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文章基本信息

  • 标题:O trajeto autobiografico de Graciliano Ramos.
  • 作者:Amorim, Marcelo
  • 期刊名称:Romance Notes
  • 印刷版ISSN:0035-7995
  • 出版年度:2011
  • 期号:September
  • 语种:English
  • 出版社:University of North Carolina at Chapel Hill, Department of Romance Languages
  • 摘要:Para verificar-se a genese do projeto do autobiografo, faremos referencia inicialmente ao lugar de Infancia dentro da obra de Ramos como um todo, e como tal narrativa funciona enquanto forca coesiva que traz novos significados para as experiencias relatadas, em outros livros do autor, por personagens ficcionais e autobiograficos. Para tanto, procede-se a esclarecimentos de como o menino de Infancia concatenase aos herois de outros livros, a comecar pelo protagonista de Angustia.

O trajeto autobiografico de Graciliano Ramos.


Amorim, Marcelo


COM este artigo, pretendemos mostrar que a cogitacao autobiografica presente no espirito de Graciliano Ramos desde sua mais tenra idade motivou-se pela necessidade que o autor tinha de relatar suas experiencias passadas a partir de um significado reclamado pelo tempo presente e pela sua condicao de autodidata. Entenderemos por que ele precisa contar sua trajetoria, enfocando a fase em que ocorre seu aprendizado do alfabeto e a aquisicao dos letramentos que o levarao, no futuro, a tornar-se escritor. Alfabeto e letramento, assim, sao pintados como eventos cruciais que o transformam e estao associados ao proprio relato autobiografico. A narrativa de si mesmo, alem de cumprir sua funcao representativa, tem seu sentido completado como certificacao final da propria trajetoria de letramento. Apontamos assim uma sugestao de resposta que explique a razao de ser de Infancia, indicando semelhancas na trajetoria do autobiografo que o aproximam do percurso do autodidata. Pode-se dizer, pois, que a autobiografia e escrita como derradeira necessidade de representacao do autodidata.

Para verificar-se a genese do projeto do autobiografo, faremos referencia inicialmente ao lugar de Infancia dentro da obra de Ramos como um todo, e como tal narrativa funciona enquanto forca coesiva que traz novos significados para as experiencias relatadas, em outros livros do autor, por personagens ficcionais e autobiograficos. Para tanto, procede-se a esclarecimentos de como o menino de Infancia concatenase aos herois de outros livros, a comecar pelo protagonista de Angustia.

Angustia talvez seja o livro de Ramos mais criticado pelo proprio autor. Em uma carta do escritor a Antonio Candido, apresentada no prefacio de Ficcao e confissao (7-9), Ramos diz que Angustia e "um livro mal escrito [...]: muita repeticao desnecessaria, um divagar maluco em torno de coisinhas bestas, desequilibrio, excessiva gordura". Em Memorias do carcere, volta a avaliacao impiedosa:

Por que foi que um dos meus livros saiu tao ruim, pior que os outros? pergunta o critico honesto. E a alinha explicacoes inaceitaveis. Nada disso: acho que e ruim porque esta mal escrito. E esta mal escrito porque nao foi emendado, nao se cortou pelo menos a terca parte dele. (34)

Na opiniao de Candido, porem, Angustia, tecnicamente, "e o livro mais complexo de Graciliano Ramos. [...] Senhor dos recursos de descricao, dialogo e analise, emprega-os aqui num plano que transcende completamente o naturalismo" (80). Seja como for, "mal escrito" ou tecnicamente complexo, Angustia revela fatos muito uteis sobre Ramos e sua obra. O protagonista Luis da Silva, que vive numa casa velha e cheia de ratos, e um funcionario publico que, para complementar a renda, escreve textos sob encomenda para jornais. As vesperas de se casar com a vizinha Marina e com dividas contraidas pelos presentes comprados a noiva, o protagonista percebe o afastamento da amada depois que entra em cena Juliao Tavares, sujeito eloquente e rico, que lhe arrebata Marina, abandonando-a gravida. Humilhado e tomado pelo odio, Luis da Silva resolve matar Juliao Tavares, o que faz com sucesso.

Logo apos executar o crime, o protagonista cai enfermo por trinta dias. Ao fim do periodo de convalescenca, poe-se em andamento uma narrativa em primeira pessoa, atraves da qual se faz o resgate claro do passado atraves de reminiscencias. A estrutura do romance e a da memoria, constituida por um narrador de 35 anos que resume a historia de aproximadamente um ano de vida. O tempo e complexo, com varios retrocessos e avancos, mas, no geral, a partir de certo ponto, a voz narrativa passa a empregar tempos verbais passados. Como ha um numero razoavel de dialogos entre personagens, a impressao do presente contrasta com a voz do narrador, que e o centro focal de todo o texto. A narrativa parece tomar a forma do estado de espirito oscilante do protagonista. A progressao do assunto em Angustia e admiravel. Em certo ponto (33), a narrativa torna-se retrospectiva: focaliza a cena do encontro com Marina, no quintal do personagem Luis. A partir dai, decorrem a ascensao e a decadencia do relacionamento; a leviandade de Marina, deixando-se cortejar por outro homem, mais rico; o ciume e o engendramento do crime; e, finalmente, a sua consecucao.

A narrativa parece uma retomada em relato da propria vida, nao apenas do protagonista Luis da Silva. Angustia, em varios momentos, pinta quadros que remetem ao proprio Graciliano Ramos. O personagem principal e o autor compartilham de certas caracteristicas e determinados habitos e memorias:

Lavo as maos uma infinidade de vezes por dia, lavo as canetas antes de escrever, tenho horror as apresentacoes, aos cumprimentos, em que e necessario apertar a mao que nao sei por onde andou, a mao que meteu os dedos no nariz ou mexeu nas coxas de qualquer Marina. Preciso muita agua e muito sabao. (192)

O sentimento de abjecao de Luis da Silva, como mostra Candido (34), aparece em Angustia diversas vezes na forma da obsessao pela "agua purificadora". Ricardo Ramos, em Graciliano: retrato fragmentado, comentando sobre os habitos do pai, lembrara que Ramos "tinha mania de limpeza":

Simplesmente relembro. Mais que tudo, o lavar as maos. Livrar-se de poeiras, de objetos, de contatos. A limpar-se de imaginarias impurezas. Sou testemunha, e admito que me divertindo, das ocasioes em que lhe apertavam a mao, dentro de casa, e ele disfarcado saia para lava-la. Antes disso, nem acendia um cigarro. (96-7)

Uma possivel explicacao para a mania de Ramos esta num episodio de Infancia, em que a professora Dona Maria pergunta-lhe se lavara as orelhas, aconselhando a que cuidasse bem delas. O menino comeca, a partir dali, a assea-las com exagero, chegando a feri-las. A mestra, notando o excesso, recomenda-lhe deixa-las em paz, ao que Ramos comenta: "Desobedeci: havia contraido um habito e receava outra admoestacao, pior que insultos e gritos" (112). As semelhancas entre Luis da Silva e Ramos, porem, nao se restringem a compulsao pela higiene. Tambem o protagonista de Angustia (11-20), voltando de bonde para casa apos o trabalho, lembrara de sua infancia, da escola, dos professores, do pai, dos avos, das licoes do alfabeto, dos sapos cantando no acude da Penha. Os personagens evocados durante os episodios da meninice de Luis da Silva, em sua maioria, estarao elencados tambem em Infancia: a preta Quiteria, Teotoninho Sabia, Antonio Justino, o velho Acrisio, padre Inacio, Joaquim Sabia, Rosenda lavadeira, Cabo Jose da Luz, Amaro vaqueiro. As figuras dos avos e do pai de Luis da Silva, em linhas gerais, assemelham-se aqueles descritos em Infancia.

Candido questiona-se ate que ponto haveria elementos da vida do autor no material autobiografico do protagonista Luis, lembrando que Ramos, no discurso durante um jantar em homenagem aos seus cinquenta anos, teria declarado: "Ninguem dira que sou vaidoso referindo-me a esses tres individuos, porque nao sou Paulo Honorio, nao sou Luis da Silva, nao sou Fabiano" (41). Comentando a respeito da afirmacao de Ramos, Candido concluira que:

Quanto ao primeiro e ao terceiro, nao ha duvida. Do segundo, nota-se que a sua meninice e, pouco mais ou menos, a narrada em Infancia. So que reduzida a elementos da etapa anterior aos dez anos, quando morou na fazenda, a sombra do avo materno (aqui, paterno), e na vila de Buique; aproveitou, pois, a parte do sertao, como quem quer dar maior aspereza as raizes do personagem. Pelas Memorias do Carcere, sabemos ainda que emprestou a este emocoes e experiencias dele proprio, inclusive o desagrado pelo contacto fisico e o episodio com a filha da dona da pensao, no cinema, que o obseda. E nao e dificil perceber que deu a Luis da Silva algo de muito seu: a vocacao literaria, o odio ao burgues e coisas ainda mais profundas. (41)

Entretanto, em 1948, aos 56 anos, em entrevista concedida a Homero Senna, Ramos aparentemente reformula o discurso proferido durante o cinquentenario. Diante da mesma pergunta--"Sua obra de ficcao e autobiografica?"-, o escritor respondera:

--Nao se lembra do que lhe disse a respeito do delirio no hospital? Nunca pude sair de mim mesmo. So posso escrever o que sou. E se as personagens se comportam de modos diferentes, e porque nao sou um so. Em determinadas condicoes, procederia como esta ou aquela das minhas personagens. Se fosse analfabeto, por exemplo, seria tal qual Fabiano... (207)

E aparente, todavia, a discrepancia entre o discurso de 1942 e a entrevista de 1948. Ramos nao sera seus personagens--nem ficcionais nem autobiograficos-, em todas as suas feicoes, porque personagens sao representacoes. Falando para seus pares, Ramos colocava em pauta reflexoes sobre o fazer da arte literaria e de sua capacidade de representar. Na entrevista a Senna, o enfoque e o da experiencia conjugada ao conceito de verossimilhanca: antecedendo a arte existe a vida, que deve ser comunicada de forma convincente e organica. E preciso sacar de dentro de si aquilo que tenha a faculdade de produzir um efeito real ou aproximado da experiencia de outros homens. A representacao, assim, tem para ele um potencial referencial que se esteia em experiencias subjetivas, reiteradas na coletividade. Dessa forma, compreende-se o paradoxo de ser e nao ser personagens, nao havendo incoerencia entre as duas afirmacoes.

Retomando Angustia: Ramos nao e Luis da Silva--e o seu criador. Se o escritor narra o que e--nao e o que narra--, e Luis da Silva que e (parte de) Ramos. Nesse sentido, parece verdadeiro que toda a sua obra de ficcao seja autobiografica. A concatenacao entre Luis da Silva-e dos demais herois em outros livros--e o homem Graciliano Ramos talvez se efetue mais clara e proveitosamente dentro do proprio sistema literario do escritor. Ou seja, e atraves de certo protagonista--o de Infancia que se chega a plenitude de outros personagens, como Joao Valerio e Fabiano. Estendendo o que o proprio Ramos afirma na entrevista sobre o protagonista de Vidas secas--"Se fosse analfabeto [...] seria tal qual Fabiano"-, pode-se considerar o menino de Infancia como uma especie de "embriao de Luis da Silva, de Joao Valerio e do proprio Fabiano" (Candido 53). Parece razoavel o pensamento de Candido quando sugere que o menino anonimo poderia ter se transformado em qualquer um desses herois, ate no de Vidas secas, se as estiagens houvessem arruinado os negocios de sua familia ou, segundo o proprio autor, caso nao tivesse aprendido o alfabeto.

O menino de Infancia poderia ter se tornado qualquer um, e verdade. O livro foi publicado em 1945, portanto, apos Caetes (1933), Angustia (1936) e Vidas secas (1938). Pode-se mesmo dizer que o fato de o protagonista ser anonimo nao tera sido acidental, mas uma maneira de Ramos franquear sua identificacao a outros personagens ficcionais. De todos eles, apenas Paulo Honorio--por desconhecer os pais e ter sido criado pela velha Margarida, vendedora de doces--parece nao ter uma infancia compativel a do menino de Infancia. Naturalmente, o protagonista menino remete, finalmente, tambem ao Ramos narradorprotagonista de Memorias do carcere. Diante de todas as possibilidades, e na narrativa memorialistica que o garoto encontrara sua contraparte madura, vivendo o destino que, na decada de 1930, tiveram varios intelectuais. Assim, o Graciliano Ramos menino cresce, tornando-se o Graciliano Ramos adulto, escritor, preso politico e pai de familia. Sua sina nao parece melhor do que a de nenhum de seus personagens. Tambem para ele foi inexoravel e impiedosa a sorte. Homem como todos os outros, sua diferenca esta em que pode registrar sua historia.

Articulando-se dentro do projeto literario de Ramos, portanto, Infancia atua como uma forca que traz unidade e nova luz para as aventuras e desventuras narradas por personagens ficcionais e autobiograficos dos outros livros. Oferecendo as exegeses possiveis para o projeto literario de Ramos, Infancia constituira uma de suas mais importantes narrativas. Ela elucida a genese de todos os herois e de suas trajetorias no projeto literario do autor.

Todavia, nao tera sido apenas para tornar mais coerente sua obra que Ramos escreveu Infancia. Jean Starobinski assenta no presente do autor a premencia de significar atraves da narrativa:

The narrator describes not only what happened to him at a different time in his life but above all how he became--out of what he was--what he presently is. [...] It becomes necessary to retrace the genesis of the present situation, the antecedents of the moment from which the present "discourse" stems. The chain of experiences traces a path (though a sinuous one) that ends in the present state of recapitulatory knowledge. (78-9)

O presente do narrador e, portanto, o ponto de apoio de onde emana a necessidade de evocar as memorias. Dificilmente se escreveria uma autobiografia, segue Starobinski (78-9), sem que uma mudanca radical tivesse ocorrido na vida do escritor. A transformacao interna do individuo e o carater exemplar da mudanca fornecem o assunto para o discurso narrativo no qual o eu e tanto sujeito quanto objeto. No caso de Ramos, a justificativa mais imediata a que se pode acorrer seria sua prisao em 1936. Desde a mais abjeta experiencia, vivida a bordo do imundo porao do navio Manaus, com trezentas pessoas, ate as enfermidades e padecimentos sofridos e presenciados nas cadeias, Ramos teria todos os motivos para jamais voltar a ser quem foi. Assim, faz sentido que os dois livros memorialisticos assinados pelo autor tenham sido escritos depois de 1937, apos sua traumatizante experiencia nos carceres da capital.

Talvez nao seja muito pontual afirmar que a experiencia da prisao tenha exercido papel exclusivo na escrita autobiografica de Ramos, embora seja inegavel que haja, de fato, provido material para suas memorias. A configuracao de um eu como sujeito e objeto do discurso, pelo menos enquanto tema, encontra-se presente na narrativa de Ramos desde os seus primeiros escritos. Aos onze anos, como vemos em Infancia (225-30), Ramos, em seus primeiros exercicios com a literatura, escreve o "Pequeno mendigo"--que, na realidade, se chama "Pequeno pedinte"-, miniconto de teor ja visivelmente autobiografico.

A semelhanca do "menino pedinte" com a vida do proprio protagonista de Infancia e mais tematica do que literal. O menino de Infancia nao pede esmolas a porta de uma igreja, mas tanto ele quanto o personagem de seu conto partilham dos mesmos sentimentos de abandono e vergonha, carencia afetiva e dor, desprezo e negligencia. Seria valido inferir que a escrita do pre-adolescente ja contem marcas de autorreferencialidade, antecipacoes do que viria a ser, com Infancia, um projeto maior da narrativa autobiografica. Portanto, Ramos, desde que foi capaz de criar com as letras aprendidas a duras penas, ja tinha no espirito a cogitacao autobiografica, que marcou, de uma forma ou de outra, toda a sua obra. Se a sua experiencia na prisao foi o que acabou de impulsiona-lo a escrever os dois livros autobiograficos, torna-se necessario redescobrir ou resgatar as experiencias que foram realmente significativas para o autor desde o inicio de sua vida. E estas experiencias estao relatadas em Infancia.

A primeira grande mudanca na vida de Ramos comecou a acontecer quando ele tinha cerca de seis anos. Essa transformacao, porem, diferentemente da prisao, nao vem inesperadamente: ao contrario, leva muito tempo para completar-se, como um processo lento, mas definitivo, que gradualmente converte o menino intimidado pelas dimensoes dos objetos e das pessoas, em Infancia, no homem integral, que se expressa clara e diretamente a um diretor de presidio, em Memorias do carcere. O que sucedeu na vida de Ramos, mudando-a decisivamente e consentindo que participasse a humanidade suas experiencias, tera sido o alfabeto, e o processo inexoravel que o transformou, permitindo que se manifestasse como artista, o letramento.

Se e verdade que o autobiografo nao se furtara a falar sobre sua grande transformacao e dos eventos que a possibilitaram, as experiencias que lhe causaram profundo impacto sobre a vida, nao sera contrassenso deduzir que, dentro da narrativa autobiografica, no mais das vezes, havera espaco suficiente para relatar a trajetoria de aquisicao das letras e da arte. Infancia e o espaco no qual Ramos esclarece por que se distingue, em certos aspectos, do Fabiano de Vidas secas e do ladrao Jose de Memorias do carcere. Nos dois momentos aqui ja apresentados, em que Ramos refere-se a esses dois personagens, ele apontara a letra como marca da diferenca. Em consequencia da importancia que exerceu na formacao do homem e do escritor Graciliano Ramos, o alfabeto figurara quase como um personagem em Infancia.

No presente do narrador, a condicao de escritor se manifestara, em principio, pelo rigor com a linguagem e pelo tratamento estilistico que chama a atencao para o proprio texto. Em seguida, passara pelo conteudo narrativo epilinguistico, que faz comentarios sobre a lingua sem recorrer a terminologia, e chegara as ponderacoes metaliterarias, como a que segue:

Meu avo [...] tinha habilidade notavel e muita paciencia. [...] Suou na composicao das urupemas. Se resolvesse desmanchar uma, estudaria facilmente a fibra, o aro, o tecido. Julgava isto um plagio. Trabalhador caprichoso e honesto, procurou os seus caminhos e executou urupemas fortes, seguras. Provavelmente nao gostavam delas: prefeririam velas tradicionais e corriqueiras, enfeitadas e frageis. O autor, insensivel a critica, perseverou nas urupemas rijas e sobrias, nao porque as estimasse, mas porque eram o meio de expressao que lhe parecia mais razoavel. (Ramos, Infancia 17-18)

Como lembra Candido (52), ao falar sobre o avo, Ramos revela muito de si mesmo e da forma como lida com a sua vocacao de artista, um artifice da linguagem. Substituindo-se, no fragmento, a figura do avo pela de Ramos, constatamos que a passagem retrata o proprio processo da escrita da obra, o modo como um projeto literario e feito com obstinacao, interrupcoes, avancos, retrocessos, eliminando-se enfeites, recebendo-se criticas, finalmente chegando-se a um modo de expressao razoavel, porque naturalmente imperfeito, devido ao tremendo senso de autocritica de Ramos.

Assim, a trajetoria do autobiografo em Infancia, descrevendo os passos da aquisicao do letramento e colocando em pauta a questao literaria pela sintese da criacao artistica, tem como um de seus motivos principais relatar por que e como Ramos tornou-se o que e--um escritor. Ou seja, a condicao de letramento presente do narrador de Infancia precisa ser explicada. Tambem para isso ele escrevera uma narrativa autobiografica em que figura sua historia de aprendizado das letras e parte do percurso que fez para ali chegar. Nesse sentido, a trajetoria do autobiografo assemelha-se a do autodidata: ambos voltam seus olhares para o passado com o intuito de passar a limpo sua vida, registrando os eventos incisivos de sua experiencia.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL

OBRAS CITADAS

Candido, Antonio. Ficcao e confissao: ensaios sobre Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.

Olney, James. Autobiography: Essays Theoretical and Critical. Princeton: Princeton UP, 1980.

Ramos, Graciliano. Angustia. 60a. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

--. Caetes. 31a. Rio de Janeiro: Record, 2006.

--. Infancia. 38a. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.

--. Vidas secas. 100a. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.

--. Memorias do carcere. 36a. ed. 2 vols. Rio de Janeiro: Record, 2000.

Ramos, Ricardo. Graciliano: retrato fragmentado. Sao Paulo: Siciliano, 1992.

Senna, Homero. Republica das letras: entrevistas com vinte grandes escritores brasileiros. 3a. ed. Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira, 1996.

Starobinski, Jean. "The Style of Autobiography." Autobiography: Essays Theoretical and Critical. James Olney, ed. Princeton: Princeton UP, 1980. 73-83.
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