crente. Havia que nao confundir a esfera publica da esfera da consciencia intima individual. Em rigor, o ponto de vista do cronista da Revista Ocidental nao coincide com o anterior: secularizacao significa para ele 'independencia da autoridade civil' (conceito restritivo, note-se). E se em 1873, no Portugal e o socialismo, Martins se mostrara inequivocamente apologista da secularizacao do Estado, considerava-a agora tao-so uma negacao, uma 'meia verdade' que nao correspondia a unidade social. Comentando um livro do bispo do Para, acaba por defender um catolicismo humanizado, interiorizado, depurado de ritualismos, que restituisse ao homem o sentido da unidade perdida. (23)

Ao equacionar o problema das relacoes entre o Estado e a Igreja nas suas cronicas, Oliveira Martins tinha em conta dois casos de actualidade: a questao brasileira dos bispos do Para e Olinda e a divergencia do cabido de Braganca com o poder civil. No primeiro caso, tornava-se evidente a incompatibilidade entre o catolicismo conservador e a filosofia do direito em que assentavam os regimes liberais. E, por outro lado, a distancia a que se encontravam a elite politica e as massas.

As relacoes entre Portugal e o Brasil, entre Portugueses e Brasileiros e a imigracao portuguesa neste pais constituem um dos nucleos centrais destas cronicas. Oliveira Martins nunca visitou a America do Sul. Mas foi um atento observador da actualidade politica brasileira, leitor e futuro colaborador de varios orgaos de imprensa periodica deste pais. Se no Portugal e o socialismo o interesse pelo Brasil ja surge episodicamente, e na Revista Ocidental que Martins inicia o comentario da vida politica brasileira. Mas nao de um modo sistematico. Quais entao os grandes temas e problemas da actualidade da grande nacao sul-americana de entao que o motivam? Em primeiro lugar, o contencioso luso-brasileiro motivado pelas restricoes a liberdade de trabalho na provincia do Para --o governo desta provincia tinha suspendido o subsidio a Companhia de Navegacao do Amazonas atendendo ao facto de empregar sobretudo Portugueses. As medidas no sentido da nacionalizacao do comercio a retalho nas provincias do Norte (Pernambuco, Para, Sergipe) merecem uma referencia critica por parte do Autor. Estava em causa o principio da liberdade de trabalho, sustentado, alias, pelo governo central do Rio de Janeiro. A concorrencia dos Portugueses no mercado de trabalho brasileiro suscitava, ha muito, comportamentos lusofobos em sectores da sociedade brasileira. O caso envolvia o modo hostil como, por vezes, eram acolhidos no Brasil os imigrantes Portugueses e, de algum modo, as complexas relacoes Portugal-Brasil. O cronista admitia contudo que aquele tipo de comportamentos eram excepcao no imperio brasileiro, tomado no seu todo. Coincidia assim com a apreciacao do problema tal como fora formulado no discurso da coroa pronunciado no parlamento, a 19 de Janeiro de 1875. (24) Mas considerava necessario um esclarecimento dos emigrantes portugueses relativamente aos riscos e inconvenientes da sua expatriacao para o Brasil.

A questao da emigracao, as suas raizes e consequencias para o Portugal europeu e recorrente na obra do historiador. Oliveira Martins via o fenomeno como um mal necessario e inevitavel. Entendia que nao devia ser combatido directamente, antes moralizado, isto e, fiscalizado e regulado.

A dependencia economica e sobretudo financeira de Portugal em relacao ao Brasil e outra materia que ocupa o cronista. Na Primavera de 1875 especulava-se na imprensa acerca das consequencias nocivas das falencias de diversos bancos brasileiros a que atras nos referimos. Mas Martins relativizava o problema. Na verdade, estava bem consciente de que as perturbacoes politicas no Brasil--essas sim--teriam consequencias em Portugal: ao influirem sobre o cambio da moeda, poderiam afectar gravemente a exportacao de capitais para Portugal, como sucedera quando da guerra com o Paraguai, ou viria a acontecer na sequencia da instauracao da republica no Brasil, em 1890-92. Dai o receio de uma guerra entre o Brasil e a Republica da Argentina (a verificar-se, tal conflito militar poderia afectar seriamente as financas portuguesas). No entender de Martins o risco desse potencial conflito residia nos caracteres e nas instituicoes nas duas nacoes sul-americanas. Mas o genio brasileiro parecia-lhe mais voltado para o trabalho pacifico. E, efectivamente, aquele risco acabaria por dissipar-se.

Interrompida a publicacao da Revista Ocidental no Verao de 1875, Oliveira Martins so voltou a pratica de redactor na imprensa periodica, a partir de 1885, agora mais ligado a accao politica. N'A Provincia (Porto, 1885-87) e depois, ja em Lisboa, n' O Reporter (1888), exprimiu a necessidade de reformar profundamente a vida politica nacional. Fazia-o agora no quadro do Partido Progressista, partido em que, sem sucesso, dinamizou o movimento da chamada Vida Nova. Em 1889, na Revista de Portugal de Eca de Queiroz, regressaria episodicamente ao oficio de comentador da politica internacional, recuperando a antiga assinatura de P. de Oliveira.

Entretanto, fora eleito deputado (sucessivamente, de 1886 a 1894) e, em 1892, nomeado Ministro da Fazenda no ministerio de Jose Dias Ferreira. Entre a accao politica e a redaccao de cronicas de actualidade politica, poder-se-ia tracar estreito nexo que, alias, permanece por estudar.

Materia para uma outra oportunidade.

Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa

Criterios de fixacao do texto Optou-se por actualizar a ortografia, observando-se, contudo, escrupulosamente, criterios que impoem estreita fidelidade ao espirito do Autor. Oferece-se assim ao leitor uma versao mais legivel, de acordo com a norma ortografica da lingua portuguesa hoje em vigor, e observando os seguintes criterios de fixacao do texto:

1) Manteve-se, rigorosamente, a sintaxe.

2) Corrigiram-se as gralhas.

3) Manteve-se a pontuacao original, excepto nos casos em que colide com a norma ortografica actualmente em vigor (por exemplo, no caso de virgula entre sujeito e predicado).

4) Adoptaram-se maiusculas dentro do actual criterio.

5) Introduziram-se notas de nossa autoria com informacoes sucintas acerca de factos, personalidades historicas e titulos da imprensa periodica hoje esquecidos.

J.P. de Oliveira Martins PORTUGAL E BRASIL (25)

Os acontecimentos dos ultimos anos tem dado a politica portuguesa um cunho ate certo ponto original. Entre todas as nacoes europeias, e Portugal talvez a unica onde se pode observar a ausencia de partidos politicos. A luta entre os grandes e radicais tracos que na Espanha, na Franca, na Italia, na Alemanha dividem a sociedade politica em tres fraccoes: ultramontanos (da legitimidade e da Igreja), monarquicosliberais e democratas-republicanos, nao se encontra entre nos. Os restos do partido miguelista, os tortulhos de uma reaccao religiosa que se desautoriza pela inepcia dos seus homens, nao chegam a formar um partido; outro tanto sucede aos democratas-republicanos; as escaramucas da sessao legislativa de 1874 deram de si a exclusao do parlamento de muitos dos inconsequentes radicais. A maior prova da falta de coesao --falta mortal num partido--, no grupo democratico-republicano, esta no facto, que uns lamentam, com que outros folgam, da indecisao das afirmacoes: republicanos em tese, monarquicos na hipotese.

Tao-pouco o sentimento (porque nao posso dizer partido) o sentimento socialista, que revoluciona hoje a agronomia inglesa, que agita a Alemanha apesar das suas vitorias, e na Franca cose o pano onde rapidamente se vai pintando o cenario do futuro imperio, tao-pouco o socialismo incomoda a politica portuguesa.

Esta ausencia de arena politica pode ser encarada por modos opostos segundo a indole de cada um. E um bem? E um mal? Nem bem, nem mal; ou ambos, simultaneamente, como e da natureza das coisas humanas. Se revela por um lado uma certa ausencia de forca dinamica, pode por outro ser indicio de um desses periodos de elaboracao profunda e surda em que os espiritos concentrados nao tem olhos para ver as pequenas contendas das ambicoes e dos interesses. Nao faltam sinais animadores nas letras, nas ciencias: mais de um livro, dos que nestes ultimos anos tem publicado a imprensa portuguesa, revela uma tensao, um tonos de espirito critico, que, se atendermos a ausencia de antecedentes e de escolas, pode compararse, sem nos envergonharmos, ao que, no mesmo genero, vem de fora.

Por muitos seculos a Alemanha foi indiferente a politica, e nao sao esses os piores da sua historia. Somos nos, peninsulares, acaso alemaes? Nao o somos, ainda que nao seria dificil marcar certos pontos de contacto entre o caracter nosso e o deles. Nao somos, porem, evidentemente; e essa idiossincrasia diferente faz tremer a muitos pelo resultado de profundo indiferentismo politico que, a partir de 1851, cresce todos os dias na sociedade portuguesa.

Assim como pode ser uma concentracao de forcas vitais, assim tambem pode ser uma anemia.

Como quer que seja, o facto e que nao ha partidos. Eliminadas as oposicoes radicais, legitimistas, ultramontanas, republicanas, socialistas, podia ainda a vida politica animar-se com os contrastes e as contendas dos partidos intra-constitucionais parlamentares?

Nao podia, porque esses partidos, mortos em Portugal, morrem igualmente por toda a Europa. Todas as questoes, todos os principios que outrora dividiam entre si os liberais parlamentares, o imposto, a administracao, a representacao, o culto, a forca publica, deixam hoje de o fazer, ja porque, perante o medo mais ou menos bem fundado contra as seitas extra-constitucionais, se unem, se congregam; ja porque, e principalmente por isto, a critica, profundando todos esses problemas, apenas superficialmente tocados pelos liberais-parlamentares, tem provado como, no terreno dos principios, sao indiferentes as sucessivas remodelacoes que os diferentes partidos, chegando ao poder, entendiam necessario fazer ao edificio constitucional em nome da escolastica parlamentar.

O que vai andado da segunda metade deste seculo tem provado que nao ha meio-termo possivel, dado o momento de crise, entre a revolucao radical e o cesarismo. Como que colocadas no acume de um cerro ladeadas por dois precipicios, as sociedades contemporaneas, se olham para a reforma, se dao um passo nesse sentido, sentem-se arrastadas ate aos tristes delirios que ensanguentam, quando nao enodoam tambem, a historia; se se voltam para a outra face e miram a reaccao, o minimo passo as leva aos baldoes ao fundo desse outro abismo onde esta o cesarismo, a suspensao de garantias, o regimen militar, sempre brutal e so por excepcao inteligente.

Como fugir a qualquer das inevitaveis quedas? Eis o segredo que a Europa devia pagar bem caro a quem fosse capaz de lho decifrar.

A nossa situacao portuguesa tem esta vantagem incontestavel, sob o ponto de vista politico: nao pode cair, porque se nao move. Colocada como as demais nacoes no acume da colina, nao corre o risco de tombar porque nao chegou o momento de sentir-se agitada, de redemoinhar e perder o pe, batida pelo vendaval das revolucoes.

As parcialidades politicas intra-constitucionais nao sao partidos, pois que as nao distinguem codigos de principios diferentes: sao apenas igrejas, cada uma com seu papa, sao verdadeiros bandos de tropa, mais ou menos disciplinada, mas que, como a de Wallenstein26, nao sabe exactamente para onde, por onde, nem a que vai. Ir para uma cadeira cural, por acreditar que, sentado la, fara melhor figura do que o vizinho, nao basta para se ser um partido. Os despeitos pessoais, as ambicoes, as vaidades, qualidades humanas, inseparaveis, direi ate indispensaveis a politica, devem porem ser subsidiarias, e nao ser a politica serva submissa de todas elas.

Tais como sao em Portugal os partidos, concebe-se que um ministerio caia quando comete um crime de leso-bom senso, e que lhe suceda outro ministerio; nao se concebe como, a um sistema de principios governativos, possa suceder-se outro sistema, porque o sistema e um so: governar.

Os partidos conservadores nao tem razao de ser em Portugal onde nao ha elementos revolucionarios suficientes para porem em perigo as instituicoes; os partidos progressistas tao-pouco a tem, desde que racional e experimentalmente se sabe que, dado o fermento mais ou menos latente que leveda para a revolucao as sociedades contemporaneas, todo o progresso, direi mais, toda a alteracao do statu quo em qualquer sentido e um perigo.

Que de dois grupos de individuos politicos um se chame progressista, e o outro regenerador ou conservador, os nomes nao fazem ao caso. Nao sao nem progressistas nem conservadores, sao uma e a mesma coisa, dois bandos de cacadores alerta a ver qual de ambos pode primeiro varar com uma bala e recolher na bolsa a caca opima do poder. Fizeram de governar o seu oficio: qual de ambos prova melhor? Qual mais habil? Qual mais digno? Puras questoes de pessoas, de caracteres, de capacidade--de acaso tambem, as vezes, quando um embaraco fortuito obriga a substituir os nomes que todos os dias assinam os papeis oficiais, e uma vez cada ano falam pela boca do rei.

Coube agora aos regeneradores falarem. O longo ministerio, a cuja habilidade e experiencia relativas devemos incontestavelmente uma marcha mais regular da nossa maquina politica, conseguiu reunir uma assembleia onde sao raros os que nao seguem o rumo da nau do Sr. Fontes que ate hoje tem navegado com brisas sempre fagueiras.

Nao lhe faltaram elementos para constituir a sua maioria. A habilidade de politicos logo indicara aos ministros a distribuicao das comarcas e o caminho-de-ferro da Beira, como bons rebucados para pendurar no topo do mastro da cocanha das eleicoes, onde todos sobem, mas todos caem, ou quase todos. Nao lho levemos a mal: a habilidade e a primeira e a principal qualidade do politico. E nem so a habilidade pugnava o favor do ministerio. Combinadas com a indiferenca publica, havia outros elementos--os mancebos que, ja por espirito critico, ja por natural ambicao, se abracaram ao grupo regenerador como aquele onde os homens sao numerosamente habeis, e mais fortes, mais prometedores portanto;--a consequencia natural dessa habilidade e dessa forca, que consiste em nao bulir no pomo vedado das questoes dificeis e em aproveitar com mao avara os acasos da fortuna, consequencia manifestada duas cronicas esquecidas de oliveira martins 49 numa consideravel melhoria de financas e de ordem;--a posicao falsa em que os radicais se haviam colocado na sessao parlamentar de 1874, declarando serem e nao serem, quererem e nao quererem a republica, mistura de sim e nao, perfeitamente criticas, que abonam o juizo dos que a professam, mas que nao serve para politica activa onde o branco e so branco, e preto unicamente o preto;--o traco sombrio com que os acontecimentos de Espanha sublinhavam as declaracoes dos radicais, sombra que os obrigava a balbuciar, e balbuciando, a perderem o apoio decisivo dos poucos republicanos, sem diminuirem por isso o medo dos muitos monarquicos;--finalmente, a maquina poderosa do funcionalismo, que so por si tem bastado a todos os ministerios, ainda desajudados das circunstancias propicias do actual, para ganharem essa batalha, nao sei se seria se burlesca, se epica ou comica, se risonha ou triste, que se diz as eleicoes.

Boa ou ma, luminosa ou sombria, prometedora ou desesperada, a nossa situacao politica e esta, para quem como nos a encara como diz o povo: vendo os touros de palanque.

Que papel nos estara reservado nesta tourada, bem mais sangrenta do que as nossas da peninsula, entre os diferentes papeis distribuidos as nacoes politicas? Aparentemente nenhum: a vida politica das pequenas nacoes tende cada dia mais a tornar-se uma copia dos grandes modelos. No jogo dos interesses e das ambicoes colossais da politica europeia, nos portugueses nao podemos dar nem tirar vazas. Vivemos burgues e pacatamente em nossa casa. Por isso o discurso da coroa, papel que ninguem le para alem do Caia, a nao serem os nossos embaixadores, se foram, se resumia ordinariamente a dizer com uma sobriedade espartana: mantem-se inalteraveis as nossas relacoes com as nacoes estrangeiras.

No discurso deste ano ha uma glosa a este tema: sao as questoes do Para, questoes, ao que parece, e felizmente, terminadas e em que os dois governos do Brasil e de Portugal tambem felizmente reconheceram que nao vale a pena quezilar-se, ao contrario, cumpre unir-se para fazer calar as declaracoes torpes de um papel que se diz Tribuna (27), quando devia chamar-se Taberna.

Nao se perturbaram por esse incidente as nossas relacoes diplomaticas com o Brasil, nem devia suceder tal. Concluir-se-a porem dai que os improperios da Tribuna eram somente o licor fermentado nas cabecas dos escribas?

Nao me parece. A questao e realmente uma, e profunda, seria, a mais grave entre todas as que se prendem com a vida intimamente ligada das duas nacoes que falam a lingua portuguesa.

Pouco vale repetir os incidentes conhecidos do conflito que obrigou o governo portugues a mandar as aguas do Brasil a corveta Sagres; alem de conhecidos, a sua importancia e a de meros e transitorios acidentes, de uma questao permanente e viva: a translacao dos portugueses para o Brasil, o retorno dos brasileiros para Portugal.

Indagar de quem era a principal culpa dos disturbios, se dos energumenos da Tribuna paraense, se das excitacoes, que de ca expediam para la certas folhas, acaso mais desejosas de ganhar eco, do que de lancar agua numa fervura por todos os sentidos perigosa e incomoda; indagar ate que ponto tinham fundamento as acusacoes do jornalismo brasileiro quando lancava em rosto ao portugues o desejo com que, incitando os odios, pedia em circulares tristes, a esmola de um assinante; indagar ate que ponto a questao puramente brasileira de reaccao ultramontana contra a maconaria influia na animosidade activa dos brasileiros do Norte contra os portugueses, seria tornar a levantar uma questao que todos devemos esquecer para o bem comum. Fiquem as culpas a quem delas e reu. Se o sangue de alguns portugueses avermelhou tragicamente o episodio, nao pretendamos derrama-lo sobre a cabeca de ninguem: vazemo-lo todo no antro dessa fatalidade triste que cega ainda tanto e tantas vezes a vista dos homens.

Um remorso deve escurecer a consciencia do governo portugues: se em vez de mandar, tarde, um navio de guerra, tivesse mandado a horas um transporte, onde coubessem todos os nossos irmaos em perigo, nao se poupariam desgostos, nao nos fariamos respeitar melhor, nao provariamos sobretudo maior bom senso?

A troca de provocacoes hostis entre os jornais portugueses e brasileiros apenas revela uma face puramente exterior do conflito. O incidente, que, segundo cremos, lhe deu causa imediata, foi o modo porque no Norte do Brasil se tem desde certo tempo entendido a liberdade do trabalho. Em boa razao se deve dizer que tal modo nao abona o senso economico dos governos provinciais, ou abona entao demasiadamente o amor de um patriotismo irreflectido: o trabalho e cosmopolita.

Ha anos ja, o governo da provincia do Para retirara o subsidio a companhia de navegacao do Amazonas, pelo facto dela empregar em seu servico principalmente portugueses. A nacionalizacao do comercio de retalho, bandeira com a qual as provincias do Norte escondem, sob um eufemismo economico, um crasso erro de economia, e o segundo acto deste drama ja avermelhado de sangue. Nacionalizacao, quer dizer exclusao de portugueses do negocio a retalho, isto e daquele que mais facil e numeroso emprego oferece aos imigrantes.

Louvores sejam ao governo do Brasil que, interpretando os saos ditames da economia e da justica, sempre concordes com os interesses de todos e mais do que nunca favoraveis ao desenvolvimento e prosperidade do jovem imperio, sabe elevar-se acima dos sentimentos de uma rivalidade que, por mal entendida, mereceria acaso mais feio nome.

Depois de Pernambuco, depois do Para, veio agora a provincia de Sergipe repetir os funestos exemplos da intolerancia mercantil. O governo provincial resolvera que na cidade da Estancia os mercadores de retalho estrangeiros pagassem o dobro das contribuicoes impostas aos nacionais.

Na portaria dirigida pelo governo do Rio de Janeiro ao governador da provincia diz o primeiro que:

'Em virtude do artigo 16[degrees] do acto adicional devia V.Ex.[sup.a] ter negado a sancao a referida lei, e, se porventura a assembleia provincial a sustentasse tal qual por dois tercos de votos, suspendido a sua execucao... Que, aconselhando o interesse publico que para todos os estrangeiros residentes no imperio se mantenham os principios de igualdade comercial e civil, cumpre aos presidentes das provincias, em todos os casos em que os projectos de lei provinciais contrariem tais principios, usar dos meios que lhes faculta o acto adicional'.

Oxala que o espirito publico dos brasileiros se inspirasse sempre das mesmas doutrinas que inspiram as altas regioes governativas: folgaria com isso o direito, faria bem ao nome do Brasil e melhor a sua prosperidade.

Sao as vezes curiosas as contradicoes humanas! O Brasil que devia receber de bracos abertos os imigrantes, maquinas de trabalho indispensaveis ao seu desenvolvimento; e os imigrantes portugueses em especial, por serem os que melhor lhe convem, revela contra eles um espirito de quezilia, de ma vontade, de susceptibilidade (nao nos atrevemos a dizer de inveja) que dao de si, talvez em grande parte, o retorno dos expatriados enriquecidos. Quantos nao prefeririam a America, sua verdadeira patria pelo trabalho, pela conquista do bem-estar e da liberdade, a terra abandonada na infancia, nao direi esquecida, mas onde as mais das vezes nao tem ja pais, nem sequer lhes valha a esposa e a nova familia a quem se ligaram alemmar? Quantos a nao prefeririam se, em vez de uma hostilidade mais ou menos disfarcada, encontrassem la os bracos abertos de uma sociedade abertamente irma?

Abrir bem largo esses bracos eis o que o Brasil nao faz, com grave detrimento, nao direi da fortuna publica, porque nao fazem falta, onde ha tantos, os milhoes que voltam a Portugal, mas da propria sociedade brasileira, portuguesa de sangue, que encontraria nos novos adeptos um rejuvenescimento de seiva, e o meio de se encaminhar para a fixacao de uma nacionalidade e de uma raca, coisas que nao conseguiu ainda atingir.

Do outro lado, nos portugueses, que aramos apenas dois quintos da superficie do nosso solo, consentimos numa exportacao de bracos talvez proporcionalmente maior do que a da Inglaterra onde, a falta do chao produtivo, se criam artificialmente campinas sobre o que antes foram rochas escalvadas.

Acaso nestas contradicoes estara o segredo de uma harmonia natural? Se compreendessemos bem, portugueses, as necessidades da nossa economia, o secar da fonte que vaza para a America os milhares de bracos do Minho, dos Acores, de certo influiria perniciosamente na economia brasileira. Se vice-versa o Brasil compreendesse bem as conveniencias proprias, corriamos o risco de vermos despovoarem-se-nos os campos e correrem-nos os rudos trabalhadores em busca de uma riqueza que nao pode dar uma patria-mae, nao direi madrasta, mas o seu tanto ingrata.

Questoes graves de mais para uma revista, deixamo-las a quem cabem: o facto e que do incidente do Para, surgem consideracoes que se prendem a um problema reciprocamente grave para as duas nacoes portuguesas. Concluido o incidente, nao julguemos por isso concluida a causa: o fruto caiu maduro, mas ficou de pe a arvore.

Nao e como a arvore biblica, a arvore dos problemas sociais; por comerem o fruto da primeira perderam nossos pais o paraiso; nos ganhalo-emos se devorarmos o fruto das licoes que saem dos acasos da historia, a ciencia verdadeira do bem e do mal. Quem nos ha-de abrir, quem unicamente pode abrir-nos esse apetite e a instrucao.

Prometeu-nos ocupar-se dela--e bem o precisa--o quarto paragrafo do discurso da coroa portuguesa; e com efeito foi ja distribuido no parlamento o projecto de lei que reforma a instrucao primaria (28); nao o analisaremos hoje, falta o espaco e sobra tempo ate chegar a epoca da discussao.

A organizacao dos tribunais militares e outra das promessas do discurso da coroa. Esta questao adquire uma triste actualidade, assentando como assenta sobre um cadaver, ou antes sobre dois; um do que morreu, outro do desgracado que, matando, nesta hora lentamente acaba ou nas dores mortais de um cruciante remorso, ou no tremedal sem fundo da cobardia facinora (29).

Outras mortes houve, senao verdadeiras, aparentes; viu-se enfiar, abafada em paixoes pequenas, a imprensa que jogava as pelas da politica sobre a cova aberta, e sobre o carcere tao fechado que chumbava o direito sagrado da defesa ao criminoso.

De um lado os que comecaram por exigir uma vitima, do outro os que a negavam, em nome de que direito falavam? Que tem os governos ou as oposicoes que ver com a aplicacao das leis? Destruiu-se de todo a maquina constitucional e nao existe ja a separacao e independencia dos poderes? Era acaso o puro amor da justica que os inspirava? Consultando a serio e a sos a consciencia, nao lhes diria que outros motivos os incitavam? E que era um pecado, mais do que um crime, concitar paixoes, interesses, na hora de paz que, serena e fria, a justica tinha o dever de exigir de todos?

Nao e decerto este o ponto de vista sob que se encarara no parlamento o desgracado incidente que veio mais uma vez patentear os vicios profundos da nossa organizacao militar. Nao sera, nem deve ser. Oxala mesmo que os partidos se abstenham de tocar de novo nessa para todos deploravel questao, discutindo, nao como moralistas, mas como legisladores que sao, um problema vital para a instituicao militar, a disciplina, e outro absolutamente decisivo e supremo, a pena de morte.

Por nao terem tamanha importancia, nao descuremos contudo as promessas de novos progressos materiais. Duas linhas de caminhosde-ferro, que depois de feitas aumentarao a rede actual portuguesa em 100 ou 150 quilometros e que, com as linhas do Minho e Douro em construcao, completarao proximamente o sistema da viacao ferrea nacional; a conclusao da linha do Norte e a construcao da ponte sobre o Douro, eis o que nos promete o governo. O Ministerio da Fazenda (30), apresentando com pontualidade louvavel o orcamento para 1875-76 e as contas de gerencia, acompanhou-os do relatorio do estilo, documento que teremos ocasiao de apreciar. Projectos de lei regulando a amoedacao e a circulacao metalicas nas ilhas adjacentes, tornando a separar da alfandega grande a municipal, e criando na Junta do Credito Publico uma caixa de depositos, eis ai o sistema de propostas financeiras do governo que nao primam nem pela importancia, nem pelo numero: uma duzia apenas, e nem uma so pedindo novos impostos, facto quase novo na nossa historia contemporanea. No dizer do ministro, as receitas ordinarias suprirao com pouca diferenca as despesas. Navegando em mare de optimismo, o governo atendeu a proposta de abolicao das deducoes nos vencimentos dos empregados do estado; agrada-nos a decisao, nao nos sucede outro tanto para com o optimismo, perigosa ilusao que tem as vezes consequencias funestas, embora longinquas.

Oxala que as circunstancias, continuando a favorecer as nossas financas, permitam a continuacao desta doce paz. Nao e do deficit, Adamastor quase antigo que ja nao tem mais de mil cabelos--cada cabelo vale um conto --na barba esqualida, que devemos agora temer. Devemos sim, nao direi exactamente temer, mas pensar um pouco na influencia que produzira o aparato belico com que, no dizer da alguns, o governo intenta adornar a maquina pacifica da nacao portuguesa. 50 000 soldados e muitos couracados-canoas serao o bastante para nos arruinar sem chegarem para nos defender.

Um acanhado ensaio, menos prudente e judiciosamente empreendido, acanhado, desnecessario e em todos os casos inutil, acaba de custar 800 contos, verba acusada pelos documentos oficiais como preco da convocacao das reservas.

Ja la vai o tempo em que, ao lado de duas ou tres grandes nacoes, havia na Europa um grupo de pequenos povos que tambem de tempos a tempos se davam o capricho ferino de uma guerra. Amassadas as nacoes europeias em cinco ou seis grandes hegemonias, a guerra so e possivel entre os colossos, os pigmeus como nos tem de curvar e ceder, sempre que as grandes (no tamanho) potencias convenha impor uma ordem.

Esperava-se, no dizer de alguns jornais, que o discurso da coroa falasse na dotacao do clero, ideia que parece merecer as simpatias do Sr. ministro das Justicas (31). Nao falou, o que retira de nos a obrigacao de tratar desse assunto: fica reservado para ocasiao mais oportuna, isto e, para quando o projecto de lei for apresentado no parlamento, se o for.

As questoes de modus vivendi entre o Estado e a Igreja sao ainda hoje das que se impoem com uma gravidade superior. A inconsequencia de certas instituicoes, filhas de epocas em que se crencas religiosas eram universalmente sinceras e vivas, perante as instituicoes nascidas do espirito critico e livre do nosso tempo, de um lado; e do outro a necessidade politica de satisfazer as exigencias da parte das populacoes ainda verdadeiramente catolicas, e a nao menos imperiosa necessidade de coibir os exageros dos partidos clericais, que apoiando-se na fe pretendem destruir os frutos da liberdade, tornam complexos, e delicados sobre todos, os problemas que se referem as relacoes do Estado com a Igreja.

Sofre actualmente mais desse antagonismo o Brasil do que nos. Sao conhecidos os incidentes do conflito que parecia terminado com a condenacao e encarceramento dos bispos do Para e Olinda (32). Esses actos com que o governo brasileiro reproduz a politica do chanceler alemao (33), nao encontram no imperio brasileiro, como encontram no da Europa, o apoio firme das populacoes protestantes ou velho-catolicas. Catolico na sua totalidade o Brasil, menos depurado o sentimento religioso, menos elevado o grau de cultura intelectual, devemos tremer pelo resultado da luta que a condenacao dos bispos acirrou amargamente?

O futuro o dira, mas seja qual for o resultado definitivo da contenda, nao podem deixar de louvar a energia todos os que entendem ilegitima e prejudicial a intervencao do clero, como classe, nos negocios politicos de uma nacao. Ora o clero norte-brasileiro nem sequer entende necessario, seguindo o exemplo do da Europa, cobrir os seus actos com a capa --transparente e verdade--de uma suposta indiferenca. Confessa ao contrario, clara e publicamente, as suas pretensoes. As actas publicadas de reunioes do clero paraense mostram a decisao tomada por essa classe de organizar um partido composto dos membros da corporacao, o qual procurara influir directamente na politica do Estado.

Tal e a atitude do clero para com a autoridade civil. A do governo para com o clero nao e, porem, menos invasora. Ordenar, como acaba de o fazer, ao governador do bispado do Para, que levante dentro de oito dias as interdicoes, e incontestavelmente intrometer-se em puras materias espirituais que estao fora da alcada do poder civil. Demos razao ao clero no protesto com que repeliu a intimacao autocratica do governo, retiremo-la no modo subversivo e atentatorio para as instituicoes civis com que o redigiu.

Ocioso e dizer que os bispos presos aderiram (em oficios dirigidos ao governo) as decisoes dos governadores de seus bispados; mas que provavel e tambem que os governadores, seguindo a sorte dos bispos, sejam processados e condenados.

Pouco ve quem apenas considera acontecimentos desta ordem como filhos das ambicoes, dos interesses, das pequenas paixoes que, sem duvida, acompanham sempre as accoes humanas. Questoes religiosas, como a que agita o Brasil, sao inevitaveis no nosso tempo, em que as relacoes do Estado e da Igreja nao podem assentar em bases racionais, mas somente num sistema de concessoes reciprocas e de frageis concordatas, que um momento aconselha, que o momento seguinte repele. Falta-lhes a base firme da filosofia. O sistema de instituicoes que se deduz dos principios do catolicismo romano, nao e compativel com o sistema de instituicoes que se deduz da filosofia do direito nas nacoes europeias. Quando o clero se sujeita a autoridade civil nao faz por um dever, fa-lo por uma conveniencia, e esperando sempre a volta de melhores tempos. De outro lado, no estado actual da ciencia do direito, e ja impossivel a formacao de Igrejas nacionais como as que se criaram com o protestantismo, e em que nao pode haver conflitos entre o poder civil e o religioso, porque ambos residem numa mesma sede. De outro, afinal, o estabelecimento do poder civil, completamente leigo, a separacao do Estado e da Igreja, como logicamente se deduz das doutrinas aceites em filosofia do direito, e incompativel com a manutencao das instituicoes, dado o estado das consciencias sobre quem actua e actuara por muito ainda, absoluta e superiormente, a palavra do padre.

O fundo de todas as questoes que agitam as nacoes neo-latinas e religioso; provem do modo organicamente oposto pelo qual as massas catolicas ou fetichistas, de um lado, e do outro as escolas e as classes cultivadas, racionalistas, concebem as coisas. Ha um intervalo de dois seculos entre governantes e governados; os primeiros estao no seculo XVIII (com Bentham, Rousseau, Smith, etc.) e os segundos no seculo XVI com os frades e inquisidores.

Felizmente a energia do progresso e tal que permite o predominio das minorias, contra as massas que pediriam conventos e fogueiras, se as vantagens materiais obtidas pelas modernas reformas (abolicao de privilegios, igualdade legislativa, etc.) nao contrariassem os ditames da sua consciencia, se a coesao, a seriedade, os costumes das corporacoes religiosas fossem tais que lhes infundissem maior respeito.

Apesar disso, porem, a Franca passeia em procissoes e romarias; o carlismo em Espanha vive; entre nos vao minando associacoes, missoes e nao sei que mais coisas, que escusamente, na sombra, procuram invadir a familia e dividi-la em dois membros opostos: o marido que trabalha, a mulher que se confessa e reza ... e educara os filhos; e no Brasil a questao ate agora pelejada nos tribunais e capitulos, a golpes de decretos e protestos, acaba de transferir-se francamente para o terreno da pura forca.

As noticias da sedicao que lavra no Norte do imperio, nao deixam duvida sobre seu caracter. Os arquivos das reparticoes foram queimados, como em Espanha, aos gritos de: 'Morram os macoes! Morra o governo! Viva a religiao!' Infelizmente para eles, nao tem no Brasil um rei in herba para juntarem: 'Viva Carlos VII ou Miguel II! (34)' um bom rei, submisso, fiel acolito do clero.

Nao o tem, mas nem por isso a sua influencia e menor. Lamentavel cegueira a do povo que contra si, para suicidar-se, volta as armas e as ferramentas da civilizacao! Pecaminosa e a ignobil imaginacao dos que exploram a ingenua cegueira das turbas. Os desejos, as aspiracoes mais ou menos vagas para uma existencia melhor nao residem, para o comum da gente, num futuro que so a dedicacao e a virtude podem tornar proximo. O egoismo natural do homem leva-o a supor que a idade de ouro, com que lhe acenam, esta de tras dele, ha um, ha dois, ha vinte seculos, e que basta um momento de luta, para que chegue a hora de gozar. Nem a compreensao da necessidade do progresso, tem o sentimento da solidariedade humana que faz de nossos avos, de nos e nossos netos, um mesmo ser, uma carne unica, se encontram ideal nem racionalmente formulados no espirito das massas. Os ingenuos e santos instintos que as animam contem em germen tudo isso, mas, como a planta necessita de luz para adquirir cor, assim os sentimentos carecem tambem de luz para que as trevas os nao facam crescer palidos e monstruosos.

Infelizmente os maus conselhos cativam quase sempre as criancas, a turba e uma crianca. Boa como e, para a levarem, os maus conselheiros necessitam de a enganar. Nao ha uma so das revoltas que no fundo tem como estandarte a batina, que na face deixe de apresentar uma cor utilitaria. O instinto popular, reaccionario, e sobretudo reaccionario em economia.

O bode expiatorio da revolta jesuita do Norte do Brasil e mais uma vez o pobre quilograma, fiel amigo de todos contra as fraudes do mercador. Quebra-quilos (35) eis o irrisorio nome dos inocentes instrumentos dos jesuitas.

Depois da condenacao dos bispos, do processo dos governadores dos bispados, o governo brasileiro entendeu necessario expulsar os jesuitas de Pernambuco.

Um deles, ao prenderem-no, interrogado para dizer o nome, respondeu: 'Silvestre, prisioneiro de Jesus Cristo.' A que abismo chegou a companhia dos gramaticos por excelencia! Jesus Cristo, o governo impio que os encarcera e os deporta! Jesus nao os encarceraria, nao, mas havia de sacudi-los do seu templo como ovelhas ruins.

Os prisioneiros de Jesus e os quebra-quilos conseguiram ja levar a cova algumas dezenas de homens, saquear casas, queimar arquivos, e mantem em desordem tres provincias do imperio.

Assegura o governo que o movimento nao tem importancia--o facto e que dura, e tem posto em cheque as forcas das guarnicoes. Conseguirao forcas mais numerosas e regulares sossegar os tumultos? E de crer, de esperar e desejar sobretudo.

Melhor porem do que com espingardas e canhoes se esmagarao as insurreicoes temiveis do espirito reaccionario, com as armas da liberdade. Debele o Brasil os ataques do clero, mas tera melhor e mais solida vitoria satisfazendo as reclamacoes tao repetidas e instantes de uma reforma eleitoral. O sistema de eleicoes indirectas parece ja incompativel com o progresso da nacao: eis o que afinal reconheceu o governo do imperador; e as camaras, convocadas extraordinariamente para Marco, discutirao e votarao a nova lei que ha-de reger ja nas futuras eleicoes.

Sao essas, repito, as melhores armas para combater as tentativas reacionarias: nao que a politica deva deixar de as atacar de face quando saem a campo, nem de as minar por todos os modos a medida que se vao pronunciando em tendencias ainda indefinidas. O primeiro caso e o do Brasil, o segundo e o de Portugal, onde, senao temos ainda bispos encarcerados, nem vivas e fogueiras ao divino, temos ja o pequenino conflito do cabido de Braganca (36), tao pequenino que o deixei para o fim, com a tencao firme de apenas o mencionar.

Nao vale a pena gastar cera com ruins defuntos.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 1875.

PORTUGAL E BRASIL (37)

Os tempos actuais sao como que um Outono funebre. Secas se vao sucessivamente mirrando, com a vegetacao frondosa das ideias que iniciaram o seculo XIX, as arvores dia a dia derrubadas pela fatalidade da morte. Rareiam as fileiras dos antigos, e a custo se descortina o rebentar da vegetacao nova. Andam vagos os tronos do espirito, e dirseia que o genio latino, e impio destruidor das aristocracias, as venceu definitivamente. Cabemos todos na craveira de uma mediocridade que o futuro dira se e dourada. Vao-se a um tempo os perspicazes reveladores da terra ignota do espirito, e os audazes obreiros da accao; pensadores e revolucionarios, filosofos e tribunos, legisladores e homens de Estado, descem braco a braco ao tumulo: felizes daqueles que viveram!

A cronica adquire nestes tempos a feicao de um incessante obituario; ontem registravamos a morte do Duque de Loule (38), hoje temos a registrar a de Castilho. A morte do poeta nao e meramente um acontecimento literario, porque a sua vida acentuou na da nossa sociedade uma feicao que nem por fugitiva, deixou de ser original.

Literato por temperamento e educacao, Castilho no tempo em que se entregou as cogitacoes sociais, retractou de um modo indelevel e fixou, para a observacao dos futuros criticos, um aspecto da moderna vida portuguesa. Essa epoca da sua actividade e como que uma formula viva do politico literato; esse tipo, que se repete diariamente, desde a revolucao liberal, com uma insistencia tao permanente, que e de crer sera o verdadeiro e definitivo tipo para o futuro, quando olhar para a nossa vida contemporanea.

O literato e uma pessoa perfeitamente nova. Sai naturalmente dos nossos costumes actuais; e era incompativel com a rudeza seria, com o positivismo pratico, com o ardor crente, com o saber forte de nossos avos. Vive nesta atmosfera superficial e movedica; exterior as coisas apesar de as envolver; extensa mas pouco intensa; nesta sociedade que tudo agita, discute todas as coisas, pressentindo-as apenas, mas sem as perceber; nesta sociedade avida de frases, e que facilmente prefere as banalidades sonoras aos raciocinios e aos argumentos. O literato e, assim, uma fisionomia indecisa, mal acentuada moralmente. As contradicoes do caracter provem do meio desconjuntado e vacilante em que se vive; e se adicionarmos ao caracter dubio, a inteligencia viva, a razao adormecida e vazio o tesouro do saber, teremos um esboco das fisionomias que a condicao das coisas coloca a frente dos destinos da nacao.

Os dotes literarios, bem falar, escrever facil e airoso ou quente, destreza de inteligencia, habilidade para bem compor versos; ou para alinhavar periodos, sao condicao indispensavel do homem publico, jornalista, legislador ou ministro, nestas terras de tagarelas e neste sistema onde a retorica e a base das instituicoes. A mediania da cultura intelectual, combinada com uma certa vastidao de conhecimentos gerais, tao gerais como superficiais e exteriores, fazem o literato e o politico, personagens que somente expiam estes defeitos quando podem aliar a isto algum ardor de sentimento, alguma boa ambicao, embora cega, algum entusiasmo que os torne simpaticos.

Essa simpatia que provem dessas qualidades, como que infantis, eis ai o que em nos acordam as tentativas sociais e politicas de Castilho, o literato por excelencia. Tao fantasiosas, eram porem as suas ideias politicas que ninguem jamais pode toma-las a serio, a comecar pelos proprios seus discipulos em literatura, que ao passarem para a cena publica tinham ja perdido a infantilidade ingenua propria do mestre.

Nao e este o lugar adequado para desenhar o retrato do poeta nem para pesar o valor proprio das suas obras; o meu proposito circunscrevese a registrar os pontos de contacto que ha entre uma biografia ilustre e a sociedade dentro da qual o homem existiu. Castilho politico, e uma personificacao embora fugitiva e rapida da politica portuguesa. A infantilidade, ou o feminino proprio do caracter literato, feicoes que levaram Proudhon a classificar os gens de lettres no sexo fraco, como Garrett tinha classificado num genero aparte as velhas inglesas, passaram para a politica especialmente no que tem de mau. O espirito que vive fora da realidade num mundo extravagante de questiunculas, de pequenas vaidades, de caprichos, de artificios que se tornam uma como segunda natureza, chega afinal a corromper com a verdadeira inteligencia das coisas, a verdadeira nocao do caracter. O mundo artificial e viciado da Tibur literata, poisou sobre o jornalismo, e sobre a maquina politica, e os homens publicos, como literatos, fizeram do parlamento uma Tibur de nova especie.

A politica literata e a invasao dos literatos na politica, contam-se decididamente da revolucao francesa de 1848, em que os literatos conservadores, os literatos reaccionarios, os literatos liberais, os literatos socialistas, tanto fizeram, que a forca de ilusoes, cairam todos, manequins como eram, no fundo poco da realidade feroz e pratica do golpe de Estado napoleonico.

Castilho, literato desde os bicos dos pes ate a raiz dos cabelos, tinha em si, felizmente, esse calor que se nao era ardente como o de Augo, era com efeito meigo, doce, por vezes mais acucarado do que doce e mais fraco sempre do que a raivinha feminina, o pequeno odio que rebentava se lhe tocavam na corda sensivel da vaidade literaria. Esse calor manso e a educacao adquirida numa epoca em que era moda pintar a natureza corde-rosa, a imitacao de Bernardin de Saint Pierre, de Gessner, de Delille (39), encaminharam o espirito do poeta, quando pela primeira vez se ocupou das coisas sociais, para a especie de socialismo que mais se adequava ao seu temperamento natural e literario.

O fourierismo, ponto de partida para esse sistema de fantasias que por anos ocupou a mente de Castilho, nao era ele capaz de o sentir, com a profundidade do naturalismo mistico. Viu-o, porem, e fez-lhe como os jesuitas a Antiguidade: arranjou-o. Dai sairam a Felicidade pela agricultura, o Metodo repentino e as obras deste ciclo. O temperamento e a educacao de literato, combinando Fourier e Froebel (40) com um sem numero de pequices deram de si um resultado tao extravagante como a gramatica posta em verso, e tantas outras boas intencoes estragadas pela literatice.

Ora este verniz com que ultimamente o temperamento portugues se tem pintado, da de si consequencias notavelmente curiosas; porque olhando bem, vemos por baixo das mascaras, ou romanticas de nossos pais, ou satanicas, petroleiras, e de um estoicismo dandy, dos homens e dos poetas novos, o fundo positivo e pe-de-boi que sempre caracterizou o portugues.

E nao sao os poetas e os literatos os unicos a lancar por sobre a genuina fibra portuguesa o verniz do modernismo. Perdem-se as tradicoes e a molestia invade ate aos espiritos que se diriam mais rebeldes a revolucao. Assim como as mulheres deixaram o capote e o bom burgues de Lisboa o briche nacional pelas casimiras francesas ... das fabricas da Covilha, assim as cidades portuguesas se vao ajardinando, embelezando as ruas, e adornando as pracas.

As estatuas sao com efeito uma excelente materia de adorno, e uma praca a embelezar e sempre uma ocasiao magnifica para nos lembrarmos de que existiu um certo grande homem. Para que nos serviriam eles, os grandes homens, se nao houvesse pracas para adornar?

Viriato e o Marques de Pombal, os dois mais celebres legisladores portugueses, coroaram o arco do triunfo do Paco; Camoes preside aos cavacos do Chiado; e o Duque da Terceira tem ja um lugar marcado no Cais do Sodre. Deve fazer bem boa figura do alto da Rua do Alecrim. As estatuas de Lisboa sao para a historia o que os folhetins em discurso sao para a politica.

Em Lisboa, e na provincia, com esta diferenca de que la por fora ainda e licita uma certa ordem de regozijos, considerados plebeus e indignos de programas solenes da capital. Eis aqui na concisa linguagem do telegrafo como foi a inauguracao do monumento agora levantado a Mouzinho da Silveira.

'Abrantes, 16, as 8 horas e 10 minutos da manha.'

'Ontem exumacao as 6 da tarde.'

'Hoje oficio, missa, inauguracao do monumento.'

'Grande concorrencia e musica.'

'Autoridade do distrito e dos concelhos de Gaviao e Castelo de Vide. Duas municipalidades.'

'As cerimonias das 10 as 3.'

'Dancas populares.'

'Muita satisfacao.'

'O oficio foi celebrado por sete parocos.'

As duas municipalidades, autoridade do distrito, os sete parocos e as dancas populares reunidos em torno do monumento do grande revolucionario acordam na imaginacao um quadro em que simultaneamente vemos os tracos vivos da sociedade portuguesa, sociedade de mandarins letrados, cuja secura bonacheirona se revela nesta frase: muita satisfacao!

Placido, satisfeito e corredio e com efeito o modo porque usamos encarar e dirigir as coisas da vida, quando a sorte implacavel nao vem cortar-lhe o fio no momento em que o homem ve gloriosamente coroado o trabalho de muitos anos, como ponderava com sentida melancolia o Sr. Melicio, ao falar da morte do Visconde de Paiva Manso (41).

Mais um homem ilustre cujo obito a cronica tem de registrar!

Jurisconsulto e erudito, Dr. Levy, embora moco ainda, deixa apos si um certo numero de trabalhos que honram os estudos historico-juridicos. Ineditos parece que ficaram dois ensaios, um sobre o regime comunal, outro sobre a influencia germanica no direito portugues, questoes ambas de um vivo interesse actual. Aplicado, ja pelas obrigacoes do seu cargo, ja por uma inclinacao natural do espirito para as questoes coloniais, o Visconde de Paiva Manso recebeu, pouco antes de morrer, a noticia da arbitragem favoravel na questao de Lourenco Marques, em que fora advogado por parte do governo portugues.

Com motivo defende Portugal palmo a palmo o seu dominio ultramarino, e com fortuna se tem resolvido as pendencias de direito internacional levantadas nestes ultimos anos pela politica de absorcao exercida em Africa pela nossa poderosa concorrente, a Inglaterra. As nacoes, coloniais como ela, como a Holanda, e como nos, tem nas possessoes ultramarinas, nao direi ja a razao da sua existencia europeia, mas com certeza um poderoso elemento de vida constitucional. Quem encarar sob este ponto de vista a historia portuguesa nao podera deixar de notar a intima dependencia em que a nossa economia nacional esta da economia das nossas colonias. A forca das coisas como que inverte os papeis respectivos e nao seria absurdo dizer que, dentro dos limites necessarios, sao as maes-patrias quem afinal estao para as provincias ultramarinas na situacao de colonias.

Sem entrarmos nas questoes etnologicas e politicas, alheias ao nosso assunto, temos de concordar em que a vida social portuguesa tem sido sempre um resultado da vida colonial. Fosse qual fosse o mobil que levava os portugueses do seculo XIV a Ceuta, o facto e que so a partir da dinastia de Avis, Portugal apresenta o aspecto que na historia o distingue e que o afirma como nacao. Nos tempos da primeira dinastia, Portugal e um exemplar entre mil dessas como que moleculas desagregadas que sob nome de condados, ducados, principados, senhorios e reinos preparavam, na epoca feudal, os organismos nacionais dos tempos modernos. As navegacoes sucederam logo as conquistas da Berberia, e se estas nao tinham um caracter suficientemente acentuado que as distinguisse das conquistas anteriores, o dominio da India adquiriu logo uma feicao comercial, nao so nova na historia, mas completamente especial para a nossa economia. A India saldava todas as nossas contas e supria a todas as nossas necessidades. Enchia o tesouro e recebia a emigracao, que nos paises maritimos como a peninsula iberica e a italiana e, mais talvez do que a expressao do excesso da populacao, excesso que nao existe em nenhuma delas, a expressao do genio aventureiro que impele as imaginacoes.

Esgotada a India, e determinado o fim do nosso imperio asiatico, a vida portuguesa cai no marasmo da epoca dos Filipes a D. Pedro II. A custa de quem pode D. Joao V coalhar Portugal de monumentos? Como e que se subsidiam os exercitos e as embaixadas que de novo dao ao Portugal bragantino um reflexo do esplendor doutros tempos? Ocioso e quase aproximar as duas epocas, a do marasmo e a do esplendor, do desenvolvimento natural do Brasil. A colonia americana veio substituir as Indias, na nossa economia positiva. As diferencas dos tempos e das ideias, a natureza propria do imperio colonial caracterizavam diversamente a influencia; porque, se na Berberia os portugueses somente viam um campo de batalha, se na India os guerreiros eram ao mesmo tempo comerciantes, no Brasil houve comerciantes apenas, e o novo imperio colonial era um imperio exclusivamente mercantil, Lisboa uma Cartago, e o Estado adquirindo um caracter teocratico, o culto um esplendor extravagante repetiam os espectaculos sombriamente magnificos dos imperios do antigo Oriente.

Separou-se o Brasil como era da forca das coisas que sucedesse. Separouse, mas nem por isso deixou de ser a nossa colonia, ou nos colonia dele, porque as formulas exteriores da politica correspondem a sentimentos de outra ordem e incapazes de alterar as correntes determinadas pelas leis profundas e vivas da economia colectiva.

Hoje em dia criamos na Africa um segundo Brasil, e quem for a olhar para os resultados obtidos desde que a perda da colonia americana nos obrigou a pensar nessa vasta e riquissima regiao, dividida pela colonia inglesa do Cabo da Boa Esperanca, facilmente prognosticara os futuros que ja vem proximos.

A navegacao regular e acelerada e uma das primeiras armas de colonizacao; e se considerarmos que ainda ha pouco as carreiras de vapores para a Africa Ocidental custavam ao tesouro o subsidio anual de 200 contos de reis, e que hoje se mantem com o rendimento proprio do comercio, poderemos so deste facto inferir o grau de desenvolvimento adquirido em poucos anos. Trata-se hoje de prolongar a navegacao a vapor ate a costa oriental; e oxala venha breve a tratar-se da construcao de caminhos-de-ferro. E ocioso insistir sobre o valor do papel que os caminhos-de-ferro tem na colonizacao, quando vemos o exemplo invariavelmente seguido pelos americanos do Norte. O caracter utilitario da civilizacao contemporanea, o ponto de vista exclusivamente mercantil que preside as colonizacoes, combinado com o corolario necessario destes dados que e o espirito pratico dos colonizadores, tornam, cada dia mais indispensavel a lavra de uma regiao inculta o estabelecimento previo das comunicacoes faceis, das garantias, de um certo bem estar, fora do qual so por excepcao o homem acha que valha a pena ir tentar fortuna.

Estas consideracoes acodem quando se trata como agora de fundar uma companhia de navegacao a vapor para Africa. Parece que as negociacoes nao adiantam com a rapidez desejada e que os capitais, absorvidos por empresas mais faceis e porventura mais lucrativas, receiam entrar no negocio. Nao admira que assim seja, nem e mesmo para estranhar. A especulacao e os lucros bancarios sao um poderoso concorrente para as empresas que, embora solidas, oferecem resultados menos deslumbrantes.

Que a experiencia de todos os dias venha cada hora provar como sao temiveis os perigos dessa ordem de empresas que apenas assentam sobre a credulidade ingenua dos vassalos do capital, nem por isso essa credulidade, essa imbecilidade, permita-se-me a dureza da expressao, proporciona constantemente materia facil para as operacoes dos senhores da financa. A credulidade ingenua em uns, noutros o furor da especulacao, e nos mestres, por fim, a arte de aproveitar habilmente destas fraquezas do proximo, trazem os mercados a situacao em que vai em um mes, se encontram o de Lisboa, Porto e o do Rio de Janeiro.

A crise do Brasil cujos caracteres e causas tem sido aqui registrados nao tem felizmente progredido; e todas as noticias concordam em dizer que o panico desaparece gradualmente e as transacoes voltam a norma anterior. A emissao dos 25 000 contos, ainda que no dizer de pessoas entendidas na materia, so uma terca parte dessa quantia, proximamente, podia influir directamente nos recursos de que os bancos dispoem para suprir o retirar dos depositos, porque os bancos seriam credores ao tesouro por essa quantia apenas; a emissao dos 25 000 contos combinada com socorros de outra ordem, que parece ter o governo feito a certos estabelecimentos, actuaram eficazmente no sentido de restabelecer a confianca.

Esse sistema de socorros, expediente de que os governos tem de forcosamente lancar mao, mesmo contra lei, uma vez que na sociedade existem instituicoes particulares tao poderosas que podem pelos seus actos perturbar a ordem economica, tem porem na ordem politica perigos consideraveis, e amiude comprometem dolorosamente as situacoes. Agora mesmo o telegrafo anuncia a queda do gabinete Rio-Branco e a nomeacao do Marques de Caxias (42). Nao nos diz o telegrafo qual o motivo positivo que determinou a mudanca do gabinete brasileiro; mas acaso me nao enganarei ligando-a com o episodio que a recente falencia da casa Maua trouxe a publico e que tao desagradavelmente impressionou a opiniao. Parece que Maua vendera ao tesouro letras por 400 000 libras que nao foram pagas pelos sacados; essas letras teriam ficado em carteira sem que o governo procedesse, antes, pelo contrario, em epoca posterior suprira ainda ao mesmo banqueiro uma soma de 300 000 libras se nao me engano. Encarado exteriormente, este episodio entra na categoria do que geralmente se chama escandalo; mas e mister considerar as coisas como elas sao em si proprias e ver que responsabilidade cai sobre um ministro quando, rejeitando um subsidio a um banqueiro, o leva a falencia e dela tem de provir uma crise. E mister pois nao acusar temerariamente: porque o morganismo das instituicoes, o contraditorio das coisas sociais, hao-de sempre produzir desta ordem de episodios que e licito classificar como crime ou como accao boa conforme o ponto de vista do juiz; desta ordem de episodios que na falta de lei que os governe conduzirao sempre a conclusoes mais ou menos obscuras entre o recto e o criminoso. Abundam os casos em que os politicos, inspirando-se do proprio criterio, na falta do criterio juridico, tem de desprezar a lei escrita em nome da lei real, que e a justica ou a conveniencia.

Acaso, porem, nao fosse este o motivo positivo da queda do gabinete Rio-Branco; mas nem por isso perdem fundamento, nem actualidade, as consideracoes expostas. A crise do Rio de Janeiro pode considerarse vencida, e felizmente nao passou de uma seria advertencia dada ao espirito infrene da especulacao. Os jornais brasileiros consideram ja o abalo como passado e dilatam-se em consideracoes retrospectivas que sao decerto lidas hoje com atencao, mas que nem por isso serao atendidas quando daqui a algum tempo, esquecido um tanto o passado, voltar o infalivel desassossego, proprio de uma sociedade avida de gozar a vida e que nesse gozo poe todo o seu ideal.

O Jornal do Comercio, do Rio, escreve estes periodos que servem a confirmar o sistema das minhas observacoes:

'Nos dois ultimos anos criaram-se na nossa praca mais de setenta empresas, e, como se fosse pequeno este imenso imperio para a expansao de tanta actividade, como se fosse inesgotavel o capital, fomos organizar empresas em Paris, Bruxelas, em Lisboa e em Montevideu. A ambicao naturalmente despertou o desejo de realizar prontamente e sem muito trabalho, uma grande fortuna, abrasou muitos espiritos; as empresas para melhoramentos reais, necessarios, e que em quadra mais ou menos remota darao razoavel remuneracao aos capitais nela empregados, seguiram-se concepcoes extravagantes, sem base, sem estudos previos, sem probabilidades sequer de exito; procurava-se, apenas, um pretexto para operacoes puramente aleatorias. Infelizmente imobilizava-se assim um imenso capital.

Os estabelecimentos de credito da nossa praca, alem de organizados defeituosamente, eram em numero maior do que comportava o nosso movimento comercial a soma das operacoes reais nao lhes dava alimento suficiente. Se tivessem fechado suas carteiras aos titulos de toda a especie que afluiam como caucao de adiantamentos, nao dariam, e certo, vistosos dividendos aos seus accionistas, mas nao arriscariam algum de seu capital, olvidando as desvantajosas condicoes de retiradas livres com que recebiam dinheiros em deposito.

Estava adiantada a enfermidade quando bancos, capitalistas e especuladores conheceram o mal que os minava. Comecou entao a exigencia do reforco das caucoes, e as chamadas de capital, a retraccao do dinheiro e a liquidacao a todo o preco.'

A refraccao natural, nao tanto das falencias dos dois bancos do Rio, como do espirito de especulacao, aclimatado entre nos principalmente pelos emigrantes repatriados, produziu o estado actual, nao de crise, mas do incomodo que aflige as pracas de Lisboa e Porto. Nao foi a crise do Brasil que veio perturbar a maquina bancaria portuguesa, foram causas identicas, que, no Brasil como em Portugal, levaram paralelamente a uma situacao semelhante.

Erraria, porem, quem, exagerando os sintomas de mal-estar, se aterrasse com a suspeita de uma verdadeira crise proxima. Nao a havera parece-me, nem que a haja, sera de natureza a comover profundamente a economia portuguesa.

Sao de duas naturezas as crises comerciais, conforme procedem de uma perda ou de um desequilibrio. Temerosas as primeiras e quase inevitaveis; as segundas nao podem afectar de um modo tao intimo o organismo economico, porque, para a sociedade em si, pouco importa que a fortuna de A se transfira para os bolsos de B; nem por isso a riqueza desapareceu, e o prejuizo efectivo reduz-se a paralisacao de actividade que a desconfianca impoe a maquina economica. Ja nao sucede assim quando, como por exemplo durante a guerra da America, toda a industria dos tecidos de algodao teve de parar por falta de materia-prima; a paralisacao do trabalho, a impossibilidade de satisfazer compromissos tomados; o capital das fabricas improdutivo, traduzindo-se em falencias, representam prejuizos reais, so reparaveis pelo tempo.

Nas crises propriamente bancarias nao sucede outro tanto, desde o momento em que a febre da especulacao nao tenha enterrado capitais reais em empresas fantasticas que seriam nesse caso o prejuizo real. Nao e esta, felizmente, a nossa hipotese. Nem ha capitais subvertidos em empresas irreprodutivas, nem ha o minimo ataque nas fontes originarias da riqueza nacional. As industrias, e a agricultura que e a nossa primeira industria, nao sofrem de molestia extraordinaria; a crise do Brasil, ao contrario de baixar o cambio e esterilizar assim a corrente de capitais, que diariamente se vaza nos mercados portugueses, fa-lo subir, como e natural; nao ha guerra que venha incomodar o nosso comercio.

Se nao ha, pois, prejuizos reais, onde esta a causa dessa frieza, desse retraimento que ultimamente sofre o mercado bancario portugues, e que se deixa ver bem patente nas cotacoes dos papeis de credito?

Esta nas consequencias necessarias do estouvamento com que o espirito de especulacao se lancou ao mastro do cocanha dos bancos livres. Era unanime o ardor dos que se lancavam a escorregadia ascensao; deram facilmente os primeiros passos; eis porem que agora lhes comecam a escorregar as maos e os joelhos no sebo que engordura o mastro. O premio que la esta em cima, nao lhe chegaram, felizmente conserva-se, e, enquanto assim for, os acidentes reduzem-se aos trambolhoes que uns apos outros vao dando, os atrevidos jogadores. Eram demais, acotovelavam-se e o proprio furor com que iam as cegas lhes aumentava as probabilidades da queda. Deitados por terra, doridos dos ossos, esfregam os olhos no meio da poeirada que levantaram, caem em si, e muitos se encontram de certo sem os cobres que levavam nos bolsos e que se foram pelo caminho parar aos bolsos doutros que os viam subir deixando-se ficar quietos.

Que resultara pois de toda esta verdadeira poeirada de bancos fantasiados nos ultimos meses? A ruina de certos individuos acaso, mas nem a sombra de uma crise, porque nao ha um real de riqueza perdida. Quando a crise provem da dificuldade de satisfazer a subscricao das accoes, nao ha motivo de receio; se as accoes estivessem pagas e o capital desperdicado o caso mudaria de figura.

Na situacao actual, a solucao e uma e unica: desmancharem-se todos os bancos que nao tem razao de existir, com a mesma facilidade com que se formaram. A simplicidade desta solucao natural e necessaria e tao evidente que espontaneamente comeca o movimento neste sentido. O Banco Portugues decidiu nao levar por diante as chamadas das accoes da segunda emissao; e os accionistas dos quatro novos bancos de Lisboa reuniram-se para trabalhar numa fusao a que naturalmente se opoem as direccoes desses bancos; essa oposicao das direccoes, que nao deve decerto aumentar a confianca dos accionistas tera, porem, de ceder perante a autoridade omnipotente das maiorias em assembleia.

E portanto de crer que esta trovoada de poeira se dissipara breve; mas nem por isso, enquanto anda no ar, deixa de turvar a vista e de incomodar a garganta, de afectar enfim desagradavelmente a confianca dos capitais serios, que muitas vezes recebem mais facilmente impressoes do que raciocinios e sempre sao pessimistas.

Ainda, porem, neste ponto a nossa boa terra ofereceu estes dias um sintoma singular. Enquanto baixavam por ca todos os papeis de credito, enquanto as falencias em Inglaterra faziam descer ate os proprios fundos ingleses, os nossos subiam, gracas a habilidade regeneradora que, combinada com a arte consumada dos principes da financa europeia, e capaz de fazer destes milagres de magia bancaria.

A prestidigitacao e, porem, uma arte que todos os dias baixa no conceito do publico; as ficelles dos artistas tornam-se publicas, e assim como o celebre Faure Nicolai, que veio agora na esteira dos irmaos Davenport, topou de frente com o sorriso incredulo do publico, assim sucede aos prestidigitadores da financa. Ora nada ha pior do que esta especie de fiascos. Quem se apresenta candidamente pode ainda esperar compaixao; mas quem pretende fazer crer em poderes ocultos e forcas sobrenaturais, perde o tempo, o azeite e so ganha uma derrota que tem por sobrecarga o ridiculo.

E vicio antigo este dos regeneradores o de tanto confiarem na habilidade propria que chegou a desconhecer a verdadeira medida da alheia. A consequencia e excederem-se. Provarem demais. Vencerem demais, como lhes sucedeu com as eleicoes. Quem acreditara numa tamanha grandeza de fama, que de primazia aos fundos portugueses duas cronicas esquecidas de oliveira martins 69 sobre os ingleses, que sao o pai e a mae de todos os fundos de todas as nacoes que existem, e ate de algumas que nao existem como a republica celebre de Moncados?

Exageram a credulidade publica, abusam da vitoria, e fio-me em que viram com certo despeito o numeroso parlamento que o Partido Historico acaba de reunir em Lisboa. Pois, em vez de despeito, deviam bater as palmas de alegria. Que partido podia jamais satisfazer melhor os desejos dos conservadores cesaristas, do que o bom, o ingenuo Partido Historico, preso a legalidade pelas tradicoes, a monarquia pelos homens, e as instituicoes pelos interesses? Um partido que lhes pode fazer, sem os perigos inerentes a discolos audazes, a agitacao democratica indispensavel a radicacao organica do cesarismo burocratico; um partido que tomando para si o tipo de radicalismo zorrilhista, lhes vai cimentando a influencia, tanto mais firme e decisiva, quanto forem sendo mais repetidos os programas de reforma da carta, e os pedidos de novas liberdades! Encontrar assim preparada e feita a massa da propria conservacao e uma fortuna que so cabe aos regeneradores. Serao ainda capazes de lhe fazer mal a esse partido ingenuo que adoptou na sua sessao solene os Lazaristas, comedia-drama em tres actos, como programa, e o Sr. Braamcamp (Anselmo Jose) (43) como chefe? Ate que ponto e capaz de ir a cegueira humana!

28 de Junho P. de Oliveira

(1) Este conjunto sera em breve publicado sob o titulo Portugal e Brasil, introd. e notas de Sergio Campos Matos; fixacao do texto de Sergio C.Matos e Bruno Eiras; revisao de Ivo Inacio (Lisboa, Centro de Historia da Universidade de Lisboa, 2005). Ja em em 1948, Lopes de Oliveira chamara a atencao para o interesse destas cronicas. Cf. 'Introducao' a J.P. de Oliveira Martins, Paginas desconhecidas, introd., coorden. e notas de L. de Oliveira (Lisboa: Seara Nova, 1948), p.XII.

(2) Antero de Quental, carta a Joao Lobo de Moura de 18-03-1875, Cartas, org., introd. e notas de Ana Maria Almeida Martins, I (Lisboa: Editora Comunicacao, 1989), p. 274.

(3) Cf. Pedro Tavares de Almeida, Eleicoes e Caciquismo no Portugal oitocentista (1868-1890), (Lisboa: Difel, 1991), pp. 159-60 e p. 225.

(4) Jorge Borges de Macedo, Fontes Pereira de Melo (Lisboa: MOPTC, 1990), pp. 11-17.

(5) Em A circulacao fiduciaria (1878, premio da Academia das Ciencias, Lisboa, 1923 [1878], pp. 133-73 e no artigo 'Banco' do Dicionario Universal Portugues [1887] que seria recolhido no volume Estudos de economia e financas, pref. de Armando Marques Guedes (Lisboa: Guimaraes Editora, 1956), pp. 269-89.

(6) Joel Serrao, A Emigracao portuguesa, 3[sup.a] ed. (Lisboa: Livros Horizonte, 1977), p. 30.

(7) Carta de Antero a J.Batalha Reis de 12-1-1872, Antero de Quental, Cartas I, p. 158.

(8) Maria Jose Marinho, 'A Revista Ocidental, 1875 um projecto da Geracao de 70', Revista da Biblioteca Nacional, 2[sup.a] serie, vol. 7, 1, 1991, pp. 44-47.

(9) 'Prospecto da Revista Ocidental', Revista da Biblioteca Nacional, 2[sup.a] serie, vol.7, 1, 1991, p. 66.

(10) Sobre as Conferencias do Casino veja-se Antonio Salgado Junior, Historia das Conferencias do Casino (1871) (Lisboa: Tipografia da Cooperativa Militar, 1930) e Joao Medina, As Conferencias do Casino e o Socialismo em Portugal (Lisboa: Publicacoes D. Quixote, 1984).

(11) Cf. Oliveira Martins, carta 4, Dez.[1873], BN. Esp.E4/62-66 e Id., carta s.d. a Jaime Batalha Reis, BN, Esp. E20, doc. 307.

(12) Cf., sobretudo, J.P. de Oliveira Martins, 'O golpe militar de 19 de Maio de 1870 e a ditadura de Saldanha. A situacao politica', Paginas desconhecidas, pp. 211-40.

(13) Na epoca, os sentidos mais habituais eram governacao sem o funcionamento do parlamento, como frequentemente isso sucedeu, ou poder absoluto.

(14) J.P de Oliveira Martins, Portugal contemporaneo, 7a ed. (Lisboa: Guimaraes Editora, 1953) [1881], III, p. 289.

(15) Portugal e o socialismo, 2a ed. (Lisboa: Guimaraes Editora, 1953) [1873], p. 36 e p. 41.

(16) Veja-se Fernando Catroga, 'O problema politico em Antero de Quental--um confronto com Oliveira Martins', Revista de Historia das Ideias, 3, 1981, pp. 367-81.

(17) 'O golpe militar de 19 de Maio de 1870 e a ditadura de Saldanha. A situacao politica', Paginas desconhecidas, pp. 233-34.

(18) Vd. Pedro T. de Almeida, Op.cit.

(19) Veja-se uma relacao destes bancos em J.P. de Oliveira Martins, 'Banco', Estudos de Economia e Financas, pref. de Armando Marques Guedes (Lisboa: Guimaraes Editora, 1956) [1887], pp. 267-69. Vd. ainda Ana Bela Nunes e Nuno Valerio, 'Moeda e bancos', Historia economica de Portugal 1700-2000, org. Pedro Lains e Alvaro F. da Silva (Lisboa: ICS, 2005), III, 292-93.

(20) Carlos Gabriel Guimaraes, 'O Banco Rural e Hipotecario do Rio de Janeiro e o pos Guerra do Paraguai', Anais do V Congresso Brasileiro de Historia Economica e 6[sup.a] Conferencia Internacional de Historia de Empresas (Caxambu: ABPHE, 2003).

(21) No plano tecnico, Martins sustentava a vantagem de se construirem linhas de bitola estreita (1 m) que entao se generalizava na Europa.

(22) Magda Avelar Pinheiro, Le role de l'Etat dans la construction des chemins de fer du Portugal au XIX e siecle (sl.: sm., 1992), pp. 176-177.

(23) J.P. de Oliveira Martins, 'O ultramontanismo, Direito contra direito pelo bispo do Para (1875)', Politica e historia (Lisboa: Guimaraes Editora, 1957), I, pp. 272-74.

(24) Cf. Diario da Camara dos Senhores Deputados Sessao legislativa de 1875 (Lisboa: Imprensa Nacional, 1875), pp. 161-62.

(25) Revista Ocidental, n[degrees]1, I, 15-02-1875, pp. 108-19.

(26) Wallenstein, Albrecht W. Eusebius von (1583-1634), general catolico de origem checa, combateu na Guerra dos Trinta Anos ao lado do imperador germanico Ferdinando II. Posteriormente desenvolveu negociacoes secretas com os protestantes e acabou assassinado.

(27) A Tribuna, periodico publicado em Belem (Para, Brasil), de 1870 a 1876, cultivou a hostilidade aberta contra os portugueses que ai viviam. A partir de Abril de 1872 propagandeou a ideia da nacionalizacao do comercio a retalho. Em principios de Setembro de 1874 foram roubados e assassinados em Jurupary alguns comerciantes portugueses, alegadamente por instigacao d' A Tribuna.

(28) A reforma do ensino primario foi apresentada por Rodrigues Sampaio na sessao de 23 de Janeiro de 1875 [cf. Diario da Camara dos Senhores Deputados (Lisboa: Imprensa Nacional, 1875), pp. 148-55] mas so viria a ser adoptada em 2-05-1878. Foi uma tentativa de descentralizar o sistema e instituiu escolas graduadas por classes, atendendo a capacidade e a idade dos alunos. Suscitou um vivo debate publico. Ja em 20-01-1872 Rodrigues Sampaio tinha apresentado uma proposta de lei que nao chegou entao a ser discutida e sofreu depois alteracoes na versao de 1875. Referencia ao assassinato do alferes Jose Augusto da Palma Brito pelo soldado de reserva Antonio Coelho, no regimento de Infantaria 2, que deu lugar, em 1874, a uma viva polemica na imprensa acerca da pena que deveria aplicar-se aquele soldado.

(29) Lazare Hoche (1768-1797), general frances, pacificou a revolta da Vendeia. Foi ministro da Guerra

(30) O Ministro da Fazenda era entao Antonio de Serpa Pimentel (1825-1900), que desempenhou numerosas funcoes publicas, entre elas as de deputado, par do Reino e ministro em diversos governos regeneradores. Apos a morte de Fontes P. de Melo (1887), viria a liderar o Partido Regenerador. Chefiou o governo saido da crise do Ultimatum, em 1890.

(31) Augusto C. Barjona de Freitas (1834-1900), lente de Direito em Coimbra, deputado pelo Partido Regenerador, ministro da Justica (1865-68 e 1871-76) e do Reino (1883-86), viria a chefiar a chamada Esquerda Dinastica (1887).

(32) Bispo do Para, D. Antonio de Macedo Costa (1840-91), doutorado em Direito Canonico em Roma, assumiu uma atitude vigorosa contra os macons que se tinham introduzido nas ordens religiosas. Bispo de Olinda (Pernambuco, 1872-74), D. Frei Vital Goncalves Oliveira (1844-78), proibiu a participacao de eclesiasticos em cerimonias maconicas e duas irmandades religiosas que se recusavam a expulsar os macons (2-01-1874). Ao ignorar a posicao do governo, iniciou a controversa Questao Religiosa. Ambos os prelados foram presos (2-01-1874) e condenados no Rio de Janeiro a uma pena de 4 anos com trabalhos forcados, o que suscitou acesa reaccao publica em diversas provincias. Apos 18 meses de prisao, viriam contudo a ser amnistiados. Frei Vital seguiu para Bordeus e depois para Roma, onde foi recebido por Pio IX. 33 Bismarck foi chanceler de 1862 a 1890.

(34) Carlos VII (1848-1909), Carlos Maria de los Dolores de Borbon y Austria, neto de Carlos M.Isidro (irmao de Fernando VII), foi chefe dos carlistas, dando inicio a terceira guerra carlista em 1872. D.Miguel de Braganca (designado de D.Miguel II pelos legitimistas) (1853-1927), filho primogenito de D.Miguel, nascido em Heubach (Austria), tendo herdado os direitos do pai (falecido em 1866), foi o pretendente ao trono do partido Legitimista ate 1920, quando abdicou os seus direitos em D.Duarte Nuno.

(35) Quebra-quilos: nome por que ficaram conhecidos os levantamentos populares que, em 1874-75, eclodiram em Paraiba, e depois noutras tres provincias do Nordeste brasileiro, contra os impostos provinciais e a lei que estabeleceu o sistema metrico decimal no Brasil (aprovada em 1862, so entraria contudo em vigor em 1872). Em 31-10-1874, em Inga, populacao anonima comecou a destruir os novos padroes de pesos e medidas, a protestar contra os aumentos de precos. Em Areia, deram-se vivas a religiao e gritos de morte aos macons. Jesuitas italianos apoiaram os manifestantes, em principios de 1875.

(36) Por morte do bispo de Braganca, D.Jose Alves Feijo, em carta regia de 9-12-1874, D.Luis nomeou Jose Maria da Cunha como vigario capitular do bispado de Braganca. Invocando as disposicoes conciliares de Trento, o cabido da Se de Braganca, Antonio Joaquim de Oliveira Moz, manifestou entretanto ao monarca que nao podia eleger para aquele cargo alguem 'estranho a corporacao capitular', pelo facto de nela existirem cinco membros residentes elegiveis de entre os quais deveria ser escolhido o vigario capitular. Cf. 'Manifesto do cabido da Se de Braganca', Bem Publico, 30, 30-01-1875, pp. 237-38.

(37) Revista Ocidental, 4, II, 30-06-1875, pp. 484-93.

(38) Duque de Loule, Nuno Jose Rolim de Moura Barreto (1804-75), militar e politico, de origem aristocratica, foi dirigente do Partido Historico e desempenhou diversos cargos politcos, com destaque para a chefia de varios governos (1956-59, 1860-65 e 1869-70).

(39) Bernardin de Saint-Pierre (1737-1814), escritor frances que cultivou uma sensibilidade que esta na origem do romantismo. Salomon Gessner (1730-88), poeta suisso [na versao original, certamente por gralha, o apelido e grafado Gessuer] ; abade Delille (1738-1813), tradutor de Virgilio e poeta frances.

(40) Fourier (1772-1837), socialista frances, teorico dos falansterios. Froebel (1782-1852), pedagogo alemao, criador dos kindergarten (jardins de infancia), apologista de um conceito de educacao baseado na actividade da crianca e no desenvolvimento natural.

(41) Joao Crisostomo Melicio (1837-?), jornalista, foi fundador e redactor da Gazeta do Povo e do Comercio de Portugal. Ligado ao Partido Progressista, exerceu diversos cargos publicos, entre eles o de deputado e par do Reino. Levy Maria Jordao, Visconde de de Paiva Manso (1831-75), doutor em Direito pela Universidade de Coimbra, advogado, exerceu as funcoes de vereador da camara de Lisboa, deputado e ajudante do procurador geral da coroa. Viria a ter um papel destacado na defesa dos direitos portugueses a Lourenco Marques.

(42) Rio Branco, Jose Maria da Silva Paranhos (1818-80), politico brasileiro, desempenhou diversos cargos publicos, entre eles, o de presidente do ministerio (1871-75). Adoptou a 'Lei do ventre-livre' (que deu liberdade aos escravos nascituros) e uma politica regalista na questao dos bispos do Para e Olinda, a que O. M. se refere. Marques de Caxias (1803-80), Luis Alves de Lima e Silva, militar e politico brasileiro, veterano da independencia, chefiou mais tarde o exercito brasileiro na Guerra do Paraguai (1867) e recebeu o titulo de duque (1869).

(43) Anselmo Jose Braamcamp (1817-1885), formado em Direito pela Universidade de Coimbra, lider do Partido Progressista desde 1875, exerceu diversas funcoes politicas, entre elas as de deputado (pela primeira vez em 1851), ministro do Reino (1862-64), da Justica (1865), da Fazenda (1869-70) e presidente do ministerio (1879-81). Oliveira Martins admirava as suas qualidades politicas e eticas, considerando-o o 'chefe da democracia portuguesa' [cf. 'Anselmo Braamcamp' [1885], A Provincia (Lisboa: Guimaraes Editora, 1958), II, pp. 384 e ss].
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