O trajeto autobiografico de Graciliano Ramos.
Amorim, Marcelo
COM este artigo, pretendemos mostrar que a cogitacao autobiografica
presente no espirito de Graciliano Ramos desde sua mais tenra idade
motivou-se pela necessidade que o autor tinha de relatar suas
experiencias passadas a partir de um significado reclamado pelo tempo
presente e pela sua condicao de autodidata. Entenderemos por que ele
precisa contar sua trajetoria, enfocando a fase em que ocorre seu
aprendizado do alfabeto e a aquisicao dos letramentos que o levarao, no
futuro, a tornar-se escritor. Alfabeto e letramento, assim, sao pintados
como eventos cruciais que o transformam e estao associados ao proprio
relato autobiografico. A narrativa de si mesmo, alem de cumprir sua
funcao representativa, tem seu sentido completado como certificacao
final da propria trajetoria de letramento. Apontamos assim uma sugestao
de resposta que explique a razao de ser de Infancia, indicando
semelhancas na trajetoria do autobiografo que o aproximam do percurso do
autodidata. Pode-se dizer, pois, que a autobiografia e escrita como
derradeira necessidade de representacao do autodidata.
Para verificar-se a genese do projeto do autobiografo, faremos
referencia inicialmente ao lugar de Infancia dentro da obra de Ramos
como um todo, e como tal narrativa funciona enquanto forca coesiva que
traz novos significados para as experiencias relatadas, em outros livros
do autor, por personagens ficcionais e autobiograficos. Para tanto,
procede-se a esclarecimentos de como o menino de Infancia concatenase
aos herois de outros livros, a comecar pelo protagonista de Angustia.
Angustia talvez seja o livro de Ramos mais criticado pelo proprio
autor. Em uma carta do escritor a Antonio Candido, apresentada no
prefacio de Ficcao e confissao (7-9), Ramos diz que Angustia e "um
livro mal escrito [...]: muita repeticao desnecessaria, um divagar
maluco em torno de coisinhas bestas, desequilibrio, excessiva
gordura". Em Memorias do carcere, volta a avaliacao impiedosa:
Por que foi que um dos meus livros saiu tao ruim, pior que os
outros? pergunta o critico honesto. E a alinha explicacoes inaceitaveis.
Nada disso: acho que e ruim porque esta mal escrito. E esta mal escrito
porque nao foi emendado, nao se cortou pelo menos a terca parte dele.
(34)
Na opiniao de Candido, porem, Angustia, tecnicamente, "e o
livro mais complexo de Graciliano Ramos. [...] Senhor dos recursos de
descricao, dialogo e analise, emprega-os aqui num plano que transcende
completamente o naturalismo" (80). Seja como for, "mal
escrito" ou tecnicamente complexo, Angustia revela fatos muito
uteis sobre Ramos e sua obra. O protagonista Luis da Silva, que vive
numa casa velha e cheia de ratos, e um funcionario publico que, para
complementar a renda, escreve textos sob encomenda para jornais. As
vesperas de se casar com a vizinha Marina e com dividas contraidas pelos
presentes comprados a noiva, o protagonista percebe o afastamento da
amada depois que entra em cena Juliao Tavares, sujeito eloquente e rico,
que lhe arrebata Marina, abandonando-a gravida. Humilhado e tomado pelo
odio, Luis da Silva resolve matar Juliao Tavares, o que faz com sucesso.
Logo apos executar o crime, o protagonista cai enfermo por trinta
dias. Ao fim do periodo de convalescenca, poe-se em andamento uma
narrativa em primeira pessoa, atraves da qual se faz o resgate claro do
passado atraves de reminiscencias. A estrutura do romance e a da
memoria, constituida por um narrador de 35 anos que resume a historia de
aproximadamente um ano de vida. O tempo e complexo, com varios
retrocessos e avancos, mas, no geral, a partir de certo ponto, a voz
narrativa passa a empregar tempos verbais passados. Como ha um numero
razoavel de dialogos entre personagens, a impressao do presente
contrasta com a voz do narrador, que e o centro focal de todo o texto. A
narrativa parece tomar a forma do estado de espirito oscilante do
protagonista. A progressao do assunto em Angustia e admiravel. Em certo
ponto (33), a narrativa torna-se retrospectiva: focaliza a cena do
encontro com Marina, no quintal do personagem Luis. A partir dai,
decorrem a ascensao e a decadencia do relacionamento; a leviandade de
Marina, deixando-se cortejar por outro homem, mais rico; o ciume e o
engendramento do crime; e, finalmente, a sua consecucao.
A narrativa parece uma retomada em relato da propria vida, nao
apenas do protagonista Luis da Silva. Angustia, em varios momentos,
pinta quadros que remetem ao proprio Graciliano Ramos. O personagem
principal e o autor compartilham de certas caracteristicas e
determinados habitos e memorias:
Lavo as maos uma infinidade de vezes por dia, lavo as canetas antes
de escrever, tenho horror as apresentacoes, aos cumprimentos, em que e
necessario apertar a mao que nao sei por onde andou, a mao que meteu os
dedos no nariz ou mexeu nas coxas de qualquer Marina. Preciso muita agua
e muito sabao. (192)
O sentimento de abjecao de Luis da Silva, como mostra Candido (34),
aparece em Angustia diversas vezes na forma da obsessao pela "agua
purificadora". Ricardo Ramos, em Graciliano: retrato fragmentado,
comentando sobre os habitos do pai, lembrara que Ramos "tinha mania
de limpeza":
Simplesmente relembro. Mais que tudo, o lavar as maos. Livrar-se de
poeiras, de objetos, de contatos. A limpar-se de imaginarias impurezas.
Sou testemunha, e admito que me divertindo, das ocasioes em que lhe
apertavam a mao, dentro de casa, e ele disfarcado saia para lava-la.
Antes disso, nem acendia um cigarro. (96-7)
Uma possivel explicacao para a mania de Ramos esta num episodio de
Infancia, em que a professora Dona Maria pergunta-lhe se lavara as
orelhas, aconselhando a que cuidasse bem delas. O menino comeca, a
partir dali, a assea-las com exagero, chegando a feri-las. A mestra,
notando o excesso, recomenda-lhe deixa-las em paz, ao que Ramos comenta:
"Desobedeci: havia contraido um habito e receava outra admoestacao,
pior que insultos e gritos" (112). As semelhancas entre Luis da
Silva e Ramos, porem, nao se restringem a compulsao pela higiene. Tambem
o protagonista de Angustia (11-20), voltando de bonde para casa apos o
trabalho, lembrara de sua infancia, da escola, dos professores, do pai,
dos avos, das licoes do alfabeto, dos sapos cantando no acude da Penha.
Os personagens evocados durante os episodios da meninice de Luis da
Silva, em sua maioria, estarao elencados tambem em Infancia: a preta
Quiteria, Teotoninho Sabia, Antonio Justino, o velho Acrisio, padre
Inacio, Joaquim Sabia, Rosenda lavadeira, Cabo Jose da Luz, Amaro
vaqueiro. As figuras dos avos e do pai de Luis da Silva, em linhas
gerais, assemelham-se aqueles descritos em Infancia.
Candido questiona-se ate que ponto haveria elementos da vida do
autor no material autobiografico do protagonista Luis, lembrando que
Ramos, no discurso durante um jantar em homenagem aos seus cinquenta
anos, teria declarado: "Ninguem dira que sou vaidoso referindo-me a
esses tres individuos, porque nao sou Paulo Honorio, nao sou Luis da
Silva, nao sou Fabiano" (41). Comentando a respeito da afirmacao de
Ramos, Candido concluira que:
Quanto ao primeiro e ao terceiro, nao ha duvida. Do segundo,
nota-se que a sua meninice e, pouco mais ou menos, a narrada em
Infancia. So que reduzida a elementos da etapa anterior aos dez anos,
quando morou na fazenda, a sombra do avo materno (aqui, paterno), e na
vila de Buique; aproveitou, pois, a parte do sertao, como quem quer dar
maior aspereza as raizes do personagem. Pelas Memorias do Carcere,
sabemos ainda que emprestou a este emocoes e experiencias dele proprio,
inclusive o desagrado pelo contacto fisico e o episodio com a filha da
dona da pensao, no cinema, que o obseda. E nao e dificil perceber que
deu a Luis da Silva algo de muito seu: a vocacao literaria, o odio ao
burgues e coisas ainda mais profundas. (41)
Entretanto, em 1948, aos 56 anos, em entrevista concedida a Homero
Senna, Ramos aparentemente reformula o discurso proferido durante o
cinquentenario. Diante da mesma pergunta--"Sua obra de ficcao e
autobiografica?"-, o escritor respondera:
--Nao se lembra do que lhe disse a respeito do delirio no hospital?
Nunca pude sair de mim mesmo. So posso escrever o que sou. E se as
personagens se comportam de modos diferentes, e porque nao sou um so. Em
determinadas condicoes, procederia como esta ou aquela das minhas
personagens. Se fosse analfabeto, por exemplo, seria tal qual Fabiano...
(207)
E aparente, todavia, a discrepancia entre o discurso de 1942 e a
entrevista de 1948. Ramos nao sera seus personagens--nem ficcionais nem
autobiograficos-, em todas as suas feicoes, porque personagens sao
representacoes. Falando para seus pares, Ramos colocava em pauta
reflexoes sobre o fazer da arte literaria e de sua capacidade de
representar. Na entrevista a Senna, o enfoque e o da experiencia
conjugada ao conceito de verossimilhanca: antecedendo a arte existe a
vida, que deve ser comunicada de forma convincente e organica. E preciso
sacar de dentro de si aquilo que tenha a faculdade de produzir um efeito
real ou aproximado da experiencia de outros homens. A representacao,
assim, tem para ele um potencial referencial que se esteia em
experiencias subjetivas, reiteradas na coletividade. Dessa forma,
compreende-se o paradoxo de ser e nao ser personagens, nao havendo
incoerencia entre as duas afirmacoes.
Retomando Angustia: Ramos nao e Luis da Silva--e o seu criador. Se
o escritor narra o que e--nao e o que narra--, e Luis da Silva que e
(parte de) Ramos. Nesse sentido, parece verdadeiro que toda a sua obra
de ficcao seja autobiografica. A concatenacao entre Luis da Silva-e dos
demais herois em outros livros--e o homem Graciliano Ramos talvez se
efetue mais clara e proveitosamente dentro do proprio sistema literario
do escritor. Ou seja, e atraves de certo protagonista--o de Infancia que
se chega a plenitude de outros personagens, como Joao Valerio e Fabiano.
Estendendo o que o proprio Ramos afirma na entrevista sobre o
protagonista de Vidas secas--"Se fosse analfabeto [...] seria tal
qual Fabiano"-, pode-se considerar o menino de Infancia como uma
especie de "embriao de Luis da Silva, de Joao Valerio e do proprio
Fabiano" (Candido 53). Parece razoavel o pensamento de Candido
quando sugere que o menino anonimo poderia ter se transformado em
qualquer um desses herois, ate no de Vidas secas, se as estiagens
houvessem arruinado os negocios de sua familia ou, segundo o proprio
autor, caso nao tivesse aprendido o alfabeto.
O menino de Infancia poderia ter se tornado qualquer um, e verdade.
O livro foi publicado em 1945, portanto, apos Caetes (1933), Angustia
(1936) e Vidas secas (1938). Pode-se mesmo dizer que o fato de o
protagonista ser anonimo nao tera sido acidental, mas uma maneira de
Ramos franquear sua identificacao a outros personagens ficcionais. De
todos eles, apenas Paulo Honorio--por desconhecer os pais e ter sido
criado pela velha Margarida, vendedora de doces--parece nao ter uma
infancia compativel a do menino de Infancia. Naturalmente, o
protagonista menino remete, finalmente, tambem ao Ramos
narradorprotagonista de Memorias do carcere. Diante de todas as
possibilidades, e na narrativa memorialistica que o garoto encontrara
sua contraparte madura, vivendo o destino que, na decada de 1930,
tiveram varios intelectuais. Assim, o Graciliano Ramos menino cresce,
tornando-se o Graciliano Ramos adulto, escritor, preso politico e pai de
familia. Sua sina nao parece melhor do que a de nenhum de seus
personagens. Tambem para ele foi inexoravel e impiedosa a sorte. Homem
como todos os outros, sua diferenca esta em que pode registrar sua
historia.
Articulando-se dentro do projeto literario de Ramos, portanto,
Infancia atua como uma forca que traz unidade e nova luz para as
aventuras e desventuras narradas por personagens ficcionais e
autobiograficos dos outros livros. Oferecendo as exegeses possiveis para
o projeto literario de Ramos, Infancia constituira uma de suas mais
importantes narrativas. Ela elucida a genese de todos os herois e de
suas trajetorias no projeto literario do autor.
Todavia, nao tera sido apenas para tornar mais coerente sua obra
que Ramos escreveu Infancia. Jean Starobinski assenta no presente do
autor a premencia de significar atraves da narrativa:
The narrator describes not only what happened to him at a different
time in his life but above all how he became--out of what he was--what
he presently is. [...] It becomes necessary to retrace the genesis of
the present situation, the antecedents of the moment from which the
present "discourse" stems. The chain of experiences traces a
path (though a sinuous one) that ends in the present state of
recapitulatory knowledge. (78-9)
O presente do narrador e, portanto, o ponto de apoio de onde emana
a necessidade de evocar as memorias. Dificilmente se escreveria uma
autobiografia, segue Starobinski (78-9), sem que uma mudanca radical
tivesse ocorrido na vida do escritor. A transformacao interna do
individuo e o carater exemplar da mudanca fornecem o assunto para o
discurso narrativo no qual o eu e tanto sujeito quanto objeto. No caso
de Ramos, a justificativa mais imediata a que se pode acorrer seria sua
prisao em 1936. Desde a mais abjeta experiencia, vivida a bordo do
imundo porao do navio Manaus, com trezentas pessoas, ate as enfermidades
e padecimentos sofridos e presenciados nas cadeias, Ramos teria todos os
motivos para jamais voltar a ser quem foi. Assim, faz sentido que os
dois livros memorialisticos assinados pelo autor tenham sido escritos
depois de 1937, apos sua traumatizante experiencia nos carceres da
capital.
Talvez nao seja muito pontual afirmar que a experiencia da prisao
tenha exercido papel exclusivo na escrita autobiografica de Ramos,
embora seja inegavel que haja, de fato, provido material para suas
memorias. A configuracao de um eu como sujeito e objeto do discurso,
pelo menos enquanto tema, encontra-se presente na narrativa de Ramos
desde os seus primeiros escritos. Aos onze anos, como vemos em Infancia
(225-30), Ramos, em seus primeiros exercicios com a literatura, escreve
o "Pequeno mendigo"--que, na realidade, se chama "Pequeno
pedinte"-, miniconto de teor ja visivelmente autobiografico.
A semelhanca do "menino pedinte" com a vida do proprio
protagonista de Infancia e mais tematica do que literal. O menino de
Infancia nao pede esmolas a porta de uma igreja, mas tanto ele quanto o
personagem de seu conto partilham dos mesmos sentimentos de abandono e
vergonha, carencia afetiva e dor, desprezo e negligencia. Seria valido
inferir que a escrita do pre-adolescente ja contem marcas de
autorreferencialidade, antecipacoes do que viria a ser, com Infancia, um
projeto maior da narrativa autobiografica. Portanto, Ramos, desde que
foi capaz de criar com as letras aprendidas a duras penas, ja tinha no
espirito a cogitacao autobiografica, que marcou, de uma forma ou de
outra, toda a sua obra. Se a sua experiencia na prisao foi o que acabou
de impulsiona-lo a escrever os dois livros autobiograficos, torna-se
necessario redescobrir ou resgatar as experiencias que foram realmente
significativas para o autor desde o inicio de sua vida. E estas
experiencias estao relatadas em Infancia.
A primeira grande mudanca na vida de Ramos comecou a acontecer
quando ele tinha cerca de seis anos. Essa transformacao, porem,
diferentemente da prisao, nao vem inesperadamente: ao contrario, leva
muito tempo para completar-se, como um processo lento, mas definitivo,
que gradualmente converte o menino intimidado pelas dimensoes dos
objetos e das pessoas, em Infancia, no homem integral, que se expressa
clara e diretamente a um diretor de presidio, em Memorias do carcere. O
que sucedeu na vida de Ramos, mudando-a decisivamente e consentindo que
participasse a humanidade suas experiencias, tera sido o alfabeto, e o
processo inexoravel que o transformou, permitindo que se manifestasse
como artista, o letramento.
Se e verdade que o autobiografo nao se furtara a falar sobre sua
grande transformacao e dos eventos que a possibilitaram, as experiencias
que lhe causaram profundo impacto sobre a vida, nao sera contrassenso
deduzir que, dentro da narrativa autobiografica, no mais das vezes,
havera espaco suficiente para relatar a trajetoria de aquisicao das
letras e da arte. Infancia e o espaco no qual Ramos esclarece por que se
distingue, em certos aspectos, do Fabiano de Vidas secas e do ladrao
Jose de Memorias do carcere. Nos dois momentos aqui ja apresentados, em
que Ramos refere-se a esses dois personagens, ele apontara a letra como
marca da diferenca. Em consequencia da importancia que exerceu na
formacao do homem e do escritor Graciliano Ramos, o alfabeto figurara
quase como um personagem em Infancia.
No presente do narrador, a condicao de escritor se manifestara, em
principio, pelo rigor com a linguagem e pelo tratamento estilistico que
chama a atencao para o proprio texto. Em seguida, passara pelo conteudo
narrativo epilinguistico, que faz comentarios sobre a lingua sem
recorrer a terminologia, e chegara as ponderacoes metaliterarias, como a
que segue:
Meu avo [...] tinha habilidade notavel e muita paciencia. [...]
Suou na composicao das urupemas. Se resolvesse desmanchar uma, estudaria
facilmente a fibra, o aro, o tecido. Julgava isto um plagio. Trabalhador
caprichoso e honesto, procurou os seus caminhos e executou urupemas
fortes, seguras. Provavelmente nao gostavam delas: prefeririam velas
tradicionais e corriqueiras, enfeitadas e frageis. O autor, insensivel a
critica, perseverou nas urupemas rijas e sobrias, nao porque as
estimasse, mas porque eram o meio de expressao que lhe parecia mais
razoavel. (Ramos, Infancia 17-18)
Como lembra Candido (52), ao falar sobre o avo, Ramos revela muito
de si mesmo e da forma como lida com a sua vocacao de artista, um
artifice da linguagem. Substituindo-se, no fragmento, a figura do avo
pela de Ramos, constatamos que a passagem retrata o proprio processo da
escrita da obra, o modo como um projeto literario e feito com
obstinacao, interrupcoes, avancos, retrocessos, eliminando-se enfeites,
recebendo-se criticas, finalmente chegando-se a um modo de expressao
razoavel, porque naturalmente imperfeito, devido ao tremendo senso de
autocritica de Ramos.
Assim, a trajetoria do autobiografo em Infancia, descrevendo os
passos da aquisicao do letramento e colocando em pauta a questao
literaria pela sintese da criacao artistica, tem como um de seus motivos
principais relatar por que e como Ramos tornou-se o que e--um escritor.
Ou seja, a condicao de letramento presente do narrador de Infancia
precisa ser explicada. Tambem para isso ele escrevera uma narrativa
autobiografica em que figura sua historia de aprendizado das letras e
parte do percurso que fez para ali chegar. Nesse sentido, a trajetoria
do autobiografo assemelha-se a do autodidata: ambos voltam seus olhares
para o passado com o intuito de passar a limpo sua vida, registrando os
eventos incisivos de sua experiencia.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL
OBRAS CITADAS
Candido, Antonio. Ficcao e confissao: ensaios sobre Graciliano
Ramos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
Olney, James. Autobiography: Essays Theoretical and Critical.
Princeton: Princeton UP, 1980.
Ramos, Graciliano. Angustia. 60a. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.
--. Caetes. 31a. Rio de Janeiro: Record, 2006.
--. Infancia. 38a. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.
--. Vidas secas. 100a. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.
--. Memorias do carcere. 36a. ed. 2 vols. Rio de Janeiro: Record,
2000.
Ramos, Ricardo. Graciliano: retrato fragmentado. Sao Paulo:
Siciliano, 1992.
Senna, Homero. Republica das letras: entrevistas com vinte grandes
escritores brasileiros. 3a. ed. Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira,
1996.
Starobinski, Jean. "The Style of Autobiography."
Autobiography: Essays Theoretical and Critical. James Olney, ed.
Princeton: Princeton UP, 1980. 73-83.