Contrapontos da literatura indigena contemporanea no Brasil.
Silva, Mauricio
GRAUNA, G. Contrapontos da literatura indigena contemporanea no
Brasil. Belo Horizonte, Mazza, 2013. 200 p. ISBN 8571605912
Deve parecer, 'no minimo', curioso a muitos leitores um
livro que trata da producao literaria indigena no Brasil, ja que, para
muitos interessados na expressao literaria nacional--mesmo aqueles
especialistas em critica e historiografia literarias--, a existencia de
uma literatura indigena brasileira deve soar como algo, 'no
maximo', hipotetico. Isso pode ser tanto mais estranho, ao
pensarmos nao apenas numa literatura brasileira indigena, mas ainda numa
literatura 'contemporanea' e que pode ser discutida na
perspectiva de seus 'contrapontos'...
E exatamente isso que faz a pesquisadora e professora universitaria
de origem indigena Graca Grauna, em seu mais recente livro:
"Contrapontos da literatura indigena contemporanea no Brasil"
(GRAUNA, 2013).
A autora comeca definindo a literatura indigena contemporanea nos
seguintes termos:
[...] a literatura indigena contemporanea e um lugar utopico (de
sobrevivencia), uma variante do epico tecido pela oralidade; um lugar de
confluencia de vozes silenciadas e exiladas (escritas), ao longo dos
mais de 500 anos de colonizacao. Enraizada nas origens, a literatura
indigena contemporanea vem se preservando na auto-historia de seus
autores e autoras e na recepcao de um publico-leitor diferenciado, isto
e, uma minoria que semeia outras leituras possiveis no universo de
poemas e prosas autoctones (GRAUNA, 2013, p. 15).
Desse modo, a autora se propoe a estudar um conjunto de obras de
autores da literatura indigena contemporanea de lingua portuguesa, com
base nos estudos culturais, propondo uma 'leitura das
diferencas'. Assim, sua abordagem nao apenas confronta a atual
producao literaria indigena no Brasil com a producao nao indigena, mas
tambem busca discutir a relacao daquela com conceitos como os de
identidade, auto-historia, deslocamento, alteridade e outros, numa
perspectiva que se assenta na 'transversalidade'.
Para Graca Grauna, a literatura indigena no Brasil continua sendo
negada, da mesma forma que os proprios povos indigenas, apesar da luta
em favor deles, desde a decada de 1970, pela Uniao das Nacoes Indigenas
(UNI); da inclusao dos direitos dos indios na Constituicao de 1988; do
surgimento, nos anos 1990, do Conselho de Articulacao dos Povos e
Organizacoes Indigenas do Brasil (Capoib) etc.
Lembrando que
[...] o estudo da representacao do negro e do indio na literatura
requer uma abordagem especifica [...] A expressao artistica do amerindio
e do africano sugere uma leitura das diferencas, pois o ato de conhecer
o outro implica o ato de interiorizar a historia, a autohistoria, as
nossas raizes (GRAUNA, 2013, p. 47),
a autora faz ainda uma revisao sucinta da influencia e da
representacao do indio na literatura ocidental, em particular na
brasileira, ate chegar na literatura indigena contemporanea, que
exprimem, entre outras coisas, um sentido de resistencia e de
sobrevivencia, o direito a palavra oral ou escrita, a denuncia do
neocolonialismo e da opressao linguistica e cultural etc. Procura
estudar, nesse sentido, com mais profundidade, a producao literaria de
Eliane Potiguara, Daniel Munduruku, Satere Yama, Olivio Jekupe e Rene
Kithaulu.
Concluindo, a autora afirma:
Reconhecer a propriedade intelectual indigena implica respeitar as
varias faces de sua manifestacao. Isso quer dizer que a nocao de
coletivo nao esta dissociada do livro individual de autoria indigena;
nunca esteve, muito menos agora com a forca do pensamento indigena
configurando diferenciadas(os) estantes e instantes da palavra. Ao tomar
o rumo da escrita no formato de livro, os mitos de origem nao perdem a
funcao nem o sentido, pois continuam sendo transmitidos de geracao em
geracao, em variados caminhos: no porantim, no tracado das esteiras e
dos cestos, na feitura do barro, na pintura corporal, nas contas de um
colar, na poesia, na contacao de historias e outros fazeres identitarios
que os Filhos e as Filhas da Terra utilizam como legitimas expressoes
artisticas, ligando-as tambem ao sagrado (GRAUNA, 2013, p. 172).
Mobilizando um vasto cabedal de teorias e perspectivas
metodologicas, que vao da antropologia (Clifford, Mindlin, Clastres) aos
estudos culturais (Hall, Bhabha, Canclini), passando ainda pela teoria
literaria, pela filosofia e pela historia, Graca Grauna nos oferece um
estudo perspicaz e inteligente de um assunto ainda pouco explorado pela
academia, mas que merece nao apenas ser mais pesquisado, mas
principalmente mais conhecido e respeitado pelos leitores e
pesquisadores de nossa cultura. E seu livro constitui um importante
passo nessa direcao.
Doi: 10.4025/actascilangcult.v37i3.24654
References
GRAUNA, G. Contrapontos da literatura indigena contemporanea no
Brasil. Belo Horizonte: Mazza, 2013.
Received on August 12, 2014.
Accepted on May 15, 2015.
License information: This is an open-access article distributed
under the terms of the Creative Commons Attribution License, which
permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium,
provided the original work is properly cited.
Mauricio Silva
Universidade Nove de Julho, Avenida Francisco Matarazzo, 612,
05001-000, Sao Paulo, Sao Paulo, Brasil. E-mail:
[email protected]